Entenda o plano do governador do RJ de abater bandidos com armas pesadas

Proposta de Witzel de morte sem confronto enfrenta entraves legais


Policiais do Bope fazem operação nesta terça (6) no Complexo da Maré, no Rio de Janeiro - 
Jose Lucena/Futura Press/Folhapress

Júlia Barbon
FOLHA DE SÃO PAULO

RIO DE JANEIRO - Governador eleito do Rio de Janeiro, Wilson Witzel (PSC)quer autorizar o “abate” de criminosos portando armas pesadas, como fuzis, ainda que não haja confronto com a polícia. A proposta tem sido difundida pelo ex-juiz desde o período eleitoral. 

Para pôr seu projeto em prática, Witzel afirma que vai treinar atiradores de elite para dispararem de helicópteros e comprar drones capazes de atirar.

Na prática, porém, a legalidade desse tipo de conduta não é clara. Além disso, o incentivo do governador à letalidade policial pode causar insegurança jurídica, uma vez que a competência para decidir se um agente agiu corretamente é do Ministério Público e do Judiciário, não do Executivo.

Abaixo, veja perguntas e respostas sobre o assunto.

O que o governador eleito do Rio, Wilson Witzel (PSC), quer implantar?
Ele afirma que vai “autorizar policiais a abater criminosos” que estejam portando fuzis em qualquer circunstância, mesmo que de costas, por exemplo. Para isso, pretende treinar atiradores de elite, liberar disparos de helicópteros e comprar drones capazes de atirar.

Que lei é aplicada quando se fala em mortes por policiais? 
O Código Penal, que diz que não há crime quando o agente age em legítima defesa ou “em estrito cumprimento de dever legal”. Atua em legítima defesa quem, “usando moderadamente dos meios necessários, repele injusta agressão, atual ou iminente, a direito seu ou de outrem”.

Isso quer dizer que um policial pode atirar em uma pessoa armada, mesmo que ela não revide?
Grande parte dos juristas diz que não, porque, nesse caso, não está havendo uma agressão efetiva ao policial ou vítima, então não se configura legítima defesa. O “cumprimento do dever legal” seria prender o criminoso por porte de arma e só atirar se ele revidasse.

Qual é o argumento de Witzel e de outros defensores da ideia?
Eles afirmam que é uma questão de interpretação da lei e que o simples porte do fuzil seria “agressão iminente”, porque há o risco de o criminoso atirar —o que, segundo Witzel, está em consonância com “milhares de juristas”. Especialistas contestam e dizem que a chamada iminência, no direito, requer um ato mais concreto.

O que dizem normas internacionais?
Duas resoluções da ONU que falam sobre a conduta de agentes da lei, de 1979 e 1990, determinam o princípio do uso proporcional da força e só quando ela for “estritamente necessária para proteger a vida”.

Mesmo com a decisão do governador, o policial pode ser levado à Justiça se matar alguém nessas circunstâncias?
Sim. Quem decide se ele agiu dentro da lei após as investigações não é o governador, e sim o Ministério Público (na hora de denunciar ou pedir arquivamento do caso), o juiz (que acata ou não o pedido) e por último o Tribunal do Júri (com cidadãos comuns que julgarão esse agente).

Witzel diz que vai defender esses policiais nos tribunais. Isso é atribuição do Executivo?
Segundo especialistas, não. Essa atribuição é de advogados privados ou da Defensoria Pública, caso o policial não possa pagar pela defesa.

O que acontece com esses policiais na prática?
Diferentes pesquisas mostram que quase nenhuma morte por policial em confronto no Rio de Janeiro chega aos tribunais. Estudo do sociólogo Ignácio Cano apontou que 98% dos inquéritos de 1993 a 1996 foram arquivados a pedido do Ministério Público. Levantamento do professor Michel Misse mostrou um índice de 99% dos casos de 2005. O delegado Orlando Zaccone também mostrou que 99% dos inquéritos de 2003 a 2009 não foram adiante.

Já aconteceram casos semelhantes aos que Witzel defende? Quais foram seus desdobramentos?
O Ministério Público do RJ informou que não localizou junto ao Gaesp (grupo que atua na segurança pública) casos parecidos no estado. Uma ação da Defensoria Pública do estado, porém, cita a morte do traficante Matemático (Márcio José Pereira) por policiais civis que estavam em um helicóptero em maio de 2012. Uma câmera da aeronave indicou que os tripulantes o perseguiram e deram rajadas de tiros em direção ao solo até atingi-lo. O caso foi arquivado definitivamente em 2014, a pedido do Ministério Público.

Policiais podem atirar de helicópteros em operações?
Sim, com as mesmas restrições legais dos agentes em solo. Uma resolução recente da Secretaria de Segurança Pública do Rio de Janeiro recomenda que, nas aeronaves, a arma seja usada “quando estritamente necessário para legítima defesa dos tripulantes, equipes terrestres e população civil” e que os disparos sejam “efetuados no modo intermitente” —sem rajadas de tiros. A Defensoria tenta atualmente, por meio de uma ação civil pública, proibir que o estado use helicópteros para "efetuar voos rasantes" e disparar "em locais de densa aglomeração populacional", mas um recurso ainda não foi julgado pela Justiça.

Witzel pretende ir a Israel com o senador eleito Flávio Bolsonaro (PSL) para conhecer o uso de drones capazes de atirar em operações. O governo estadual pode comprar e usar esse tipo de equipamento?
A compra e o uso de armas pelas forças de segurança dependem de autorização do Exército. Como envolvem espaço aéreo, também podem requerer análise da Anac (Agência Nacional de Aviação Civil) e da FAB (Força Aérea Brasileira). A responsabilização pelo eventual uso indevido do drone ainda poderia ser discutida pelo Congresso Nacional, e protocolos precisariam ser definidos previamente, para dar segurança jurídica ao policial.

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