Comunidade prisional e privatização da pena

Por Michael Zaidan Filho


No início do primeiro mandato de ex-governador falecido, tive a oportunidade de presenciar um debate esclarecedor sobre como o mandatário estadual pretendia tratar do problema carcerário do estado de Pernambuco.

Em sua mansão, na companhia do super- secretário Ricardo Leitão, da pesquisadora Ronidalva Wanderley (FUNDAJ), do futuro assessor especial José Ratton e de um delegado da Polícia Civil, o neto de Arraes propôs que se privatizasse o sistema carcerário de Pernambuco, a exemplo do modelo norte-americano.

Dizia ele, que a Polícia Militar executava os suspeitos e a Polícia Civil, roubava.

Então achava que a solução seria transferir a custódia dos presos para uma empresa público-privada, com administração própria, de forma a livrar o Estado da responsabilidade com a integridade física e a ressocialização dos detentos.

Houve, nesta reunião, vários votos contrários a esta proposta.

0 modelo carcerário norte-americano combina com a sociedade norte-americana da auto-defesa, da redução do papel do Estado, a liberdade da livre empresa e do terrorismo penal. Os Estados Unidos da América possuem a maior população carcerária planeta, têm pena de morte e prisão perpétua e um modelo de sociedade altamente criminógeno.

Transpor, simplesmente, tal modelo para o Brasil não iria resolver a questão crucial da responsabilidade pública-estatal para com os apenados e sua ressocialização. Implicaria apenas na mera transferência de responsabilidade para o setor privado, livrando o governo das iniquidades do nosso sistema carcerário.

Esta discussão volta à tona, agora, em função da decretação do estado de emergência no sistema prisional, em Pernambuco, face às sucessivas e inúmeras denúncias e reportagens sobre o caos que se estabeleceu nos presídios do Estado.

Como disse o rotineiro secretário de Justiça em suas reiteradas declarações, esta é uma boa hora para fazer as mudanças necessárias no sistema prisional.

Será mesmo uma boa hora para se fazer o que não se fez em oito anos de governo, onde o atual governador foi secretário? – Evidentemente, há nisso uma boa dose de otimismo ou de ingenuidade. Não se faz reforma profunda de um sistema iníquo como esse, para apagar o fogo das rebeliões dos presos. A questão é muito mais séria do que uma declaração de intenções, como a do secretário, pode fazer crer.

A população e o sistema carcerário são apenas a ponta de uma “iceberg” encoberto pelo modelo de sociedade e a falências dos controles sociais clássicos, que caracteriza a sociedade brasileira. Estamos vivendo um momento de exposição contínua de crimes e criminosos de “colarinho branco” (que atinge os políticos de Pernambuco) que estarrece o povo brasileiro.

0 que vai acontecer com os meliantes do “andar de cima”, “os malandros de gravata e paletó”, os super-incluídos sociais que delinquem e escarnecem do aparelho judicial do Estado e ainda ganham estátua e pensão vitalícia?

Num ambiente de impunidade como esse, a questão da segurança pública e do encarceramento de detentos ou apenados pode se tornar uma medida risível ou cínica. Talvez a política de Estado para esses presos pobres, miseráveis, desafortunados da sorte e das oportunidades sociais, seja mesmo um processo de auto-extinção, através de um inferno desumano chamado sistema prisional.

Há um quê de hipocrisia e faz de conta nessas declarações de última hora feitas pelo secretário. Agora, só agora, é uma boa hora para cuidar dessa situação caótica?- Claro que não. Provavelmente nunca haverá uma boa hora adequada, suficiente, oportuna, para se cuidar do “rebotalho social”.

A política é varrer para debaixo do tapete, até a atual crise amainar e todo mundo se esquecer dela. A questão crucial é outra: que modelo de sociedade estamos construindo no Brasil? 0 crime compensa? Existe pessoas inimputáveis?

Ou o sistema criminal só atinge os de baixo, aqueles que a “execução penal” deixa apodrecer nos presídios superlotados, por que não têm como pagar um bom advogado criminal?

Admita-se, sem hipocrisia, a atual crise penitenciária presta um enorme favor à sociedade dos “incluídos sociais”: elimina através de chacinas e rebeliões muitos daqueles que não têm como viver num país sem oportunidades e um sistema punitivo exemplar.

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