'Me endividei em R$ 40 mil por bolsa de doutorado', diz pesquisador que aguarda pagamento da Capes

Paula Adamo Idoeta
Da BBC News Brasil em Londres

CRÉDITO: ARQUIVO PESSOAL

Raphael Anacleto Martins Pires de Oliveira se endividou em R$ 40 mil no cartão de crédito e agora aguarda liberação de recursos da Capes

As incertezas quanto ao pagamento das bolsas da Capes (Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior) "caíram como uma bomba" na vida do pesquisador Raphael Anacleto Martins Pires de Oliveira, 31, que em poucos dias embarca para a Dinamarca para um doutorado-sanduíche de seis meses na Universidade Técnica Dinamarquesa (DTU).

Raphael havia passado em um edital da Capes em setembro e em seguida se endividou no cartão de crédito em R$ 40 mil para bancar visto, passagem aérea e acomodação no país europeu, enquanto esperava chegar o financiamento do governo federal brasileiro para repor parte desses gastos.
"Como depois do edital tem que mandar bastante documentação, era esperado que eu só recebesse o dinheiro em novembro mesmo. Mas não pagaram - ficou para dezembro, e agora não tem dinheiro nenhum", diz ele à BBC News Brasil, em referência ao corte no pagamento de 200 mil bolsas anunciado pelo Capes em 6 de dezembro, por conta de contingenciamento de recursos imposto pelo Ministério da Economia.

Depois da comoção causada pelos cortes e de o ministro Dias Toffoli (Supremo Tribunal Federal) dar 72 horas para o governo federal explicar a retenção, o ministro da Educação, Victor Godoy, declarou na quinta-feira (8/12) que "o pagamento das 200 mil bolsas do Capes está garantido" e ocorrerá até a próxima terça (13/12).

Godoy afirmou que, graças a articulações com o Ministério da Economia e Casa Civil, conseguirá R$ 460 milhões para o MEC ,sendo R$ 210 milhões para a Capes.

Raphael diz que, oficialmente, ainda não recebeu nenhuma confirmação da Capes sobre quando receberá os recursos da sua bolsa.

Em grupos nas redes sociais, ele diz que outros bolsistas como ele estão à espera de definições, em especial os que já estão estudando no exterior e dependem dos recursos do governo brasileiro para se manter ou para regressar ao Brasil.

"Tem muitos relatos de gente que está no exterior e sem dinheiro para comprar a passagem de volta. Tem muita gente desesperada, falando que só chora, que já tem dono do imóvel cobrando (o aluguel atrasado). E como você não pode ter nenhum vínculo empregatício (enquanto usufrui da bolsa da Capes), você não tem dinheiro sobrando", explica.

CRÉDITO: ARQUIVO PESSOAL

Raphael no laboratório do Ipen; "É (um ambiente) muito difícil. Eu só migrei para essa área energética porque até mesmo no Brasil há empresas tentando novos tipos de combustível, porque o futuro pede"

Raphael cursa doutorado em engenharia de materiais, em um projeto do Ipen (Instituto de Pesquisas Energéticas e Nucleares), da USP, com a Universidade Federal do ABC. Ele participa de pesquisas para transformar gás metano em combustíveis.

A trajetória de Raphael desde a graduação se mescla com uma série de cortes orçamentários e crises políticas brasileiras.

"Fiz graduação em engenharia mecânica esperando ir para o mercado de trabalho, mas foi bem na época da crise econômica do fim do governo Dilma Rousseff. Aproveitei para ir para a academia e consegui entrar no mestrado em engenharia de materiais na Poli (Escola Politécnica da USP)". Mas, ao concluir o mestrado e passar em uma bolsa de doutorado na mesma área, em 2019, acabou afetado pelo contingenciamento de recursos promovido pelo então ministro da Educação do governo Jair Bolsonaro, Abraham Weintraub.

Tentou a sorte no mercado de trabalho por um curto período, até conseguir, em 2020, uma bolsa do CNPq (Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico) para seu doutorado atual. A bolsa que vigora até este mês de dezembro, quando seria substituída pela bolsa do doutorado na Dinamarca.

Raphael ganha até o momento R$ 2,2 mil por mês com dedicação exclusiva - ele e outros bolsistas de pós-graduação pleiteiam atualizações no valor das bolsas de pós-graduação, que não é reajustado desde 2013. Ele consegue se manter com o dinheiro porque mora com os pais e faz bicos de trabalho com computadores.

"E olha que, apesar dessa defasagem, a minha área, de energia, é onde tem mais dinheiro", diz ele. "Essa minha bolsa atual, por exemplo, não está mais disponível para a galera de Humanas. É (um ambiente) muito difícil. Eu só migrei para essa área energética porque até mesmo no Brasil há empresas tentando novos tipos de combustível, porque o futuro pede."

Enquanto aguardava uma definição da Capes, Raphael começou a se mobilizar. Está em consulta com advogados quanto à possibilidade de entrar na Justiça contra o governo federal, em conjunto com outros bolsistas. Também fez contato com a deputada federal Tabata Amaral (PSB-SP), que integra a equipe de transição do futuro governo de Luiz Inácio Lula da Silva na área de educação.

"Estou recebendo diversos relatos de pesquisadores", disse a deputada na Câmara, ao mencionar a história de Raphael, horas depois de os cortes serem anunciados, em 6 de dezembro. "São pessoas que escolheram dedicar sua vida à ciência e ao desenvolvimento social e econômico do nosso país, e no momento estão completamente desamparadas. A culpa desse corte de recursos fica na conta do orçamento secreto, na conta do financiamento da campanha do presidente Bolsonaro, e é muito importante que a gente não deixe isso morrer."

Raphael diz que entrou em contato com a deputada na esperança de que, pelo gabinete de transição, conseguisse alguma informação sobre as bolsas.

Sua namorada, que também passou no mesmo projeto de pesquisa e na mesma bolsa, já recebeu parte dos recursos da Capes, então o casal tem como se manter na Dinamarca no primeiro mês. Depois, chegará a hora de pagar os valores que Raphael parcelou no cartão de crédito.

Se o dinheiro da bolsa dele não chegar a tempo, Raphael cogita acionar amigos e parentes ou fazer uma vaquinha online. "Vou pedir ajuda, porque não quero desistir, não."

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