Brasileiro tem dificuldade para controlar diabetes e hipertensão mesmo quando tratado, mostra estudo

Só 28,97% dos pacientes avaliados apresentavam a pressão arterial sob controle e 39,1% atingiam as metas de hemoglobina glicada

Estadão 

Mesmo em tratamento, a grande maioria dos brasileiros com hipertensão e diabetes tipo 2 não consegue atingir as metas de pressão arterial e glicemia (açúcar no sangue). Apenas 12,7% alcançam os níveis preconizados.

Com isso, eles são considerados pacientes com risco cardiovascular alto (23,9%) ou muito alto (76,1%) em escalas que avaliam a possibilidade de problemas graves no coração ou nos vasos sanguíneos nos próximos anos, como infarto, acidente vascular cerebral (AVC), insuficiência cardíaca e até morte.

Apenas 28,97% dos brasileiros avaliados no estudo apresentavam a pressão arterial sob controle - Foto: C Daniels/peopleimages.com/Adobe Stock

As informações são do braço brasileiro do SNAPSHOT, um estudo epidemiológico global patrocinado pela farmacêutica Servier. No País, foram analisados os dados de quase 400 adultos atendidos em 11 centros médicos (especializados em cardiologia ou endocrinologia) das redes pública e particular nas cinco regiões.

O SNAPSHOT, como o nome indica, tenta fazer uma “fotografia” do perfil clínico de indivíduos com hipertensão e diabetes em relação ao cumprimento de metas de tratamento de acordo com as diretrizes europeias (como se trata de um esforço global, os dados precisam ser comparáveis). Os resultados vêm de formulários preenchidos pelos médicos e dos prontuários dos pacientes.

O estudo, apresentado no Congresso da Sociedade de Cardiologia do Estado de São Paulo (Socesp), olha para duas medidas importantes: a pressão arterial — os médicos faziam a aferição na consulta e forneciam o resultado — e da hemoglobina glicada — medida do comportamento médio da glicemia no último mês, obtida num exame de sangue.

Só 28,97% dos brasileiros avaliados no estudo apresentavam a pressão arterial sob controle, e 39,1% atingiam as metas de hemoglobina glicada. Apenas 12,7% conseguiram manter ambos os indicadores dentro dos níveis recomendados.

“(O resultado) Não surpreende, mas constrange”, avalia o cardiologista Emilton Lima Junior, coordenador nacional do estudo e professor da Universidade Federal do Paraná (UFPR).

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O resultado não surpreendeu os especialistas porque eles notam que complicações dessas doenças, como amputação, lesões na retina e necessidade de diálise devido à falência renal, continuam sendo uma realidade.

Além disso, segundo Lima Junior, o Brasil segue uma tendência global — os resultados não diferem muito dos observados em outros países.

Sem diagnóstico

Todos os participantes da pesquisa já tinham diagnóstico de hipertensão e diabetes tipo 2 — e quase todos estavam em tratamento. O cenário tende a ser ainda mais preocupante fora da amostra: como essas doenças costumam ser silenciosas, muitas vezes o diagnóstico só ocorre quando o quadro já está avançado.

Para se ter uma ideia, mais da metade das pessoas com hipertensão nem sabe que tem a condição, segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS). Ou seja, é provável que uma proporção ainda maior de brasileiros esteja com pressão e glicemia elevadas, expostos a um risco cardiovascular significativo.

Duas doenças ao mesmo tempo

“Em geral, a pessoa que tem hipertensão não tem só hipertensão. Ela tem hipertensão e algumas outras doenças crônicas. A mesma coisa a pessoa com diabetes tipo 2”, afirma Renata Lima, gerente-médica da Servier do Brasil. Esse é o conceito de multimorbidade, cada vez mais usado pelos médicos.

A literatura científica aponta que cerca de 30% dos hipertensos têm diabetes tipo 2, e quase 80% das pessoas com diabetes tipo 2 têm hipertensão, diz Renata. Especialistas acreditam que essas doenças compartilham mecanismos biológicos, como uma inflamação crônica de baixo grau, que contribuem para o desenvolvimento de ambas, mas esses fatores não são totalmente compreendidos.

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Essa sobreposição não é apenas comum — ela também é perigosa. “A hipertensão arterial é o principal fator de risco para morte cardiovascular. Quando combinada com o diabetes, o risco é de 2 a 3 vezes maior”, afirma Lima Junior.

