5 anos de Pix: após conquistar o Brasil, sistema inspira outros países e incomoda Trump
Com 140 milhões de usuários, Pix transforma a relação dos brasileiros com o dinheiro e é estudado por outros países, que buscam replicar seu sucesso
Estadão
Do "Pix da confiança" na venda de produtos em farol de trânsito ao dízimo e contribuições dos fiéis nas igrejas pelo Pix com QR Code, o Pix desbancou o dinheiro.
Crédito: Márcia de Chiara/ Daniel Teixeira/Isabel Lima/Estadão
SÃO PAULO E BRASÍLIA — Utilizado por cerca 140 milhões de pessoas no Brasil, o Pix se concretizou como um dos casos mais bem-sucedidos no mundo de sistema de pagamento instantâneo. O uso massivo alterou a relação da população brasileira com dinheiro em espécie, cartões e instituições financeiras e colocou o País na vanguarda do desenvolvimento dessa tecnologia, que neste domingo, 16, completa cinco anos de existência.
Organismos internacionais como OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico) e Banco Mundial têm destacado o Pix como um caso de sucesso em seus relatórios. Países de diferentes continentes vêm estudando sua estrutura e impactos, seja no sistema financeiro como no Produto Interno Bruto (PIB). A Colômbia, por exemplo, está implementando um sistema inspirado no Brasil.
Globalmente, são dezenas de países com sistema de pagamentos instantâneos, mas além do Brasil, apenas a Índia conseguiu alcançar uma relevância entre a sua população no cenário global. O UPI (Unified Payments Interface) indiano tem cerca de 440 milhões de usuários. E na comparação entre os dois países, é importante considerar o tamanho da população, o que releva ainda mais a força do Pix no Brasil. São 213 milhões de brasileiros e 1,4 bilhão de indianos.
“Uma a cada 11 pessoas no mundo já está utilizando pagamentos instantâneos. Esse número é significativo”, diz Adrian Cernev, professor de tecnologia financeira e meios de pagamento da FGV EAESP. “Isso tende a ser muito bem observado em outros países, especialmente quando os reguladores querem aprimorar a eficiência do sistema.”

Pagamento instantâneo já chega a uma a cada 11 pessoas no mundo
Foto: Agência Brasil/Bruno Peres
O diretor de Organização do Sistema Financeiro e Resolução do Banco Central, Renato Gomes, afirmou que a instituição apoia com entusiasmo as soluções desenvolvidas pelo mercado para a internacionalização do Pix. “Nós apoiamos essas iniciativas, desde que todo o arcabouço de PLD (Prevenção à Lavagem de Dinheiro), compliance e ‘conheça seu cliente’ seja rigorosamente respeitado. Isso é fundamental”, ressaltou.
Para o advogado Bruno Balduccini, sócio do Pinheiro Neto Advogados, um Pix Internacional que envolva a troca de moedas entre bancos centrais ainda está distante de se concretizar, devido à natureza lenta desse tipo de acordo entre BCs.
Ele pondera, contudo, que a internacionalização dos pagamentos instantâneos por meio de um modelo privado é algo que tende a ganhar cada vez mais tração, e afirma que esse processo tende a ser facilitado pela regulamentação recente publicada pelo BC que equiparou atividades de ativos virtuais a operações de câmbio. “Esses modelos privados, usando stablecoins (criptomoedas projetadas para manter um valor estável), me parece que serão a principal máquina de crescimento do Pix.”
Sem fronteiras
O cruzamento entre sistemas de pagamento instâneos, como Pix, e as stablecoins já é uma possibilidade e tende a crescer no futuro, afirma o CEO da Dock, Antonio Soares. A empresa fornece infraestrutura para o Bre-B, sistema de pagamentos instantâneos da Colômbia inspirado no Pix.
“Por que eu estou falando de stablecoins e Pix? Porque posso ter uma stablecoin em reais ou em dólar, e é aqui que eu vou fazer uma transação cross border ser muito mais rápida, barata e segura”, diz. “A infraestrutura já está colocada, é só começar a criar os casos de uso.”
Além da Colômbia, outros bancos centrais do mundo, mas principalmente na América Latina, têm mantido grupos de estudos e conversas técnicas para aprender sobre a tecnologia, o modelo de negócios e a regulamentação.
O outro motivo para a internacionalização é vista no dia a dia dos consumidores por meio de empresas que desenvolvem serviços além da infraestrutura básica fornecida pelo BC. A PagBrasil, pioneira neste segmento, estruturou um ecossistema com dois produtos-chave, explica o CEO e co-fundador da PagBrasil Alex Hoffmann.
“O pix Internacional foi lançado em maio de 2023, e permite aos brasileiros pagarem com Pix no exterior. Começou no Uruguai, depois expandimos para o Chile, Argentina, Espanha e Portugal. Quando o consumidor escaneia o QR Code, o consumidor visualiza o valor final já convertido para reais, incluindo o IOF, no aplicativo do próprio banco”, disse Hoffmann sobre a conversão instantânea, que chegou também nos Estados Unidos no segundo trimestre do ano.
O outro produto criado é o “Pix Roaming”, produto lançado em maio de 2024. A funcionalidade permite que estrangeiros realizem pagamentos via Pix no Brasil. “Um turista, por exemplo, pode abrir o aplicativo do seu banco no Paraguai, escanear um QR Code Pix em uma loja brasileira e concluir a compra, com a conversão cambial ocorrendo de forma transparente”, complementa o CEO.
Para 2026, o pix deve chegar à Ásia. Na sexta-feira, 14, a empresa brasileira anunciou parceria com a Liquid Group, e o Pix vai funcionar em 14 carteiras digitais usadas em países como China, Coreia do Sul, Índia, Japão e Malásia.
