Líderes da América Latina pedem que Ciro desista e apoie Lula

Carta é assinada por ex-presidente do Equador e por ganhador do prêmio Nobel da Paz. Pedetista enfrenta pressões, inclusive de colegas do PDT, para que se alie ao ex-presidente

Por Camila Zarur — Brasília
O GLOBO

Ciro Gomes é torcedor do Guarany de Sobral, clube de sua cidade natal 
Cristiano Mariz/Agência O Globo

Líderes da América Latina fizeram um apelo ao candidato à Presidência do PDT, Ciro Gomes, para que ele deixe a corrida ao Palácio do Planalto e apoie o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT). O pedido foi feito em uma carta aberta assinada por nomes como o do ex-presidente do Equador, Rafael Correa, e pelo argentino Adolfo Pérez Esquivel, ganhador do prêmio Nobel da Paz de 1980. O pedetista está sendo pressionado, inclusive por colegas do partido, para que reconsidere sua postura na disputa presidencial e endosse o petista, seu ex-aliado e atual desafeto.

O texto, escrito em espanhol, é intitulado "Carta aberta a Ciro Gomes: o que precisa ser feito para deter Bolsonaro". Direcionado diretamente ao pedetista, os líderes latino-americanos se dizem "perplexos" com a insistência em manter sua candidatura à Presidência em um disputa que classificam como "ponto de virada histórico".

O texto, que chama Ciro de "lutador pelas boas causas do povo brasileiro", justifica o pedido a Ciro alegando que o pleito desde ano não se resume a uma disputa entre Lula e o presidente Jair Bolsonaro (PL), mas sim "entre o fascismo e a democracia".

"Sabemos que você foi um lutador pelas boas causas do povo brasileiro ao longo de sua vida. É por isso a perplexidade que nos leva a te escrever esta carta e que nos move a te enviar esta mensagem fraterna, porque é incompreensível para nós, na atual situação brasileira, sua insistência em apresentar sua candidatura presidencial para o primeiro turno das eleições presidenciais eleições no Brasil, em 2 de outubro, que sem o menor exagero pode ser considerado um ponto de virada histórico", diz o texto, que completa:

"Por quê? Porque a escolha fundamental não será entre Jair Bolsonaro e Luiz Inácio Lula da Silva, mas entre o fascismo e a democracia".

Divulgada nesta terça-feira, o texto já recebeu o apoio de 55 personalidades influentes da América Latina. Além de Correa e Esquivel, também assinam o manifesto o ex-presidente argentino Amado Boudou, a senadora colombiana Piedad Córdoba, o ex-ministro boliviano Juan Ramón Quintana Taborga, o ex-chanceler paraguaio Jorge Lara Castro, e o cineasta colombiano Hernando Calvo Ospina.

Pressões para apoiar Lula

Estagnado nas pesquisas eleitorais com 7% das intenções de voto, Ciro tem sido alvo de ofensivas para que repense sua candidatura à Presidência e apoie Lula contra Bolsonaro. Os apelos são feitos até mesmo dentro do próprio partido. Membros históricos do PDT, inclusive, pedem para que o ex-ministro cesse os ataques contra o petista, já que a postura tem sido vista por correligionários como uma ajuda a Bolsonaro.

Nesta semana, o ex-deputado e pedetista histórico Haroldo Ferreira pediu o afastamento do diretório nacional do PDT e da vice-presidência da Fundação Leonel Brizola por conta da postura de Ciro. Ferreira defende que o partido apoie, já no primeiro turno, Lula, quem classifica como o único candidato viável da oposição contra Bolsonaro.

O agora ex-dirigente nacional do PDT critica Ciro por fazer uma campanha "odiosa" contra o ex-presidente. Ele atribui a estratégia ao marqueteiro João Santana, que foi responsável pelas campanhas bem sucedidas de Lula e da ex-presidente Dilma Rousseff (PT). Contratado pelo pedetista no ano passado, o marqueteiro tem sido criticado internamente por aliados de Ciro.

— Nós aprovamos Ciro Gomes para ser candidato a presidente. Porém, a partir de um determinado ponto, Ciro puxa o João Santana para ser seu marqueteiro, e aí começam as surpresas. Essa não é uma campanha baseada na história e legado do PDT, mas na desconstrução de Lula, com ataques pessoas, familiares — diz Ferreira, que completa: — É uma campanha odiosa. A estratégia é ruim e a tática é suicida.

O pedetista histórico, que se mantém no partido, também desistiu de concorrer a deputado estadual pelo Paraná por causa da condução da campanha à Presidência:

— Eu não conseguiria fazer uma campanha defendendo o nome de Ciro com essa campanha que ele está fazendo. Enquanto candidato não poderia se manifestar. Seria um ato de infidelidade partidária.

Ele completa afirmando que preferiu se afastar por achar que dificilmente Ciro mudará sua postura e diminuirá os ataques contra Lula.

