Como será a retomada pós-pandemia do coronavírus?

Enquanto estados como São Paulo iniciam a reabertura gradual da economia, países que já afrouxaram as regras de isolamento social podem dar pistas 
de como manter a segurança 

Texto: Giovanna Wolf / Design: Danilo Freire
Estadão

O governo do Estado de São Paulo anunciou na quarta-feira, dia 27, o plano de reabertura gradual da economia, o que já vinha sendo adotado por outras cidades do País menos afetadas pela pandemia provocada pelo novo coronavírus. Algumas regiões do Estado poderão abrir, com restrições, escritórios, comércio de rua e shoppings a partir desta segunda, dia 1º de junho, e os setores restantes terão de seguir um cronograma de fases e protocolos de segurança. Teatros e cinemas, por exemplo, só estão previstos para voltar a funcionar na fase 5 - o Estado entra agora na segunda etapa. 


Lá fora, países da Ásia e da Europa também afrouxaram as regras de isolamento, ainda que o vírus demande um vaivém de medidas de restrição, moduladas pela taxa de infecção e pelo número de mortos. A Coreia do Sul, que já havia liberado a maior parte das atividades, teve de frear esse movimento diante de novos casos de contágio, e o mesmo aconteceu na França, que precisou fechar 70 escolas primárias poucos dias depois de serem reabertas. Nos Estados Unidos, ainda com número expressivo de novos casos e vítimas, as medidas de relaxamento da quarentena são diferentes entre os Estados que, assim como no Brasil, estão em diversos estágios de evolução da covid-19.

Os exemplos internacionais, no entanto, podem trazer pistas de como a volta ao “novo normal” pode ser por aqui também. De ideias sofisticadas, como robôs que medem a temperatura dos fregueses de um shopping na Tailândia, a medidas mais simples, como os círculos na grama para delimitar o distanciamento correto entre as pessoas em parques americanos, vale tudo para garantir a segurança da população e dos prestadores de serviço, ainda que com a volta às atividades venha também o receio de sair de casa e enfrentar multidões - o que pode ser bem comum neste período, dizem especialistas ouvidos pelo Estadão.

“A pandemia não é uma guerra que acaba e as pessoas se abraçam. Vivemos uma experiência traumática coletiva e isso gera um eco, até porque vamos continuar convivendo com a incerteza e com a ameaça do vírus até que surjam mais respostas científicas”, afirma Rodrigo Martins Leite, psiquiatra e psicoterapeuta do Instituto de Psiquiatria da USP.

DESCONFORTO E APREENSÃO PÓS-QUARENTENA

Depois de ficar cerca de dois meses em quarentena na Alemanha, a estudante de engenharia ambiental Joana Fedato, de 21 anos, não se sente mais à vontade em multidões — mesmo agora, com a reabertura no país, ela tem evitado sair de casa. “Já fui a lojas, mas não é confortável. Não penso em ir tão cedo a um restaurante, por exemplo. São tantas coisas para tomar cuidado que você não consegue desfrutar do momento”, conta a brasileira, que faz faculdade na cidade de Aachen.

O estudante de Jornalismo Nino Cirenza, de 21, que mora em Coimbra, em Portugal, também está encarando a reabertura com cautela. “Ainda prefiro me cuidar e dar um passo de cada vez. Por enquanto, não me sinto confortável de viver do mesmo jeito de antes”, diz ele, que nas últimas semanas tem saído para andar de bicicleta e para espairecer no parque. “Essa semana entrei em um bar para pegar uma cerveja e a tomei sozinho no parque. Ainda me sinto apreensivo de me reunir com os amigos.”

Medidas de segurança são tomadas em escola na Alemanha
HANNIBAL HANSCHKE / REUTERS

Ao lado do medo está o fato de que a retomada impõe uma nova realidade de convívio, que pode ser ameaçadora para algumas pessoas: “Quem estava em isolamento cuidava do seu espaço particular do seu jeito e se protegia. Quando essas pessoas passarem a conviver mais em sociedade agora com a retomada, elas estarão expostas aos comportamentos dos outros”, diz Mary Okamoto, professora de psicologia da Unesp. Para Beatriz Brambilla, presidente do Conselho Regional de Psicologia de São Paulo (CRP-SP), também há a tendência de desconfiarmos dos outros: “Acabamos projetando nas pessoas a personificação do vírus”.

Joana, que está na Alemanha, percebe esse estranhamento entre as pessoas nas ruas: “Os olhares são estranhos. Se você vai para um lado na calçada, a pessoa vai para outro. Parece que está todo mundo com medo de todo mundo.”

EXPECTATIVAS DA RETOMADA NO BRASIL

Para Carla Diéguez, coordenadora do curso de Sociologia e Política da Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo (FESPSP), a retomada no Brasil deve ter características específicas. “O cenário que vivemos hoje aqui sugere que não haverá tanto esse medo. Uma parcela da população ainda não abandonou os velhos hábitos e não respeita o isolamento. Além disso, o discurso do governo brasileiro suaviza a gravidade da pandemia, enquanto em outros países as autoridades tiveram postura mas firme”, diz. “Pode ser que algumas pessoas fiquem mais apreensivas com a reabertura, mas vejo que a tendência é de ocuparem as ruas sem muito cuidado”.

