Especialistas explicam o papel da educação no combate ao racismo

Segundo especialistas, o enfrentamento ao problema precisa ser construído a partir de um processo de reeducação, e pauta deve ser inserida no senso de urgência da educação, promovendo evolução para todos

ME Maria Eduarda Cardim, GB Gabriela Bernardes*
Correio Braziliense

(crédito: Arquivo Pessoal)

Os recentes e bárbaros assassinatos de dois homens negros no Brasil — Durval Teófilo Filho, 38 anos, morto na porta de casa ao ser confundido com um bandido, e o congolês Moïse Kabagambe, 24 anos, espancando até a morte por cerca de 15 minutos — refletem uma situação que acontece em todo país e são fruto de uma educação das relações raciais que precisa ser reconstruída. É o que indicam especialistas consultados pelo Correio, que apontam que a pauta racial deve estar dentro do senso de urgência da educação, para que haja evolução e igualdade.

O diretor-presidente da Escola do Parlamento, Alexsandro Santos, explica que os temas do racismo e da educação se cruzam em três espaços. "Primeiro, quando a gente compreende que o enfrentamento do racismo precisa ser construído a partir de um processo de reeducação das nossas relações raciais. A sociedade brasileira precisa aprender sobre o que são relações sociais e sobre como a gente pode desenhar as relações raciais de igualdade", explica.

Isso acontece porque a história do Brasil deixou sequelas profundas de desigualdades que acompanham a sociedade até hoje. Prova disso é que o risco que uma pessoa negra tem de ser assassinada no país é maior que o de uma pessoa não negra. A última edição do Atlas da Violência — levantamento elaborado pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública em parceria com o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) e o Instituto Jones dos Santos Neves (IJSN) — revelou que o risco de um negro ser assassinado é 2,6 vezes superior ao de uma pessoa não negra no Brasil.

O caso de Durval Teófilo Filho reflete os dados, já que o repositor de supermercado foi morto pelo próprio vizinho, na porta de casa, em São Gonçalo, no Rio de Janeiro, na última semana, por ter sido confundido com um ladrão.

Para o professor Nelson Fernando Inocêncio da Silva, do Núcleo de Estudos Afro-Brasileiros da Universidade de Brasília (UnB), casos como o de Durval são mais um exemplo da construção racial desigual brasileira. "A situação racial no Brasil tem esse aspecto que é de uma constante procrastinação, por exemplo, ao debate e à discussão em nível nacional. Nós aprendemos a conviver na desigualdade. Os negros como serviçais e os brancos como aqueles que mandam. Isso tem que acabar. Porque é esse raciocínio que fez com que aquele senhor assassinasse o Durval. Ele não tinha motivo nenhum para cometer esse crime. O fez por quê? Porque ele seguiu esse raciocínio. E ele não está sozinho. Isso é uma cultura", afirma.

Para desconstruir esse aprendizado de relações raciais, a educação é vista como um dos principais pilares e, segundo os especialistas, o combate ao racismo deve ser parte estrutural de um projeto educacional. Alexsandro Santos, que também é pesquisador e ativista das relações raciais no Brasil, explica que a educação e o racismo se cruzam quando observamos as desigualdades educacionais do país. "A gente tem dados que mostram que o racismo e a educação no Brasil andam juntos, e que o racismo impacta na garantia do direito à educação das pessoas negras", pontua.

Desigualdade na escola

Um levantamento feito pela ONG Todos pela Educação, divulgado esta semana, apontou que o crescimento de crianças não alfabetizadas foi maior entre alunos negros e pardos do que em estudantes brancos. O estudo, feito com base nos dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (Pnad Contínua), feita pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), indicou que os percentuais de crianças pretas e pardas de 6 e 7 anos de idade que não sabiam ler e escrever passaram de 28,8% e 28,2% em 2019 para 47,4% e 44,5% em 2021, respectivamente. Enquanto o aumento do índice de não alfabetização em crianças brancas foi menor. De 20,3% para 35,1% no mesmo período.

Segundo Santos, ainda que a presença de negros e brancos seja equilibrada nos primeiros anos da vida escolar, conforme os anos de escolarização avançam, é que a desigualdade vai se manifestando. "Então, eu tenho um começo que é mais ou menos equitativo, mas uma trajetória escolar que prejudica as crianças negras", pontua. Por isso, para ele, além de pagar uma dívida histórica em relação à garantia de educação das pessoas negras, ações afirmativas, que garantem a presença de negros nos espaços de escolarização, são importantes para dar a esta população uma ferramenta para ascensão social.

"Quando eu invisto na permanência das pessoas negras dentro da escola, e depois eu invisto no acesso das pessoas negras ao ensino superior, eu estou entregando para as pessoas negras uma ferramenta poderosa para sua ascensão social e para a garantia de outros direitos. Uma pessoa negra com mais escolaridade tem menos chances de ser discriminada no mercado de trabalho, tem menos chances de ser capturada por redes de criminalidade. Então, o direito à educação abre a porta para outros direitos", afirma.

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