— Ciro tem um ego que não cabe dentro de si mesmo e não cabe nem no Brasil. Tanto que o acusam de ter ido para Paris em 2018. Não acredito que Ciro Gomes pudesse ter uma atitude de grandeza abrindo mão da candidatura e apoiando Lula.

Assim como Ferreira, a ex-deputada do Rio Cidinha Campos, pedetista há mais de 40 anos, também anunciou seu voto em Lula e criticou Ciro pelos ataques ao ex-presidente. No estado fluminense, uma ala do PDT enviou nesta semana um pedido ao diretório nacional pedindo para que a sigla reconsidere seu posicionamento.

A posição do ex-ministro, cuja rejeição aumentou de acordo com a última pesquisa Quaest, na corrida presidencial também tem afugentado candidatos do próprio partido, que o escondem de suas campanhas.

'Aniquilar alternativas'

Quando mais Ciro é assediado pelo apelos ao voto útil em Lula, mas o ex-ministro sobe o tom contra o ex-presidente e o PT. Nesta quarta-feira, o pedetista respondeu às ofensivas afirmando que há um "fascismo de esquerda liderado pelo PT" no Brasil e que tenta, junto com Bolsonaro, abafar todos os outros candidatos na disputa ao Planalto. A declaração do pedetista foi dada nesta quarta-feira, durante sabatina do jornal O Estado de S. Paulo em parceria com a Fundação Armando Alvares Penteado (Faap).

— O que estão fazendo o fascismo de direita e de esquerda no Brasil? Sim, porque há um fascismo de esquerda no Brasil liderado pelo PT. Eles estão querendo simplificar de uma forma absolutamente dramática o debate e querem nada mais, nada menos, do que aniquilar alternativas. Isso é uma tragédia — disse .

O pedetista completou sua resposta fazendo menção àqueles que já anunciaram que vão votar em Lula, mesmo sendo simpatizantes ao pedetista. É o caso dos músicos Caetano Veloso e Tico Santa Cruz. O ex-ministro afirmou que os artistas "são duas pessoas que estão com a vida ganha".

— Um de cada três eleitores que hoje dizem declarar voto ao Lula o fazem por uma razão pragmática: é o cara que vai tirar o Bolsonaro. Mas a razão não é o Lula, nem a proposta do Lula. É nós livrar do coiso. É o voto Caetano Veloso, é o voto Tico Santa Cruz. São duas pessoas que estão com a vida ganha — disse.

Leia a íntegra da carta:

"Querido companheiro Ciro Gomes:

Os nomes assinados abaixo são militantes da esquerda latino-americana, profundamente anti-imperialistas e comprometidos com a emancipação de nossos povos e com a criação da Grande Pátria. Somos também pessoas que amam e admiram o Brasil e seu povo e a cultura primorosa do país: sua música, sua literatura, suas pinturas, sua gastronomia, suas diversas manifestações artísticas e também a longa luta de seu povo para ter acesso a uma vida mais plena, material espiritualmente.

Sabemos que você foi um lutador pelas boas causas do povo brasileiro ao longo de sua vida. É por isso a perplexidade que nos leva a te escrever esta carta e que nos move a te enviar esta mensagem fraterna, porque é incompreensível para nós, na atual situação brasileira, sua insistência em apresentar sua candidatura presidencial para o primeiro turno das eleições presidenciais eleições no Brasil, em 2 de outubro, que sem o menor exagero pode ser considerado um ponto de virada histórico. Por quê? Porque a escolha fundamental não será entre Jair Bolsonaro e Luiz Inácio Lula da Silva, mas entre o fascismo e a democracia.

E você, um homem político, inteligente e com larga experiência nas costas, sabe muito bem que sua candidatura não tem nenhuma possibilidade de chegar com chances às urnas, muito menos vencer no primeiro turno. A dura realidade é que, mantendo sua candidatura, caro camarada Ciro, a única coisa que você fará é dispersar forças, enfraquecer a força do bloco antifascista, com todas as suas contradições, facilitar a vitória de Bolsonaro e, eventualmente, abrir caminho para um novo golpe de Estado.

Apesar de sua boa vontade, infelizmente você não está em condições de fazer o bem, nenhum bem, e sim de causar grandes danos ao Brasil e ao seu povo. Você não será capaz de fazer o bem apesar de suas intenções, porque suas chances de ganhar são zero. Ao enfraquecer a candidatura unitária de Lula, ao dispersar as forças do bloco que se opõe ao fascismo, o que você fará objetivamente — apesar de suas intenções, que não duvidamos são boas — será pavimentar o caminho para a perpetuação de Bolsonaro no poder.

Nos parece que, pela sua trajetória, você não deva entrar na história do Brasil por aquela porta indigna, como a de um homem que, tendo lutado pelas boas causas de seu povo e alcançado importantes resultados, em um momento crítico e decisivo comete um erro fatal e abre as portas para um processo que semeia morte e destruição em seu país e que, sem dúvida, também terá você como uma de suas vítimas. Não se pode ignorar a natureza perversa do atual presidente do Brasil. Suas palavras e promessas, mesmo aquelas que ele possa ter feito a você, são completamente inúteis.

