“ARAS SABE DAS CONSEQUÊNCIAS DE SUA OMISSÃO”, DIZ SIMONE TEBET

CONGRESSO EM FOCO

O procurador-geral da República, Augusto Aras, está na mira da CPI da Covid e de senadores que deram suporte às investigações. Com um histórico de decisões favoráveis a Jair Bolsonaro, Aras recebeu nesta semana o relatório final da comissão, com o pedido de indiciamento do presidente, por nove crimes, e de outras autoridades responsabilizadas pelo colegiado. O futuro de Bolsonaro passa pelas mãos do procurador-geral da República. Mas o futuro de Aras também está em jogo. Uma das protagonistas das investigações, mesmo não fazendo parte da CPI, a senadora Simone Tebet (MDB-MS) aprovou o discurso feito pelo chefe do Ministério Público Federal ao receber o relatório. Mas faz uma advertência: “O procurador-geral foi muito firme em relação à noção que ele tem do dever constitucional e da responsabilidade que tem. Ele sabe o que tem de fazer e sabe as consequências de sua omissão”.

CPI entrega relatório final ao procurador-geral da República. Foto: Antônio Augusto/PGR

Em entrevista exclusiva ao Congresso em Foco, Simone diz que os senadores não vão admitir que Aras engavete as investigações para blindar o presidente e seus aliados e que ele será contestado na Justiça caso se omita ou não apresente justificativas sólidas para pedir o arquivamento das apurações sugeridas pela CPI. “Há maneiras e maneiras de se empurrar com a barriga um processo. Se ele se omitir, aí tem uma ação. Isso não vai acontecer porque a opinião pública, a mídia e todos nós não vamos deixar”, afirma. Na noite de quinta-feira (28), com base no relatório, Aras abriu investigação preliminar para apurar a conduta do presidente.

Para ela, as maiores esperanças de que as investigações terão um desfecho condizente com os resultados da CPI estão depositadas no Tribunal de Contas da União. Na Câmara, avisa, não há qualquer chance de prosperar o pedido de impeachment contra Bolsonaro por causa da presença de Arthur Lira (PP-AL) na cadeira de presidente da Casa e pela cooptação de parlamentares por meio do chamado orçamento secreto e suas generosas emendas. “Lira não vai querer perder a chave do cofre”, avalia. Uma farra com o dinheiro público que, segundo ela, deverá ser barrada pelo Supremo Tribunal Federal. “Nossa sorte é que eles não têm limite. E aí começam a cometer sandices”, observa.

Simone Tebet acredita que a CPI fez história e levou vacina ao braço de milhões de brasileiros, ao enfrentar o negacionismo e o descaso do governo. Por isso, tem o dever de continuar a fiscalizar as ações do Executivo, do Ministério Público e da Justiça. “A CPI mostrou que é possível sim, com trabalho sério, fazer com que uma investigação da classe política corte na própria carne. A CPI não levou só para investigação cidadãos comuns, mas colocou servidores de alto padrão, militares, classe política, deputados federais, senador e o próprio presidente.”

Na avaliação da senadora, o aprofundamento das investigações vai revelar que o “vacinoduto” foi o maior escândalo de corrupção da história do país, superando mensalão e petrolão. Mesmo assim, segundo a senadora, não serão denúncias de corrupção que vão derrubar o governo. Para que o presidente seja afastado do poder, é necessário que a população saia às ruas, o que, no entendimento dela, pode ocorrer pelo agravamento da crise econômica. “Não acredito que será um escândalo de corrupção maior ou menor que levará a população à rua. Acredito que vai ser a fome. Temos um número recorde de miseráveis no Brasil. Voltamos à década de 80.”

No último dia 21, Simone Tebet conquistou pela terceira vez o Prêmio Congresso em Foco como melhor do Senado, na avaliação do júri. Também foi a primeira colocada no veredicto de jornalistas que acompanham o Congresso. Professora de Direito Constitucional por 12 anos, a senadora caminha para o seu último ano de mandato com o futuro indefinido. Ela espera nos próximos dias ter seu nome confirmado como pré-candidata do MDB ao Planalto em 2022 e, para isso, está disposta a abrir mão do projeto de reeleição.

A missão, como ela mesma classifica, não é das mais fáceis. Nas duas vezes em que tentou chegar à presidência do Senado, a senadora encontrou resistência dentro do próprio partido. Simone acredita, porém, que pode se viabilizar como um nome da chamada terceira via, como candidata do centro. “Não podemos ter, a um ano da eleição, uma disputa entre o passado e o presente. Precisamos falar de futuro. E, para falar de futuro, precisamos de nomes novos”, defende. Além de reconstruir o país, o grande objetivo, deixa claro a senadora, é impedir que Bolsonaro renove o mandato por quatro anos.

