Após forte crise pelo covid, reação econômica começa a dar sinais

Dados mostram que o pesadelo econômico causado pela pandemia ficou em abril, com uma melhora da atividade desde maio. Especialistas avisam, porém, que a recuperação deve progredir lentamente nos próximos meses

Correio Braziliense

(foto: editoria de ilustração)
O fundo do poço ficou para trás

Este é o sentimento do governo e de economistas brasileiros diante dos últimos indicadores. Os dados explicam que o pior da crise causada pela pandemia do novo coronavírus ficou em abril. E que, por isso, a economia brasileira começou a reagir a partir de maio e junho. Os especialistas lembram, contudo, que a recuperação pode ter começado rápido, mas deve progredir de forma gradual nos próximos meses. Por isso, o Brasil ainda vai precisar de um bom tempo para voltar aos níveis pré-pandemia.


Ministro da Economia, Paulo Guedes foi o primeiro a avisar que a saída da crise começaria antes do que se imaginava. Logo depois, o presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, reforçou, durante o Correio Talks, que os indicadores apontavam para o início de uma recuperação em V já em maio e junho. E, nos últimos dias, o mercado pôde entender o motivo desse otimismo, pois diversos dados revelaram que a economia brasileira, de fato, parou de cair e já começa a reverter algumas das perdas causadas pela quarentena.

O varejo, por exemplo, caiu 14% em março e afundou mais 17,5% em abril. Mas, em maio, avançou 19,6%, acima das expectativas do mercado. Da mesma forma, a produção industrial caiu 9,2% e 18,8% no início da pandemia, mas registrou uma recuperação de 7% em maio, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). E mesmo indicadores que demoram mais a se ajustar já mostram uma queda menos intensa, vide o setor de serviços, que desabou 6,9% e 11,9%, em março e abril, mas caiu apenas 0,9%, em maio. Por isso, o Indicador de Atividade Econômica da Fundação Getulio Vargas (FGV) já aponta para uma virada no nível da economia brasileira, de -9%, em abril, para 0,5%, em maio. E o governo garante que essa recuperação continua. No mês passado, por exemplo, a média diária de notas fiscais eletrônicas subiu de R$ 20,7 bilhões para R$ 23,9 bilhões, o que sugere um crescimento de 10,3% nas vendas, segundo a Receita Federal.

“Todos os indicadores mostram que o fundo do poço parece ter ficado concentrado em abril, a menos que a pandemia exija novas medidas de distanciamento social”, comenta a economista da XP Investimentos, Lisandra Barbero. “Iniciamos um processo de recuperação. E esse processo tende a ganhar força à medida que a economia vai abrindo e as pessoas voltam a circular. Porém, ainda não podemos dizer que é um aquecimento da economia. Digamos que é um descongelamento. Porque os dados mostram uma recuperação em relação aos meses anteriores, mas ainda apresentam variações bastante negativas em relação ao mesmo período do ano passado”, pondera o economista-chefe da Ativa Investimentos, Étore Sanchez.

O especialista explica que a recuperação começou de forma acelerada porque a base de comparação é muito baixa. Afinal, praticamente todo o país ficou de quarentena em abril e, assim, a economia quase parou. Por isso, qualquer retomada ressalta aos olhos no primeiro momento. As vendas de roupas e veículos, por exemplo, cresceram mais de 100% em maio porque praticamente não existiram em abril. Porém, seguem em patamares historicamente baixos, segundo os lojistas. Por isso, o crescimento não se sustenta na comparação anual. Prova disso é que o varejo cresceu 16,9% entre abril e maio, mas ainda amarga um resultado negativo de 14,9% em relação ao mesmo do período do ano passado.

“Esse ritmo acelerado deve ser mantido até a reabertura da economia. Com a recomposição das atividades, vai perder ímpeto e a recuperação vai ser mais gradual”, alerta Sanchez. “No primeiro momento, temos uma recuperação maior porque é a saída de um choque. Mas, depois, espera-se que a retomada seja mais paulatina, porque nós teremos muitos desafios pela frente. A crise provocou falências de empresas e muitas demissões e isso reduziu a renda da população”, confirma o diretor de Estudos e Políticas Macroeconômicas do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), José Ronaldo de Castro Souza Júnior. O próprio diretor de Política Econômica do Banco Central, Fábio Kanczuk, já admitiu que o V observado nesse início de retomada deve suavizar e se transformar em algo mais parecido com o símbolo da Nike, um swatch, com o passar do tempo.

Ademais, a recuperação deve ocorrer de forma desigual entre os setores econômicos. Prova disso é que, enquanto a indústria e o comércio já andam no campo positivo, os serviços seguem no vermelho. “O setor reage com certa defasagem porque depende muito do mercado de trabalho, que também demora a se ajustar. Além disso, serviços como os transportes são muito sensíveis à circulação das pessoas, então dependem da reabertura da economia”, explica a economista da XP Investimentos, Lisandra Barbero.

Cautela

Como os serviços respondem por quase 2/3 do mercado, muitos economistas declinaram da ideia de melhorar as projeções da queda do PIB do Brasil, mesmo com dados positivos, como os do varejo. “A queda deve ser maior que 10% no segundo trimestre. O que pode haver é um ajuste residual mais à frente, caso esse ritmo de recuperação persista”, pontua a economista da XP, lembrando que hoje o mercado projeta uma queda de 6,5% para o PIB de 2020.

"O buraco em que a economia brasileira entrou é muito profundo. E, ao contrário das outras crises, quando a retração foi acontecendo ao longo do tempo, a freada foi muito brusca desta vez. Então, a superação dessa crise é uma tarefa que não se esgota em um ou dois meses. É uma tarefa para, pelo menos, um ano”, aponta o economista e professor da FEA-USP, Wilson Amorim. Ele lembra que, até que todo esse processo de ajuste ocorra, quem mais deve sofrer é o trabalhador brasileiro. Afinal, o mercado de trabalho demora a responder aos ciclos econômicos.

Os especialistas acreditam que a velocidade da recuperação dependerá do que o governo fará para ampliar os investimentos, para estimular a geração de empregos e, também, para garantir a renda dos brasileiros durante esse ajuste. Há, inclusive, um receio do que vai acontecer com a demanda após o fim do auxílio emergencial. Afinal, o benefício tem ajudado 65,2 milhões de trabalhadores e tem sido praticamente a única fonte de renda de 23 milhões de lares brasileiros, segundo os dados do governo.

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