Homenagem da Águia de Ouro a Paulo Freire foi ato de resistência à burrice



Quando historiadores forem estudar o nosso tempo no futuro (e espero que, no futuro, historiadores não tenham sido trocados por gestores de grupos de WhatsApp), irão descrever ações populares de resistência à burrice e à ignorância como fundamentais para impedir que a sociedade mergulhasse de cabeça nas trevas. 

Isso foi visto pelo desfile da Estação Primeira de Mangueira e da São Clemente, no Rio de Janeiro, mas também no da Águia de Ouro, em São Paulo, que homenageou Paulo Freire, suscitando debates sobre o educador em pleno Carnaval. A escola de samba do glorioso bairro da Pompeia ganhou seu primeiro título do Grupo Especial nesta terça (25).

Com o enredo "O Poder do Saber - Se saber é poder, quem sabe faz a hora, não espera acontecer", a Águia de Ouro trouxe a história do conhecimento para o Anhembi. Estampado em um livro à frente de um dos carros alegóricos, "Não se pode falar de educação sem amor. Viva Paulo Freire!". O suficiente para lembrar a importância do pernambucano, visto internacionalmente como um dos principais educadores do mundo, mas eleito pelo atual governo como um de seus piores inimigos.

Aliás, duas coisas no carro alegórico devem assustar gente no entorno de Jair Bolsonaro. Primeiro, o poder emancipador de uma educação lapidada com amor. E, claro, livros.

Em dezembro, o presidente da República chamou Paulo Freire de "energúmeno". Segundo o dicionário Houaiss, isso significa um ignorante, boçal, imbecil - o que faz da cena um poço amargo de ironia.

Cada vez que xinga Freire, o presidente provoca espasmos de prazer em sua militância que, como ele, não compreende a filosofia de ensino do educador. Como papagaios, repetem exaustivamente as críticas de militares da ditadura e de influenciadores da extrema direita sobre o pernambucano - esses sim compreendem o poder da concepção de Paulo Freire para que as pessoas formem-se nas letras e sejam cidadãs de fato. E, por isso, desejam enterrá-lo.

Como já expliquei aqui antes, a ideia do educador é tão simples quanto genial. Consiste - grosso modo - a usar a realidade dos alunos para ensina-los. Para aprender a palavra "tijolo", discute-se o que ela representa para todos - quem sabe fazer um tijolo, quem o compra, quem o vende, quem lucra com ele. Para entender a palavra "trabalho", pode-se incentivar o aluno a conhecer a CLT, seus direitos e deveres. Isso encara a educação não apenas como um processo técnico de passar dados, mas como um caminho para que todos possam exercer sua cidadania plena.

Por isso, é visto como subversivo por aqueles que preferem um povo que apenas diga amém.

Como lembrou Águia de Ouro, conhecimento pode ser usado para a destruição ou a evolução da humanidade. A burrice, como manifestação da negação do conhecimento, avança enquanto governantes acham possível construir uma sociedade melhor e mais justa jogando na lata do lixo os instrumentos usados para refletirmos sobre nossos erros e acertos. Como uma educação emancipadora.

De longe, o futuro nos pede para que não deixemos isso acontecer. Que as luzes do Carnaval sigam iluminando os demais dias do ano.

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