Voto feminino no Brasil completa 89 anos, mas representatividade ainda é desafio

Brasil declarou o direito ao voto para mulheres depois de países europeus, mas antes da maioria dos vizinhos latino-americanos

Luana Franzão*, da CNN, em São Paulo

Primeiras eleitoras votam no Brasil
Foto: Acervo TSE

A permissão para o voto feminino no Brasil foi declarada há 89 anos, em 24 de fevereiro de 1932, com a chegada do primeiro Código Eleitoral brasileiro. Ainda que pareça muito tempo, o Brasil declarou esse direito mais de dez anos depois da maioria dos países, que o fizeram na primeira década do século 20.

Quase nove décadas se passaram, mas a representatividade das mulheres em cargos públicos ainda é baixa no país que tem apenas 15% de participação feminina no Congresso Nacional.

O direito de votar das mulheres gerou grandes polêmicas entre o fim do século 19 e o início do 20 e a luta para esse objetivo pode ser considerada um dos marcos do nascimento do feminismo no mundo.

A primeira mulher a votar no Brasil conquistou esse direito antes mesmo da declaração oficial. Isso se deu, pois a Constituição vigente na época, a de 1891, não proibia explicitamente que as mulheres participassem das eleições — de acordo com registros da Constituinte, essa cláusula não foi escrita, pois era "implícita".

Usando essa justificativa, em 1928, Celina Guimarães Viana se tornou a primeira mulher a conquistar o direito ao voto no Brasil. O Rio Grande do Norte foi o primeiro estado no país a aprovar uma lei que não permitia "distinção de sexo" para a votação, promulgada em 1927. Dessa forma, ao exigir seu direito de votar em Mossoró, RN, Viana não encontrou objeções.

Apesar de ter sido uma demanda em alta na sociedade da época, o voto feminino era uma questão polêmica. A liberdade das mulheres não era vista com bons olhos pela maioria, já que a crença geral era de que o lugar da mulher na sociedade era apenas como cuidadora do lar, portanto, não tinham o intelecto necessário para participar do debate público.

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Por esse motivo, foram poucas as mulheres que votaram na primeira eleição em que podiam participar, em 1933: apenas 20 compareceram ao pleito.

Uma discussão antiga

De acordo com Tribunal Superior Eleitoral (TSE), o direito ao voto feminino foi discutido ostensivamente nas Assembleias Constituintes prévias à aprovação do Código Eleitoral.

A Constituição monárquica, promulgada em 1824, não proibia explicitamente o voto feminino, mas também não apresentava nenhuma cláusula que explicitasse essa possibilidade — a interpretação geral era de que a proibição do voto feminino era evidente.

Em 1827, durante discussão sobre leis da educação básica, um marquês chegou a sugerir que as meninas aprendessem apenas as quatro operações matemáticas básicas, além de ler e escrever.

Segundo ele, havia "a frívola mania das mulheres de se aplicarem a temas para os quais parecia que a natureza não as formara, em um desvio, assim, dos verdadeiros fins para que foram criadas, e da economia de suas casas", de acordo com trecho do livro O voto no Brasil, de Walter Costa Porto, reproduzido no site do TSE.

Muitas vezes, o direito ao voto foi negado às mulheres com o argumento de que apenas reproduziriam a escolha do marido e que seria um voto duplicado.

A conquista do voto feminino não foi uma progressão natural de eventos. Veio por meio da luta de movimentos sociais, em especial, do feminismo, que se consolidou nessa época.

O que hoje em dia é chamada de Primeira Onda do Feminismo se fortaleceu com o movimento sufragista, no qual mulheres tinham como bandeira a conquista de direitos políticos.

As primeiras ativistas pelo voto surgiram na Inglaterra e ganharam força em 1897, quando foi criada a União Nacional pelo Sufrágio.

A atuação do movimento se pautava principalmente em publicações de textos e manifestos em jornais, reuniões políticas e manifestações pacíficas. Posteriormente, França, Itália e Estados Unidos também começaram a ver mobilizações feministas.

No Brasil, a luta pelo sufrágio feminino se estabeleceu a partir de 1910, sob o comando de ativistas como Leolinda de Figueiro Daltro, professora e indigenista, e Bertha Lutz, que se aliou ao movimento feminista internacional.

Em organizações como a Federação Brasileira pelo Progresso Feminino, mulheres promoviam palestras, reuniões, distribuições de panfletos no Congresso e manifestações. A pressão, exercida desde a década de 20, encontrou respaldo apenas em 1932.