Veja abaixo a íntegra em texto da entrevista exclusiva:

Congresso em Foco – Senadora, encerrada a CPI, o que acontece agora? A senhora acredita que o Ministério Público vai agir conforme as expectativas? Vai ter atuação republicana, constitucional e independente?

Simone Tebet – Não só a CPI, como os familiares das vítimas e toda a população brasileira querem uma coisa: justiça. Óbvio que se abre agora todo o contraditório, com o devido processo legal. A competência do Ministério Público é ora federal, ora estadual. Estamos diante do maior órgão de fiscalização e controle do Brasil. O poder do Ministerio Público no Brasil se assemelha a pouquíssimos do mundo. De um lado, muito poder, de outro, muito dever. O dever é dele como fiscal da lei, alguém que protege o Estado brasileiro. Nesse caso estamos falando de saúde pública, que ele olhe para a sociedade. Esperamos do MP ação. A CPI descortinou aos olhos da população crimes. Crime contra administração pública, de improbidade administrativa, crime de responsabilidade e contra a humanidade. Cada crime tem seu foro especifico. Mas naquilo que se refere ao Ministerio Público que é isento, imparcial, que seus membros são vitalícios, que não têm responsabilidade , de ter um discurso político, como advogada posso ter esperança de que ele agora fará seu dever de casa.

Simone Tebet na cerimônia de entrega do Prêmio Congresso em Foco 2021. 
Foto: Paulo Negreiros

Aras tem histórico de barrar investigações contra o presidente. O que faz a senhora pensar que desta vez será diferente?

Quero crer que isso não esteja passando na cabeça do procurador-geral da República. Não passou quando ele recebeu esta semana o relatório final da CPI. Primeiro pela fala dele, mas também pelo que representa o cargo dele. O cargo que ele representa é muito maior que ele. Ele é o topo de uma pirâmide, mas a base dessa pirâmide, são os milhares de procuradores e promotores de Justiça. Eles sabem do seu dever constitucional e fizeram juramento. A pressão vem da base. Ele é mero representante dessa base, que vai pressionar o procurador a fazer o que é certo, aliado à pressão da sociedade, que se torna pública através da imprensa, diante da pressão do Congresso, da pressão popular. Ele também vai ficar com as pessoas com crimes conexos. Algumas pessoas vão ser julgadas por ele também porque há conexão de crimes com autoridades. Além disso, nas esferas estaduais, na Justiça federal, na Polícia Federal e nos Ministérios Públicos Estaduais teremos investigação com base no relatório da CPI.

Qual seria a estratégica do procurador-geral da República?

Diria que será um grande erro se ele pegar alguns indiciados e acelerar os processos para poupar alguns poucos, talvez, na escala mais alta do poder. Estamos atentos a isso. Muito se fala de uma ação penal subsidiária pública. Isso não foi dito por mim nem por ninguém. Mas é preciso fazer um alerta. A inércia do procurador pelos próximos 30 dias – ele tem 30 dias para analisar – pode levar a uma ação penal privada subsidiaria pública. Mas ele conhece a lei. Se ele fizer arquivamento das investigações de uma dessas autoridades, aí há questionamento jurídico se, com base nesse arquivamento, caberia uma ação penal subsidiária. Porque se ele arquivar sem a motivação devida, podemos entrar com outros tipos de ações questionando a legalidade, um possível desvio de finalidade pública. Não consigo imaginar uma ação subsidiária pública diante de uma inércia que não ocorrerá. Ele irá tocar os indiciamentos, com comissão especial. Alguns ele pode arquivar. Mas o arquivamento é uma ação, ele agiu. Não é uma omissão. Aí teríamos de pegar a justificativa desse arquivamento para ver se detectamos o desvio de função pública. Estaremos atentos não só à inercia, mas a atos protelatórios. Há maneiras e maneiras de se empurrar com a barriga um processo. Se ele se omitir, aí tem uma ação. Isso não vai acontecer porque a opinião pública, a mídia e todos nós não vamos deixar. Você abrir aos 45 do segundo tempo o processo, ou pelo menos fazer um ato administrativo, criar atos protelatórios para daqui a um ano apresentar denúncia. Vamos dizer que o Brasil tem pressa, os familiares das vítimas têm pressa. A Justiça exige pressa num momento como esse.

