NÃO FOI ACIDENTE!

*Dr. Paulo Lima
Relutei um pouco antes de iniciar estes escritos, já que o tema nele proposto talvez não desperte o interesse de vocês que fazem parte desta minha meia dúzia de fieis amigos leitores, vez que se trata de mais uma tragédia dentre tantas que nos acostumamos a ler nas páginas diárias de nossos jornais. No entanto, a morte da estudante Camila Mirele, que caiu e foi esmagada pelas rodas do ônibus onde viajava, após a abertura das portas com o veículo em movimento, me fez ver que isto poderia ter acontecido com um parente nosso, uma filha ou um filho, que necessita desse meio de transporte para se deslocar para a escola ou para o trabalho diariamente. Ela só tinha 18 anos e toda uma vida pela frente, mas foi mais uma vítima desse sistema de transporte cruel que machuca, física e moralmente, milhares de seres humanos que dele necessitam para o seu deslocamento diário na chamada Região Metropolitana do Grande Recife, espremidos que são, tal qual animais, e sem ter nenhuma voz que se levante em seu favor.

E não adianta procurar ou apontar culpados, muito embora creia que a morte de Camila não foi um mero acidente; foi, no mínimo, um evento criminoso de natureza culposa, que pode perfeitamente ser creditado à insensibilidade de empresários, de um lado, que somente se preocupam em aumentar seus ganhos sem se importar com os usuários desse péssimo serviço e do outro, das autoridades, que têm a responsabilidade de fiscalizar, já que se trata de um serviço público que é delegado a terceiros, e não o fazem.

No dia seguinte ao acidente, o motorista foi intimado para prestar depoimento na delegacia e cuidou de afirmar que não teve culpa pela morte da estudante já que, segundo ele, o ônibus estava superlotado e a porta abriu, de forma involuntária, ou por outrem, quando o mesmo se preparava para estacionar o coletivo na parada seguinte aquela em que Camila havia subido no ônibus, para a descida de alguns passageiros. Creio que o motorista não teve culpa ou, ao menos, não queria que ocorresse tal fato. Na verdade ele é mais uma vítima desse sistema de transporte, já que é obrigado a trabalhar nestas condições, transportando passageiros espremidos dentro de um ônibus que mais parece uma lata de sardinhas e, de fato, por ordem da empresa prosseguiu no trajeto - vejam vocês - e ainda realizou mais duas viagens naquela noite, passando inclusive pelo mesmo local onde aconteceu a tragédia.

E a cena continua a se repetir todos os dias pelas ruas e avenidas do Recife e das cidades que formam a chamada Região Metropolitana, com os ônibus superlotados transportando pessoas, estudantes, trabalhadores, mães que levam suas crianças para os hospitais públicos, e não se vê uma única autoridade levantar a sua voz em favor desta população desassistida ou tomar providências efetivas para solucionar este problema. A bem da verdade, tomei conhecimento, pelos jornais, que, após esta tragédia foi apresentado na Câmara de Vereadores do Recife, um projeto de lei que obriga que os ônibus trafeguem pelas ruas do Recife com lotação máxima de passageiros em pé, equivalente a 50% (cinqüenta por cento) dos assentos do veículo. Certamente, se tal projeto for aprovado e sancionado, se transformará em letra morta pois não sairá do papel.

Por isso mesmo, não creio que a morte de Camila sequer vá servir para melhorar este estado de coisas, posto que esta tragédia, que dominou durante dois ou três dias as manchetes dos jornais já caiu no esquecimento, permanecendo viva e dolorosa, tão somente, no seio de sua família.

Um abraço a todos.

*DR. PAULO ROBERTO DE LIMA é graduado em Filosofia pela Universidade Católica, bacharel em Direito pela Faculdade de Direito do Recife e advogado.

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