[Opinião] O terraplanismo bolsonarista

Blog da Folha

Jorge Waquim é filósofo pela Universidade Paris Nanterre e tradutor.
Foto: Divulgação

Por Jorge Waquim

Há uma confusão, digamos, cognitiva desse atual grupo que ora ocupa as instâncias mais altas do poder. Ela tem a ver com a negação do cientificismo, que é uma forma de ver o mundo onde predominam o método e o rigor científicos, que deveriam ser imprescindíveis para o sucesso das ações de um governo. Em seu lugar, vão empregando achismos populistas que podem ter funestas consequências.

Essa negação é tão presente que todas as semanas podemos encontrá-la no que prometem fazer os ocupantes de cargos políticos do governo federal. 

Quem disse para eles que filosofia ou sociologia, complementares e fundamentais no conhecimento global desenvolvido pela universidade, são menos importantes do que outras áreas do conhecimento? Quem disse ao presidente que radares e pontos na carteira não são fundamentais para se diminuir a letalidade provocada pelo trânsito de automóveis nas cidades e nas rodovias? A resposta: as suas próprias cabeças e opiniões, desconsiderando consenso científico e dados da realidade.

O ministro da Cidadania olha para Copacabana e a ausência de pessoas nas ruas é o suficiente para ele concluir que as drogas são, sim, uma epidemia no Brasil, a despeito do que diz a Fiocruz, respeitada instituição de pesquisa científica brasileira, que realizou durante três anos uma abrangente sondagem sobre o tema e concluiu no sentido contrário ao que prega o ministro.

Ainda precisam que me expliquem qual é a relação causal entre aprovação da reforma da previdência, que atinge pessoas mais desmunidas, e a previsão de crescimento econômico imediatamente em seguida. Onde está a correlação, além da uma promessa de alívio fiscal que não é imediato?

O chanceler, de boa formação científica, vai ao Congresso dizer que o aquecimento global é uma ilusão, pois os termômetros que servem para medir a temperatura estão hoje mais próximos do asfalto do que antes. Ideia que seria interessante se não carecesse de demonstrações cientificas, que ele não forneceu.

A Folha de São Paulo publicou hoje, dia 3 de junho, que o ministro do meio ambiente resolveu desconfiar do Inpe, respeitada instituição de pesquisa, e decidiu por contratar uma empresa privada para o controle do desflorestamento na Amazônia. Isso sem ouvir ninguém, apenas a partir de uma opinião pessoal.

Ora, a ciência não é produto da mera opinião de cientistas, a ciência é uma maneira de se chegar a um consenso sobre os fenômenos do mundo, guiada pelo rigor e averiguação. Mais do que uma opinião, menos do que uma verdade perfeita ou absoluta, esse é o resultado do trabalho científico. 

Na sociedade, cada pessoa é livre até para acreditar que a terra é plana e fazer dessa crença uma bandeira, como parece ser o caso do guru do governo. Que elas sejam livres em suas ações até a medida em que não ponham em risco a vida das outras pessoas, eis o princípio liberal que rege as sociedades ocidentais e modernas, princípio nascido justamente no momento em que amadurecia o espírito científico enquanto ferramenta para se domar e compreender a natureza.

O governo, em contrapartida, não precisa reinventar rodas, basta ouvir quem conhece as engrenagens.

*Jorge Waquim é filósofo por Paris Nanterre e Tradutor

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

Multinacional portuguesa Politejo vai instalar nova fábrica em Pernambuco

Em novo caso de nudez, corredora sai pelada em Porto Alegre

Foragido que fez cirurgia e mudou de identidade é preso comprando casa na praia