ÁGUAS DE MARÇO
Dr. Paulo Lima*

É engraçado como pessoas tão próximas às vezes se diferenciam tanto. Refiro-me ao pessoal da região praieira. Os que nasceram à beira mar ou mesmo nas áreas outrora alagadas, que foram tomadas do mar pela ação do homem, para nelas construir as suas casas. Até pouco tempo atrás Janine, minha mulher, estranhava um pouco quando eu achava bonito o céu quando ficava cor de chumbo, tomado por grossas nuvens prenunciando chuva. O mesmo se dava comigo, quando ela falava que o tempo estava feio e chuvoso. É que ela, como tantos outros nascidos no litoral, acostumados com o sol, não sabe o quanto significa para nós, do sertão e do agreste de nosso Estado, sentir os pingos grossos de uma chuva a bater com força em nosso rosto, causando uma leve sensação de dor e ao mesmo tempo um prazer indescritível, transferindo-nos à infância, quando, mal terminavam as festas natalinas já começávamos a aguardar ansiosos as chuvas de março! É certo, que, as vezes chovia um pouco em janeiro e já íamos nós a tomar banho de chuva e muitas vezes com ele vinha um senhor resfriado! Como era bom aquele tempo de nós, moleques, a correr para as beiradas das casas do sítio goiabeira, em Vertentes, tão logo a chuva começava a cair do céu, aguardando o momento em que o telhado começasse a jorrar aquela água bendita em nossas cabeças! Só sabe mesmo o prazer desse momento quem, como eu, tomou banho de biqueira, num dia de inverno generoso.
Hoje eu não sei se os moleques de nossa terrinha ainda sentem o prazer de tomar banho de chuva; espero que sim, já que nada é tão gostoso quanto um bom banho de biqueira.
De repente volto à realidade, deixando de lado as lembranças da minha infância e pego o jornal para dar uma olhada. Nele vejo a previsão do tempo, a indicar que, pelo quarto ano consecutivo não teremos um bom inverno, aqui em nossa região. Ora, penso eu com os meus botões: e quem são esses homens do tempo para saber mais que as saúvas cortadeiras? É claro que vamos ter um bom inverno sim, pois os sinais da natureza estão aí para desmentir aqueles que pensam que sabem mais que o Criador. As chuvas podem não vir agora em março, mas com certeza virão com abundância em abril e espero presenciar alguns moleques a correr para baixo das biqueiras das casas, para que, ao menos possa sentir neles um prazer que ficou para trás, guardado com carinho nos meus tempos de criança.
Um abraço a todos.
*PAULO ROBERTO DE LIMA é graduado em Filosofia pela Universidade Católica, bacharel em Direito pela Faculdade de Direito do Recife, advogado, e atualmente exerce o cargo de Procurador Federal.
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