De acordo com o estudo, 93% dos pacientes possuíam ao menos mais doença crônica que aumentava o risco cardiovascular, como dislipidemia (33,5%), doença arterial periférica (24,7%) e histórico de infarto do miocárdio (18,1%). A maioria (85,12%) tinha um índice de massa corporal de 30,2 kg/m², indicando obesidade.

O estudo também pedia aos médicos que classificassem o risco cardiovascular do paciente com base na medida da pressão no consultório e no resultado do exame de hemoglobina glicada. O resultado foi uma distorção em relação às diretrizes.

De acordo com elas, todos os pacientes estavam nos estratos de risco alto e muito alto. Já os médicos apontaram que 15,6% dos pacientes estavam no nível moderado; 48,1%, no nível alto e 35,8%, no muito alto. Ou seja, eles subestimaram o risco em quase metade dos casos (48%).

Para Lima Junior, um dos motivos para a diferença pode estar na velocidade com que novas diretrizes são lançadas. Ele diz que, em média, há um novo documento a cada dois anos — quase sempre mais complexo e com metas mais rígidas. “O tempo da prática médica não é o das diretrizes. Temos de encurtar essa distância.”

Ele comenta ainda que, por vezes, pode haver certa permissividade da parte dos médicos, o que atrasa o avanço no tratamento. “Quase na meta é fora da meta”, ressalta.

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‘Quem se lembra de tomar tanta pílula?’

Do lado do paciente, também é preciso entender até que ponto ele tem acesso às medicações prescritas e com que rigor segue o tratamento.

Os especialistas sabem, por exemplo, que a adesão é prejudicada pela grande quantidade de medicação — a maioria dos pacientes no estudo tinha indicação de tomar de 4 a 15 comprimidos por dia.

E o número pode ser ainda maior, diante da complexidade das doenças. “A hipertensão é como uma balança de dois pratos: um deles é o débito cardíaco e o outro, a resistência vascular periférica”, comenta Lima Junior. Ou seja, a pressão é o resultado do trabalho do coração para bombear o sangue e de quão elásticos são os vasos sanguíneos

Mas os mecanismos que regulam o coração e os vasos não são necessariamente os mesmos. “Na maioria das vezes, um único comprimido não consegue cobrir todos esses mecanismos”, fala ele.

É comum pacientes com hipertensão precisarem utilizar remédios de duas a três classes — como drogas diuréticas, bloqueadores de cálcio e/ou inibidor do sistema renina-angiotensina. A mesma lógica se estende para o diabetes tipo 2 — cada vez mais os pacientes já iniciam o tratamento com duas drogas.

Atualmente, há o avanço das chamadas “pílulas únicas”, que reúnem de duas a três drogas. Segundo médicos, elas podem mudar o jogo e aumentar a adesão ao tratamento, mas por ora não são oferecidas pelo Sistema Único de Saúde (SUS) — eles reforçam, porém, que as ofertadas são altamente eficazes.

Ao Estadão, o Ministério da Saúde afirmou que oferece assistência integral para as duas doenças, com oferta gratuita de medicamentos. A pasta lembrou que a a incorporação de tecnologias ao SUS depende de avaliação da Conitec, uma comissão que avalia a relação custo-efetividade, e disse que não há propostas em análise para medicamentos em dose fixa combinada para essas doenças, “nem evidências robustas que comprovem ganhos clínicos relevantes em termos de adesão com o uso dessas associações”.

Outro ponto a considerar é que tanto o diabetes tipo 2 quanto a hipertensão costumam não causar sintomas. As medicações, por outro lado, apresentam efeitos colaterais. Por isso, às vezes o desafio é convencer o paciente de que vale a pena tomá-las.

“O comportamento humano é complexo”, resume Lima Junior.

Renata destaca ainda a importância de mudanças no estilo de vida, um aspecto não abordado no estudo. Alterações na dieta, nível de atividade física, qualidade do sono e gerenciamento de estresse, por exemplo, são fundamentais para o sucesso do tratamento. “Não é só medicação.”

A boa notícia é que o tratamento correto é transformador. “Se você pegar um paciente hipertenso aos 50 anos e conseguir manter a pressão dele controlada, abaixo de 130 por 80, é possível estender a expectativa de vida em cerca de 10%”, afirma Lima Junior.

“É como se, a cada 10 dias com a pressão sob controle, ele ganhasse um dia a mais de vida.”

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