Para os especialistas, uma forma saudável de lidar com esse processo de retomada talvez seja entender que a retomada será gradual e lenta - e exigirá cuidados. “É importante reduzir as expectativas de que tudo voltará ao normal rapidamente. Vamos conviver com esse vírus por um tempo, por isso devemos tentar nos adaptar a essa nova situação”, afirma Rodrigo Martins Leite, psiquiatra e psicoterapeuta da USP.

Três perguntas para...

CLÓVIS ARNS DA CUNHA, PRESIDENTE DA SOCIEDADE BRASILEIRA DE INFECTOLOGIA E PROFESSOR DA UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARANÁ (UFPR)

● O Estado de SP anunciou um plano de reabertura que começa em junho. Qual a sua avaliação sobre a decisão? É o momento? 

A melhor definição é que temos várias epidemias em um País só. Temos seis Estados em que a epidemia realmente está muito crítica: São Paulo, Rio, Pernambuco, Ceará, Pará e Amazonas. Juntos, eles representam entre 80% e 90% das mortes no País. Esses Estados estão numa fase ascendente e os números aumentam a cada dia. Ainda não dá para abrir mais francamente as chamadas atividades não essenciais, tem de esperar um pouco. Quanto mais você demora para controlar a epidemia, mais vai demorar para recuperar a economia. O Brasil já é o quarto país quando você divide mortes por 100 mil habitantes, atrás de Estados Unidos, Itália e Espanha. Nesses dois europeus, como aqui no Sul do Brasil, como no Centro-Oeste e em Minas Gerais, é possível, sim, abrir a economia. Em Curitiba estão abertos os shoppings, os mercados de bairro, as academias. A economia está voltando a funcionar, mas ainda não está normal. Pergunto para você: tem alguma coisa mais triste do que um ente querido não conseguir um leito de UTI? Não temos tratamento farmacológico, mas temos tratamento suportivo hoje para covid e isso está salvando vidas.

● A discussão de reabertura ficou muito politizada, como se alguém que defendesse o isolamento fosse de um lado e quem não defende, de outro. Como unificar?

O país que eu seguiria como exemplo é Portugal. Houve uma bandeira branca da paz entre situação e oposição. Há apenas um inimigo comum: o novo coronavírus. Não é quem é de esquerda, de direita, do centrão. Temos de unir, esquecer essa briga política, partidária e ideológica. Isso está fazendo muito mal para o País. Infelizmente, nós vamos ser - ou temos chance de ser - o primeiro lugar em termos de morte por população por causa dessa briga política. Seria necessário que todas as entidades políticas, em níveis municipal, estadual e federal, consigam se unir. Uma das maiores qualidades que uma liderança pode ter é aglutinar. Precisamos de líderes que saibam aglutinar. A briga política faz e mal e só vai ter perdedores - os milhares de brasileiros que vão morrer.

● Gostaria que o senhor falasse do papel e da responsabilidade de cada cidadão para combater essa pandemia no momento de uma reabertura.

Só vamos ter sucesso se houver comprometimento da sociedade. Estados que estão abrindo a economia fizeram a lição de casa. A sociedade compartilhou, ajudou, e teve uma situação diferente de São Paulo. Paramos antes que a covid-19 estivesse disseminada na comunidade, com os primeiros casos, quando foram fechadas universidades, escolas, mercados. Já aqueles seis Estados que falei antes ainda precisam de isolamento social ampliado. Todos nós temos responsabilidade, cada cidadão. O que eu faço, o que você faz, vai repercutir. Quando uma pessoa vai a uma festa de 200 pessoas e fica se abraçando, bebendo, muito próximo, sem máscara nem distanciamento de um metro e meio, ela coloca em risco sua saúde e a da microssociedade que vive em torno dela, como os amigos e familiares. Essas regras valem mesmo para quem tem a epidemia controlada. Na hora de se alimentar, tem de estar a um metro de distância do outro, o tempo todo usar a máscara, fazer a higienização das mãos de forma frequente. Só com essas medidas vamos conseguir controlar. Temos o “novo normal” agora, não podemos abrir para qualquer atividade com aglomeração. / PAULO BERALDO

EXPEDIENTE

Reportagem Beatriz Bulla, Bianca Gomes, Carla Menezes, Ciro Campos, Fernando Scheller, Gilberto Amendola, Giovanna Wolf, Luísa Laval, Marina Cardoso, Paulo Beraldo / Editora de Conteúdos Premium Ana Carolina Sacoman / Editora de Inovação Carla Miranda / Editor executivo multimídia Fabio Sales / Editora de infografia multimídia Regina Elisabeth Silva / Editores assistentes multimídia Adriano Araujo, Carlos Marin, Glauco Lara e William Mariotto / Designer Multimídia Danilo Freire / Infografista Multimídia Edmilson Silva / Editor Assistente de Fotografia Clayton de Souza / Coordenador de Produção Multimídia Everton Oliveira / Edição de Vídeo Bruno Nogueirão / Ilustrações Marcos Müller / SEO Karen Zelic, Igor Moraes, Marina Cardoso e Brenda Zacharias

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