O que representa o fim da CPI?

O término de um capítulo e o início de outro. Como em uma corrida de obstáculos de longa distância, estamos passando o bastão para o Ministério Público. Há prazo regimental, legal, normalmente de 30 dias, para que o procurador acione sua equipe e comece os trabalhos. Acredito que isso vai acontecer. Sou muito crítica à PGR, fiz críticas à inércia do procurador em relação a atitudes, ao meu ver, ilícitas do presidente. Mas me surpreendeu a firmeza dele, ele já disse que tem grupo de trabalho, designou promotores de Justiça. Ele chegou a perguntar se no relatório já estavam separadas aquelas autoridades cuja competência para investigação é da PGR, para que ele não perdesse tempo. Ele fez essa pergunta duas vezes. Significa que ele está com equipe e quer dar andamento. Minha dúvida é se ele vai aproveitar para investigar alguns e com isso proteger, ao arrepio da lei, outros. Leia-se: presidente da República, os filhos do presidente, deputados federais, senadores. Se ele assim o fizer, estaremos atentos.

Como vai funcionar o Observatório da Pandemia?

Na CPI não tem quem não tenha entrado comovido. Todos estávamos com alma combalida, prostrados diante de tanta dor e morte, numa aflição por ver pessoas perdendo emprego por terem de ficar de casa. Todos nós da CPI, pelo menos os do G7 e da bancada feminina entramos comovidos e saímos indignados. De saber que, ao lado de tudo isso, houve omissão criminosa dolosa do governo federal no negacionismo, atrasando vacinas, e com isso levando à morte milhares de pessoas que poderiam estar entre nós. Ao lado disso, por isso nossa indignação, vimos um escândalo de corrupção sem precedente. Todo mundo ainda fala do mensalão e do petrolão. Daqui a pouco a história não vai nos deixar esquecer: vai falar do vacinoduto e do propinoduto como o maior esquema de escândalo da história do país, assim que o MP colher provas e a Justiça punir os responsáveis. Diante de tudo isso, o que queremos é Justiça. Não podíamos passar o bastão para o MP e falar que agora não é mais conosco. É. Somos eleitos para servir e também como órgão de fiscalização e controle. Vamos fazer frente ampla no Observatório. Já entregamos o relatório para a PGR, o STF, o TCU. Em novembro estaremos em São Paulo no MP estadual por conta da Prevent Senior. Estaremos no Rio de Janeiro por conta dos hospitais públicos. Estaremos em Manaus. A entrega do documento vai ser no nível da entrega que fizemos para o Aras. É como disse, na ocasião, o presidente da CPI: doutor Aras, estamos entregando esse documento, mas estamos aqui para dizer que estaremos observando, fiscalizando e nós não admitiremos omissão, em nome de mais de 605 mil vítimas da covid. Foi dura a fala. Da mesma forma, o procurador-geral foi muito firme em relação à noção que ele tem do dever constitucional e da responsabilidade que tem. Ele sabe o que tem de fazer e sabe as consequências de sua omissão.

O Observatório pode agir contra a omissão de autoridades? Qual será o seu poder?

Na medida em que o Observatório, na sua fiscalização, perceber a inércia do MP, ele pode tomar providências, acionar o Supremo, o Judiciário. Se dentro desse processo concluirmos que falta aperfeiçoamento legislativo, estaremos ali para apresentar projetos legislativos, especialmente ficando de olho no TCU que é órgão auxiliar do TCU. Não só fiscalizar o trabalho, mas nos colocarmos à disposição do MP. Ficamos seis meses investigando. Vamos fiscalizar o trabalho do MP, vamos nos servir dos frutos, aproveitar o que o MP entregar para aperfeiçoar as leis brasileiras.

É certo que a CPI terá consequências?

Já teve. Escancarou. Teve capacidade de abalar a popularidade do presidente da República ao expor à luz a verdade dos fatos. Não tenho como convencer as pessoas do que eu vi. Estudei mais de duas mil páginas de um único processo, li mais de uma vez. Descobri monte de irregularidade. A CPI deu certo, escancarou a inércia dolosa do governo brasileiro, botou vacina no braço do povo. Não fosse isso, eles não acelerariam os contratos de vacina, não tinham interesse, porque não acreditam na imunização por vacina, mas na imunidade de rebanho por contaminação. Escancarou esses crimes, o que estava acontecendo em alguns planos de saúde, nos meandros de uma parte muito pequena da medicina brasileira. Trouxe a realidade de um país que é racista, homofóbico, onde há misoginia, quando mostrou em rede nacional alguns episódios relacionados a esse assunto. A CPI fez história, é a mãe de todas as CPIs. Mostrou que é possível sim, com trabalho sério, fazer com que uma investigação da classe política corte na própria carne. A CPI não levou só para investigação cidadãos comuns, mas colocou servidores de alto padrão, militares, classe política, deputados federais, senador e o próprio presidente.

