Mais de três mil pessoas vivem nas ruas de Brasília como pedintes

Muitas dessas pessoas vêm de outras regiões. Desemprego e políticas públicas insuficientes impõem igual situação a pelo menos 101 mil brasileiros em todo o país

Correio Braziliense

O piauiense Manuel Marcos da Luz, 57 anos, há seis, no Distrito Federal, 
diz que a rua é mais segura do que os abrigos para viver
(foto: Ed Alves/CB/D.A Press)

Dois netos para criar, mais de R$ 300 em contas atrasadas, e a feira do mês por fazer. O ganho fixo mensal? R$ 96. O único dinheiro garantido no mês vem do Bolsa Família, mas está longe de ser suficiente para sobreviver. Essa é a realidade de Rita de Cássia Santana, 61 anos. Para encontrá-la, basta andar pelas quadras do Setor Comercial Sul, onde a moradora de Brasilinha (GO) — a cerca de 63km do Plano Piloto — pede dinheiro, na esperança de se deparar com quem se solidarize.

Não existem dados exatos sobre a quantidade de pessoas que deixam suas casas diariamente em busca de ajuda. A Secretaria de Desenvolvimento Social (Sedes) calcula que haja pelo menos 3.020 pessoas em situação de rua no Distrito Federal. O estudo mais recente do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), elaborado em 2015, aponta que esse número seja de cerca de 101 mil pessoas no país. Mesmo assim, as taxas são só estimativas, pois tratam-se de quantidades difíceis de mensurar, especialmente em relação a pedintes.

Entre os relatos deles, há motivos diversos que os levaram à vida nas ruas. Desemprego, contas atrasadas, doenças. Um sentimento, no entanto, é unânime entre os entrevistados: a expectativa de mudar de vida. Rita de Cássia é movida por essa esperança. “Ganhei R$ 12 e comprei uma caixa de doces para vender, porque tenho vergonha de ficar pedindo, mas, quando não tenho dinheiro para comprar balinhas, o que me resta é pedir. Muita gente acha que estamos aqui porque queremos”, desabafa. Assim que começa a narrar a própria história, ela tira algumas contas da pequena bolsa que carrega. “Vou te mostrar para você ver que não estou mentindo.”

"Tenho vergonha de ficar pedindo, mas, quando não tenho dinheiro para 
comprar balinhas, o que me resta é pedir" Rita de Cássia Santana, 
61 anos, tem R$ 96 de renda fixa, do Bolsa Família, para sobreviver
(foto: Juliana Andrade/CB/D.A Press) 

Com um cartão de passe livre, ela consegue chegar ao centro da capital federal. Para que não fiquem sozinhos, quando os netos, de 7 e 9 anos, não têm aula, ela os leva junto — apesar do medo de que “aprendam” a vender drogas. O trauma vem de um episódio na Rodoviária do Plano Piloto. “Deixaram uma bolsa comigo, a polícia me abordou e havia drogas nela. Juro que não sabia. Até hoje, tenho medo e vergonha de andar ali”, confessa.

Experiências

A situação se repete em vários outros bairros do centro político do país, como Sudoeste, Asa Sul e Asa Norte. Na Catedral Metropolitana, um dos cartões-postais de Brasília, Manuel Marcos da Luz, 57, aguarda sentado, com uma caixinha de papelão ao lado. O piauiense veio para Brasília há seis anos, depois de se separar da mulher. Diferentemente de Rita, contudo, ele não tem onde se abrigar. À noite, o concreto de um viaduto se torna um teto.

Manuel sonha com a casa própria. Ele chegou a ficar em um abrigo, mas a experiência não foi boa, segundo conta. “O governo gasta muito com esses caras (dependentes químicos), e eles continuam traficando e se drogando. Na rua, é menos perigoso que lá. Aqui, sou campeão e tenho liberdade”, responde. “Tenho saúde e quero trabalhar como tecladista, porque sei tocar bem”, garante.

Dono de uma loja de doces na 209 Norte, Pedro Henrique de Lima, 27, conta que encontra todos os tipos de pessoas em situação de vulnerabilidade, de crianças a idosos. “Sempre tem gente pedindo. Em época festiva, aumenta mais, mas sempre tem. A maioria chega pedindo dinheiro, mas, às vezes, alguns pedem alimento”, relata. Atendente de lanchonete na mesma quadra, Raquel Silva, 37, afirma que é difícil saber quem realmente precisa. “No fim de semana, fica cheio de gente aqui. Tem uma família que vem com umas sete crianças”, relata.

3.020
Pessoas vivem em situação de rua no Distrito Federal

101.854
Pessoas vivem em situação de rua no Brasil

72.524
Famílias do DF recebem Bolsa Família

Faltam mais políticas públicas 

Mensurar a quantidade de pedintes ou de pessoas em situação de rua é tarefa complicada, segundo o doutor em ciências sociais Frederico Tomé. Professor do Centro Universitário de Brasília (UniCeub), ele considera o crescimento do desemprego uma possível causa para o aumento do número de indivíduos vivendo nessa condição. “O que temos, de certa maneira, é um aprofundamento da crise econômica de quatro anos para cá. Há fatores, não só econômicos, obviamente, que acabam sendo preponderantes nessa percepção de algo que acredito acontecer de fato”, comenta.

Segundo o professor, outro ponto que pode levar ao agravamento do cenário é a falta de políticas públicas de atendimento a essa população. Ele ressalta a necessidade de haver diálogo entre o Legislativo e o Executivo para que surjam propostas de investimentos em políticas habitacionais e sociais. “No DF e no Brasil, elas têm deixado muito a desejar. Percebemos aumento dessa população, e há recorrência na falta de ações do governo para elas. É preciso entender que essa problemática está situada em três esferas: municipal, estadual e federal”, destaca.

Atendimento

A Secretaria de Estado de Desenvolvimento Social (Sedes) informou que realiza atendimentos a pessoas em situação de rua em dois Centros Pop, 11 Centros de Referência Especializado de Assistência Social (Creas), em Unidades de Acolhimento e por meio do Serviço Especializado em Abordagem Social.

Os Centros Pop recebem pessoas em situação de rua e oferecem atendimentos individuais e coletivos, oficinas e atividades de convívio e socialização, além de “ações que incentivem o protagonismo e a participação social”. “O Centro Pop também promove acesso a espaços de guarda de pertences, de higiene pessoal, de alimentação e provisão de documentação. No DF, contamos com dois Centros Pop: um em Taguatinga, outro no Plano Piloto. Cada um atende, em média, 200 pessoas por dia”, informou, em nota, a Sedes.

Os Creas, por sua vez, oferecem atendimento sócio-assistencial a essa população, acesso ao Cadastro Único (leia Para saber mais), a benefícios, e promove o encaminhamento para demais serviços e políticas públicas. Já o Serviço Especializado em Abordagem Social é promovido por equipes que localizam pessoas em situação de vulnerabilidade nas ruas e realizam trabalhos com foco na inserção na política de assistência social.

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