Empresário preso pela PF pediu R$ 69 milhões do orçamento secreto para municípios do Maranhão

Roberto Rodrigues de Lima consta como 'usuário externo' no sistema do Congresso; decisão que autorizou Operação Quebra Ossos cita 'fortes' indícios de desvios

Rayssa Motta e Pepita Ortega
Estadão

Ao autorizar a Operação Quebra Ossos, deflagrada nesta sexta-feira, 14, pela Polícia Federal (PF), o juiz Deomar da Assenção Arouche Júnior, substituto na Vara Federal de Bacabal (MA), disse ver “fortes” indícios de desvios de dinheiro público em contratos da Saúde em municípios do Maranhão.

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A investigação aponta que as prefeituras inflavam o número de atendimentos médicos de média e alta complexidade, com consultas e procedimentos que nunca existiram, para receber recursos de emendas parlamentares do orçamento secreto. O dinheiro seria embolsado por meio de fraudes em contratos administrativos.

A operação prendeu temporariamente os irmãos Roberto e Renato Rodrigues de Lima. Eles estariam por trás da empresa RR de Lima, que tem contratos com várias cidades maranhenses onde, segundo a investigação, foram inseridos dados superestimados de atendimentos.

Operação Quebra Ossos prendeu dois empresários investigados em inquérito sobre orçamento secreto. Foto: Polícia Federal

A Polícia Federal (PF) apontou que, embora não tenha mandato parlamentar, Roberto solicitou R$ 69 milhões em emendas de relator-geral para pelo menos 11 municípios do Maranhão. Ele consta como “usuário externo” no sistema do Congresso, o que o permite cadastrar propostas de direcionamento de verbas no lugar de deputados e senadores.

As prisões temporárias foram justificadas pela necessidade de ouvir investigados e testemunhas-chave ao mesmo tempo e evitar que os alvos da operação pudessem combinar versões, influenciar depoimentos ou destruir provas.

Na decisão, o juiz chama o orçamento secreto de “famigerado” e cita o caso de Igarapé Grande, município de 11 mil habitantes a 300 quilômetros de São Luís. A Controladoria-Geral da União (CGU) apontou que a cidade registrou um aumento “exorbitante” nos atendimentos cadastrados via Sistema Único de Saúde (SUS). O número de consultas saltou de 7.392 em 2018 para 385.527 em 2019. A secretária municipal de Saúde, Raquel Inácia Evangelista, foi afastada do cargo por determinação judicial pelo prazo de 180 dias.

Além das prisões e do afastamento da secretária de Saúde, o juiz autorizou a quebra dos sigilos bancário, fiscal e de dados dos investigados, assim como o sequestro de seus bens.

Bloqueio de repasses

A Justiça Federal no Maranhão também bloqueou R$ 78 milhões dos fundos de saúde de 20 municípios maranhenses. A decisão atendeu a um pedido do Ministério Público Federal (MPF) em investigações sobre o orçamento secreto.

Entre os 20 municípios que tiveram as contas bloqueadas estão Miranda do Norte, Afonso Cunha, Bela Vista, São Francisco do Maranhão, Loreto, Governador Luiz Rocha, Santa Filomena do Maranhão, São Bernardo, Igarapé Grande, Bequimão, Turilândia, Lago dos Rodrigues, Joselândia e São Domingos.

O esquema investigado é o mesmo: a inserção de dados falsos nos cadastros do Sistema Único de Saúde (SUS) para aumentar o limite dos pagamentos de emendas parlamentares e, posteriormente, desviar as verbas. O MPF requisitou, até o momento, 28 inquéritos policiais.

Uma análise preliminar da Controladoria-Geral da União (CGU) mostrou que, nos últimos cinco anos, a produção ambulatorial informada pelos municípios maranhenses cresceu 78%, mesmo sem ampliação das instalações ou contratação de profissionais de saúde.

O MPF afirmou que as fraudes ocorrem “pela fragilidade do Ministério da Saúde no controle da efetiva produção ambulatorial informada pelos municípios”. “Principalmente, quando são apresentados no sistema do SUS dados com crescimento abrupto bastante elevado, sem falar na ausência de uma concreta análise da prestação de contas pelos municípios dos recursos enviados pelas emendas parlamentares”, diz o comunicado divulgado mais cedo.

O órgão afirma que, nos últimos quatro anos, os municípios maranhenses receberam cerca de R$ 3 bilhões de emendas parlamentares na Saúde.

Veja outras inconsistências apontadas pelo MPF:
  • Miranda do Norte (município de 29 mil habitantes a 139 quilômetros de São Luís): foram reportadas 900 mil consultas em atenção especializada no ano de 2021. A cidade tem oito médicos, o que significa que cada precisaria ter atendido 450 pacientes por dia. A produção ambulatorial de média e alta complexidade saltou de R$ 330 mil, em 2020, para R$ 9,3 milhões em 2021.
  • Afonso Cunha (município de 6,7 mil habitantes a 300 quilômetros de São Luís): informou ter realizado 30 mil ultrassonografias de próstata nos anos de 2020 e 2021, o que corresponde a mais de quatro vezes a população do município.
  • São Francisco do Maranhão (cidade de 12 mil habitantes a 443 quilômetros da capital): reportou 300 mil consultas médicas de atenção especializada nos meses de novembro e dezembro de 2021, o que corresponderia, em dois meses, a 25 consultas por habitante.
COM A PALAVRA, AS DEFESAS

A reportagem busca contato com a defesa dos empresários presos e com as prefeituras citadas. O espaço está aberto para manifestação (rayssa.motta@estadao.com, pepita.ortega@estadao.com).

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