Na Câmara, na PGR, no TCU. Em que instância a senhora deposita maior esperança de desdobramento da CPI?

Na Câmara, nenhuma expectativa. O TCU tem um ponto que acho essencial. O TCU deu um parecer não julgado definitivamente ainda muito forte, ali sai a raiz do problema e do crime de responsabilidade dos ministros da Saúde e do próprio presidente, quando ele fala categoricamente que a política de saúde pública, o planejamento e a coordenação é do governo federal, embora a saúde pública seja tripartite, de responsabilidade de estados, municípios e da União. Quando ele diz que a omissão e a falta de plano nacional de imunização no Brasil atrapalharam a atividade de estados e municípios, o TCU praticamente disse que o governo federal não fez o dever de casa. Essa omissão já consegue imputar crimes, na pior das hipóteses, ao ministro da Saúde, mas também recai sobre o presidente, porque está muito claro, por documentos, vídeos e lives, que ele interferia no Ministério da Saúde para que esse plano saísse do papel. O TCU vai vir muito forte com relatórios. Os Ministérios Públicos estaduais também. Não posso falar do Rio de Janeiro porque os problemas dos hospitais do Rio são seríssimos, passaram pelos governos do MDB e devem continuar no atual. Deixaria isso para médio prazo. No DF, temos denúncias gravíssimas. Espero uma coisa muito rápida vindo do MPF não só em relação à VTC Log, envolvendo o núcleo político o líder do governo, o Roberto Dias, na assinatura de contratos e aditivos. Não vamos esquecer, mas é um processo mais demorado o da Prevent Senior. Jamais imaginei que no Brasil, no século 21, tivéssemos pessoas que pudessem fazer das outras cobaias, brincar com a vida humana, com o fim único de ganhar dinheiro. Se der certo, ficam milionários, se não der certo, algumas pessoas vieram a falecer no meio do caminho.

E na Câmara, que consequência pode haver?

Não acredito que Lira, que hoje é dono do orçamento público, o homem mais poderoso na distribuição do dinheiro público dentro do Congresso, que se beneficia de um presidente enfraquecido e incompetente, com uma equipe que não comanda a economia, vai querer perder o poder de gestão, de dizer e ditar regras para o Ministério da Economia e o próprio presidente da República. Com essa RP9 [emendas de relator, cuja destinação dos recursos é pouco transparente], são R$ 16 bi. Somem todas as emendas individuais impositivas, são R$ 16 milhões por senador, some as dos deputados e as emendas de bancada, tudo não dá um terço da emenda de relator. O relator tem mais dinheiro para negociar, quando digo relator, digo o presidente da Câmara e do Senado. Eles têm mais dinheiro para negociar do que todo o parlamento brasileiro. Se isso não for inconstitucional, ilegal e imoral, não sei o que é mais. O STF vai ter de entrar nessa. Quem não come mel, quando come, se lambuza. Nossa sorte é que eles não têm limite. E aí começam a cometer sandices, com a falta de transparência, a ponto de um senador mandar emenda para outro estado. Isso é proibido pela Constituição. Aí que dá para a Justiça pegar. Vamos ver se a Justiça abre a caixa preta dessa RP9. Eles são espertos, comandam a maioria, só dividem com a maioria para ter a maioria no bolso. Se não vier uma decisão do Supremo, de que isso é inconstitucional, a RP 9 vai continuar. Lira não vai querer perder a chave do cofre. Ele não vai acatar o pedido de impeachment até porque, se quisesse, já teria acatado. Só tem um fato que pode levar ao processo de impeachment.

Qual?