Bolsonaro é um personagem imoral, um alucinado fanático sem princípios morais que deixou mais de 700 mil brasileiros e brasileiras morrerem sem fazer o menor esforço para salvá-los. Ele também é um traidor em série, comparável apenas aos piores personagens de Shakespeare. E ele não hesitará por um momento em te trair assim que for conveniente para ele.

Ainda há tempo de reparar seu erro, companheiro Ciro. Dirija-se aos seus apoiadores agora e lhes diga que a urgência da luta contra o fascismo não te deixa outra escolha a não ser apoiar a candidatura presidencial de Lula. Peça a eles esse voto, crucial para derrotar no primeiro turno o capitão (assim, com letras minúsculas) e seus esquadrões armados; crucial também para impedir a perpetuação no poder de um homem que exaltava a figura do canalha que torturou Dilma Rousseff.

Você, por sua história e suas ideias, tem que fazer o impossível para impedir que uma figura tão monstruosa fique mais um dia no Palácio do Planalto. Além disso, devido à sua idade, não temos dúvidas de que você continuará sendo uma figura de destaque na política brasileira. Não é a sua vez, as circunstâncias o obrigam a esperar. Não se esqueça que a paciência é um dos traços que definem os grandes líderes políticos.

Nada mais por enquanto. Esperamos que você aprecie o senso de solidariedade nesta mensagem. Receba um abraço fraterno de seus companheiros de luta de toda a América Latina e Caribe.

Primeiras assinaturas de adesão:
  • Adolfo Pérez Esquivel, Premio Nobel de la Paz, Argentina
  • Rafael Correa, ex presidente del Ecuador
  • Stella Calloni, periodista, Argentina
  • E. Raúl Zaffaroni, ex Juez de la Corte Suprema, Argentina
  • Atilio Boron, politólogo, Argentina
  • Piedad Córdoba, Senadora, Colombia
  • Amado Boudou, ex vicepresidente de la Argentina
  • Gabriela Rivadeneira, ex presidenta Asamblea Nacional, Ecuador
  • Fernando Buen Abad, filósofo, México
  • Ignacio Ramonet, periodista, Francia/España
  • Ernesto Villegas, República Bolivariana de Venezuela
  • Hugo Moldiz, ex ministro, Bolivia
  • Jaime Lorca, Fundación Memoria y Futuro, Chile
  • Xavier Lasso, periodista, Ecuador
  • Katu Arkonada, País Vasco/Bolivia
  • Jorge Lara Castro, ex canciller, Paraguay
  • Hernando Calvo Ospina, cineasta, Colombia
  • Esteban Silva, docente universitario, Chile
  • María Seoane, periodista, Argentina
  • Mempo Giardinelli, escritor, Argentina
  • Juan Eduardo Romero, diputado PSUV, Asamblea Nacional, Venezuela
  • Alicia Entel, docente universitaria, Argentina
  • Gilberto López y Rivas, antropólogo, México
  • Daniel Jadue, Alcalde de Recoleta, Chile
  • Telma Luzzani, periodista, Argentina
  • Florencia Saintout, presidenta, Instituto Cultural de la provincia de Buenos Aires, Argentina
  • Ramón Grossfogel, docente universitario, Puerto Rico
  • Mario Giorgi, Radio UNDAV, Argentina
  • Claudia V. Rocca, Rama Argentina de la Asociación Americana de Juristas
  • María Fernanda Barretto, escritora colombo-venezolana
  • Daniel de Santis, docente universitario, Argentina
  • José Seoane, docente universitario, Argentina
  • Paola Gallo Peláez, Co-presidenta del MOPASSOL, Argentina
  • Jorge Cantor, Argentina
  • Rodolfo Hamawi, docente universitario, Argentina
  • Emilio Taddei, docente universitario, Argentina
  • Julio Ferrer, periodista, Argentina
  • Juan Ramón Quintana Taborga, ex ministro, Bolivia
  • Andrea V. Vlahusic, Co-presidenta del MOPASSOL, Argentina
  • Héctor Bernardo, periodista, Argentina
  • María Fernanda de la Quintana, periodista, Argentina
  • Jorge Elbaum, docente universitario, Argentina
  • Carlos López López, Parlamentario del Mercosur
  • Ana María Ramb, escritora, Argentina
  • Pamela Dávila, periodista, Ecuador
  • Rafael Urrejola Ditborn, periodista, Chile
  • Paula Klachko, docente universitaria, Coord. REDH/Cap. Argentino
  • Henry Morales, Coord. Movimiento Tzuk Kim Pop, Guatemala
  • Manuel Santos Iñurrieta, dramaturgo, Argentina
  • Carlos Bedoya, Coord. Latindadd, Perú
  • Alexia Massholder, docente universitaria, Argentina
  • Claudio Katz, economista, Argentina
  • Marcelo Rodríguez, docente universitario, Argentina
  • Mario Alderete, Argentina
  • Graciela Josevich, AUNA Argentina"

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