Pix e Trump
A rápida popularização do Pix colocou o sistema de pagamentos como um dos pontos de disputa do governo dos Estados Unidos contra o Brasil. O alvo do presidente americano Donald Trump tem, por trás, uma preocupação de enfraquecimento das grandes bandeiras de cartão de débito e crédito — todas dos EUA.
“Alguns instrumentos e serviços de pagamentos estão sendo fragilizados com o crescimento dos pagamentos instantâneos”, diz Cernev.
Em julho, na esteira do anúncio do tarifaço de 50% sobre as importações brasileiras, o governo dos EUA anunciou a abertura de investigação sobre práticas comerciais injustas, entre elas os serviços de pagamento digital.
O Pix não chegou a ser citado no documento. O texto citava, entre outros pontos, “diversas práticas injustas” do Brasil para garantir vantagens ao “sistema de pagamentos eletrônico desenvolvido pelo governo”. À época, as autoridades do governo brasileiro avaliaram que a inclusão do Pix no rol das investigações foi motivada por lobby de empresas de cartões.
“Nesses instrumentos de pagamento, como cartão de crédito, débito e afins, são dois grandes players mundiais, e os dois são estadunidenses. Na hora em que paramos de usar esse instrumento no Brasil, essas bandeiras deixam de receber a sua porcentagem”, afirma Cernev.
O economista Vandyck Silveira tem opinião semelhante. Para ele, a queixa de Trump sobre a “evolução natural” dos meios de pagamento ignora uma realidade histórica: toda inovação provoca disrupção. Foi assim nos anos 1960, quando o cartão de crédito surgiu e abalou o uso de cheques e os saques à distância.
A diferença agora é outra. O incômodo não vem da tecnologia em si, mas do fato de que, no caso do Pix, quem inovou foi o Banco Central brasileiro — e não a Visa ou a Mastercard, diz ele. É a mesma lógica que incomodou taxistas quando surgiu o Uber ou as redes de hotéis quando o Airbnb tomou forma.
Resposta brasileira
O Pix é tão popular, que virou bandeira política. O governo do presidente Lula usou as redes sociais para se posicionar contra a inclusão do Pix no rol das investigações do governo dos Estados Unidos. Em postagem feita pela Secretaria de Comunicação Social da Presidência (Secom), o Planalto mandou o seguinte recado aos americanos: “O Pix é nosso, my friend”.
Antes, em janeiro, o governo precisou revogar medida da Receita Federal que ampliava o monitoramento sobre transações financeiras, incluindo o Pix, diante da onda de circulação de informações falsas e distorcidas sobre o tema – entre elas, a de que o meio de pagamento seria taxado.
Caso de sucesso
São vários os motivos que ajudam a explicar o sucesso do Pix. O Banco Central brasileiro foi hábil em desenhar um ecossistema em que conseguiu amarrar bancos, fintechs, financeiras, seguradoras e que estimula uma série de inovações. Também ajudaram a popularizar o sistema de pagamentos brasileiros a queda no custo de operação e uma boa experiência para o usuário.
Divulgado em agosto, um levantamento do Movimento Brasil Competitivo (MBC) mostrou, por exemplo, que o Pix resultou numa economia de R$ 106,7 bilhões desde o seu lançamento até junho deste ano.
A competição entre bancos e fintechs também ajudou ao provocar uma corrida das instituições para os brasileiros cadastrarem as chaves mais fortes, como o número de telefone de celular e o CPF, nas instituições.
Vencedor do Nobel de Economia de 2008, o economista americano Paul Krugman, chegou a publicar um artigo em que questiona se o Brasil “inventou o futuro do dinheiro” ao desenvolver o Pix. Para o economista, outras nações “podem muito bem aprender com o sucesso do Brasil no desenvolvimento de um sistema de pagamento digital”. “Mas os Estados Unidos, provavelmente, continuarão presos a uma combinação de interesses particulares e fantasias criptográficas”, conclui.
“O Pix é o pagamento instantâneo mais bem-sucedido do planeta”, diz André Mello, sócio da consultoria Bain e especialista em serviços financeiros. “Na prática, desde o lançamento, o sistema de pagamento instantâneo alcançou o mesmo volume que a indústria de cartões demorou mais de 30 anos para construir.”
Uma pesquisa realizada pela Bain ajuda a dimensionar como o Pix ganhou terreno entre os brasileiros. Em 2025, as transações de pessoas físicas para empresas por meio do Pix representavam 44%, mais do que cartão de crédito (30%) e débito (12%). No ano que vem, a fatia do Pix deve chegar a 50%.
Em valores, o Pix deve somar R$ 4,4 trilhões em 2025 e chegar a R$ 5,4 trilhões no ano que vem - os números da consultoria foram ajustados para, entre outros pontos, estimar a informalidade e a dupla contagem, como o Pix sendo usado para pagar faturas de cartões.
Nas projeções da Bain, as transações do Pix de pessoa física para empresas devem seguir crescendo até 2030, quando vão alcançar R$ 7,9 trilhões. O cartão de crédito vai somar R$ 4,3 trilhões, enquanto o de débito deve recuar ligeiramente, a R$ 900 bilhões até lá.
“O Pix vai continuar crescendo nos próximos anos. Deve ter uma taxa crescimento é bastante forte para qualquer meio de pagamento”, afirma Mello. “E, na nossa avaliação, ainda tem espaço para o crescimento de cartões. Por exemplo, o cartão de crédito deve crescer também.” /COLABOROU RENÉE PEREIRA
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