Ao negar aumento real do salário mínimo, governo luta pela desigualdade

Foto: Reuters


A diferença significa uns dois quilos de patinho moído a mais – dependendo do açougue – ou menos de dez passagens de ônibus em São Paulo. Se a equipe econômica tivesse seguido a valorização do mínimo vigente há 15 anos teria incluído também o equivalente a um quilo de arroz, um de feijão preto e um sabonete. Mas não fez isso em nome da saúde de nossa economia.

Com isso, o governo coloca uma pá de cal na política que considerava a inflação do ano anterior e a variação do PIB de dois anos antes – o que levou a um aumento no seu poder de compra e a melhoria na qualidade de vida de milhões de pessoas. 

O valor, claro, ainda passaria longe de ser o suficiente para garantir uma vida sem necessidades e sobressaltos a uma família com dois adultos e duas crianças. Para tanto, o salário teria que ser de R$ 4277,04, considerando o mês de março deste ano, em outras palavras, 4,29 vezes o existente. O cálculo é feito todos os meses pelo Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Econômicos (Dieese) desde 1994. De acordo com a Constituição Federal, artigo 7º, inciso IV, o salário mínimo deveria ser “capaz de atender às suas necessidades vitais básicas e às de sua família, como moradia, alimentação, educação, saúde, lazer, vestuário, higiene, transporte e previdência social, reajustado periodicamente, de modo a preservar o poder aquisitivo, vedada sua vinculação para qualquer fim”.

Mas já seria um alento.

Em março desde ano, o tempo médio necessário para adquirir os produtos da cesta básica foi de 96 horas e 42 minutos e, em fevereiro, a jornada foi calculada em 91 horas e 16 minutos. Em março de 2018, quando o salário mínimo era de R$ 954,00, o tempo médio era de 88 horas e 07 minutos. Um reajuste um pouco maior ajudaria nessa hora, por mais que a economia tenha crescido apenas 1,1% tanto em 2017 quanto em 2018.

Se você não depende do mínimo, pode estar pensando que muito barulho está sendo feito por R$ 11,00, que é a diferença provável caso a fórmula antiga valesse. Não deve se ter que fazer as contas na fila do caixa do supermercado para que as compras caibam no que tem na carteira ou na bolsa. Não saberia quantos quilos de arros, farinha, feijão, açúcar, quantos sabonetes, coxinhas e mortadelas caberiam nisso. Ou seja, isso faz diferença para cerca 48 milhões de pessoas, entre aposentados e pensionistas, empregados com carteira assinada, trabalhadores autônomos e trabalhadoras empregadas domésticas, entre outros, que têm sua rendimento referenciado no mínimo.

O Congresso Nacional ainda tem chance de corrigir o valor. E talvez o centrão junto com a oposição faça isso, impondo mais uma derrota a Bolsonaro.

O reajuste do salário mínimo é uma das ações mais importantes para melhorar a qualidade de vida do andar de baixo. Afinal de contas, salário mínimo não é programa de distribuição de renda, é uma remuneração mínima – e insuficiente – por um trabalho realizado. Não é caridade e sim uma garantia institucional de um mínimo de pudor por parte dos empregadores e do governo.

No Brasil, o debate sobre o salário mínimo vem acompanhado de muitas lamentações. Mas aquelas que ganham destaque vêm principalmente de economista, analistas, empresários, políticos, ou seja, quem não sobrevive com o mínimo. Em tempos de Reforma da Previdência, vale lembrar que uma dessas lamentações é o pedido para que as aposentadorias sejam desvinculadas do mínimo. Pois os aposentados não deveriam receber aumentos na mesma progressão que a população economicamente ativa. Em outras palavras, quem pode vender sua força de trabalho merece comer, pagar aluguel, comprar remédios. O governo tem que se preocupar em garantir a manutenção da mão de obra para as empresas – o resto que se dane.

Outra lamentação é o custo desse aumento para o país, como se uma variação positiva não significasse aquecimento na economia de locais de baixa renda, gerando empregos e melhorando a qualidade de vida de milhões.

O que deve passar pela cabeça de uma pessoa que mora no interior do país, recebe um mínimo e tem que depender de programas de renda mínima quando vê na sua TV especialistas dizendo que quem defende um aumento maior não pensa no país. E, na sequência, vê notícias do presidente da República apoiando um perdão de dívidas de contribuição previdenciária do agronegócio de, ao menos, R$ 11 bilhões.

Ou quando assiste escândalos de corrupção envolvendo empresas e políticos ou frondosos laranjais irrigados com recursos públicos eleitorais, como aqueles que se vê quando se faz turismo em Minas Gerais. Ou quando descobre que os mais ricos são porcamente tributados, isentos em bilhões da taxação de dividendos que recebem de suas empresas, pagando proporcionalmente menos que uma parte da classe média.

A defesa de uma política de valorização real do mínimo não é contra a responsabilidade fiscal, tampouco insinua que os favoráveis a restringir o aumento à correção monetária fazem isso por “maldade”. 

Mas abandonar a política usando como justificativa a crise econômica é negar coletes salva-vidas melhores para a turma que não tem e não terá acesso aos botes porque estava na terceira classe quando um iceberg bateu no casco do navio.

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