Na Constituição seguinte ao Código Eleitoral, de 1934, o voto das mulheres foi explicitado: eram considerados eleitores "os brasileiros de um ou de outro sexo, maiores de 18 anos".

É importante destacar que a conquista não foi alcançada em um contexto de votação universal: na maioria dos países, apenas mulheres com posses ou renda foram autorizadas a participar de eleições.

Em geral, o feminismo era composto na época por mulheres de classe média alta, com acesso à instrução e estudo, uma minoria da população.

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Ao redor do mundo

O primeiro país onde as mulheres conquistaram o direito de participar do sistema político foi a Nova Zelândia, em 1893.

Logo depois vieram a Finlândia, em 1906, e a Noruega, em 1907.

Na Inglaterra, um dos lares do movimento das sufragistas — composto por mulheres que se manifestavam pelo sufrágio feminino no século 19 — o direito só foi concedido em 1918. Nos Estados Unidos, em 1917.

Sufragistas protestam pelo direito ao voto na Inglaterra no início do século 20
Foto: Reprodução

Apesar de um pouco atrasado em relação a muitos países que aprovaram o voto ainda na primeira década do século 20, o Brasil declarou o direito antes da vizinha Argentina, que somente o fez em 1947, e o Chile, em 1949.

Na Arábia Saudita, o sufrágio feminino foi declarado apenas em 2011 e com uma série de restrições.

Atualmente, o único país onde mulheres não votam é o Vaticano. Apenas cardeais podem votar para eleger o chefe de estado e mulheres não podem assumir esse posto, de acordo com a lei da Igreja Católica.

Direito não reflete representatividade

É fato que, ao longo desses 89 anos, mulheres passaram a ocupar cargos políticos em todas as esferas. No entanto, a representatividade do sexo feminino no meio ainda é baixa.

Na apresentação do Plano de Ação para as Eleições 2020, o presidente do Tribunal Superior Eleitoral, ministro Luís Roberto Barroso defendeu o aumento da participação das mulheres na política.

Segundo ele, o Brasil tem “irrisórios” 15% de participação feminina no Congresso Nacional o que coloca o país numa posição desfavorável, na comparação com outros países. Barroso citou duas razões para a defesa:

“A primeira é por uma questão de justiça de gênero. Se existem 50% de mulheres na sociedade - até um pouco mais de 50% -, é natural que exista uma representação mais significativa. E em segundo lugar porque há um conjunto de atributos e de qualificações tipicamente femininas que efetivamente contribuem para o aprimoramento da vida pública”, afirmou.

Na avaliação de Barroso, mais mulheres na política seria bom para o país e para o interesse público.

"Eu gosto sempre de lembrar que os países que tiveram melhores resultados no enfrentamento da pandemia, por acaso ou não, eram liderados por mulheres: a Nova Zelândia, a Alemanha e a Dinamarca. Portanto, mais mulheres na política é uma ideia de avanço civilizatório", presidente do TSE, Luís Roberto Barroso.

Legislação

Com o objetivo de garantir maior participação, em 1995, foi promulgada a lei 9.100/1995, primeira ação afirmativa que determinava que 20% de vagas de cada partido ou coligação nas eleições das Câmaras Municipais deveriam ser preenchidas por candidaturas de mulheres.

Já em 1997, cotas de gênero passaram a ser exigidas para Assembleias Estaduais e para a Câmara dos Deputados. O percentual mínimo de vagas também passou para 30%.

Apesar da legislação, para driblar a determinação, partidos alegavam que a lei determinava que as vagas fossem reservadas, mas não, preenchidas. Foi então que, em 2009, um artigo da lei Eleitoral foi alterado determinando o mínimo de 30% e o máximo de 70% para candidaturas de cada sexo.

Candidaturas laranja

As candidaturas laranja de mulheres também se tornaram um problema e estão na mira da Justiça Eleitoral.

Uma das evidências mais típicas desse tipo de crime é a incompatibilidade entre os recursos recebidos e quantidade de votos obtidos.

Segundo o TSE, em 2016 foram registradas ocorrências em que 16.131 candidatos não receberam nenhum voto. Entre eles 14.417 eram mulheres e apenas 1.714 eram homens.

Para o tribunal, esses números evidenciam que partidos seguem a prática de lançar candidaturas apenas para cumprir a cota determinada por lei.

Para combater a fraude, a Polícia Federal atua no cruzamento de dados, a fim de encontrar inconsistência e abrir investigação contra os suspeitos.

(Com Agência Brasil)
(*Supervisão de Sinara Peixoto)

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