Rua, não há impeachment sem rua. Os elementos jurídicos estão aí. Faltam os políticos. Quais são? A economia tem de estar combalida, e ela está, temos uma inflação galopante, o país está estagnado, não temos crescimento, há um número recorde de pessoas indo para a linha da miséria, desempregadas, subutilizadas e de desalentados. Todos os números são extremamente preocupantes. Um dólar tão alto que as pessoas não estão conseguindo mais comer porque o arroz é importado, o gás de cozinha e o combustível são dolarizados. A economia combalida temos. Falta a movimentação popular. A gente não sabe quando ela surge, basta lembrar 2013. Ela pode estar na nossa porta, acontecer amanhã. Enquanto isso não acontecer, não vai haver abertura de impeachment de Bolsonaro porque parte da classe política da Câmara está se beneficiando da fraqueza deste governo, um governo fraco, que não administra, que não tem equipe competente, não tem autoridade, poder de mando. Ela fica sempre à mercê de outro poder. Esse é o grande problema numa democracia. Porque se fala que os três poderes são independentes, mas harmônicos. Essa harmonia também significa a dosagem que o poder que cada um tem. Pela Constituição, todos têm poderes mais ou menos igualitários. Quando você tem um poder inflado ou inflacionado de um lado, tem hipertrofia de outro. Estamos vendo verdadeira atrofia do poder Executivo. Isso é péssimo. Porque quem foi eleito para governar, fazer políticas públicas, para resolver problema da fome e da desigualdade, da economia para gerar empregos é o poder Executivo. O Legislativo não tem essa capacidade nem competência. Quando tenta fazer, tenta fazer em benefício próprio, pensando em um jeitinho para ganhar dinheiro. Tem sempre uma minoria honesta e competente, que fez o juramento constitucional de servir ao interesse púbico e leva esse juramento a sério. Mas ela não consegue furar a bolha, estender o quórum. Toda vez que tem projeto de lei com quórum simples, mesmo maioria absoluta, ele vai passar porque há o grupo que domina o orçamento para comprar a eleição de qualquer jeito e imputar ao Executivo a sua vontade pessoal.

Por exemplo?

O que o Executivo quer numa reforma tributária no Brasil nós não sabemos. A reforma que está na Câmara e no Senado é do congresso. Ela é gestada de cabeça de uma única pessoa com quatro ou três líderes, visando interesse da maioria, do seu estado ou minoria? A gente não sabe. Busquem o que passou na MP da Eletrobras, vejam quem vai ganhar muito dinheiro ao custo do aumento da energia elétrica para 215 milhões de brasileiros.

O que falta para a população sair às ruas?

É sempre a fome, o aumento do desemprego, o aumento de tarifas públicas, coisas em que as pessoas se sentem injustiçadas. Pode até ser como em 2013 por mais alguns centavos no preço do transporte. Mas pode ser o preço do gás de cozinha. Se não conseguem comprar o gás para cozinhar, se a classe média está tirando filhos das escolas particulares e não consegue mais pagar o mais simples plano de saúde, percebe-se que aquilo que é básico ela não tem, mesmo sendo honesta, trabalhadora e pagando imposto. Essa insatisfação vai ganhando corpo num mundo de rede social em que, a um toque, em 24 horas você move uma legião de insatisfeitos, a qualquer momento. Isso é mais forte que um escândalo de corrupção. Foi-se o tempo, como foi no caso de Collor, que um Fiat Elba era capaz de tirar um presidente da República. Eu estava saindo da faculdade naquela época, no início dos anos 90, foi um escândalo. Hoje tem um escândalo por dia. A população não se rebelou diante de tudo que soube sobre o que presidente fez e deixou de fazer na maior crise sanitária, pandemia e maior crise econômica que estamos vivendo. Não estou falando apenas do negacionismo, que as pessoas se contaminem rapidamente para voltar ao mercado de trabalho. Estou falando também das denúncias de corrupção. Que ele tomou conhecimento e não fez nada, de crime cometido por quem ele nomeou. Ele que nomeou e tirou os ministros da Saúde, que nomeou o líder do governo, que deixou dentro do Ministério da Saúde um núcleo militar que também presenciou essa cena e não teve capacidade de gestão. Se a população brasileira não conseguiu se indignar e reagir diante desse descalabro, não acredito que será um escândalo de corrupção maior ou menor que levará a população à rua. Acredito que vai ser a fome. Temos um número recorde de miseráveis no Brasil. Voltamos à década de 80, quando eu ainda indo para a faculdade, no centro do Rio, via pessoas buscando comida na lata de lixo e comendo resto de tomate podre.

A senhora tem colocado seu nome como pré-candidata, dentro do MDB, à Presidência da República. A senhora tem adversários dentro do partido. O que a faz acreditar que poderá ser lançada em 2022?

Primeiro que o presidente do MDB, Baleia Rossi, conversou com praticamente todos os membros da Executiva. Muitos deles me procuraram esta semana dizendo que é muito importante o MDB se colocar no processo sucessório. Que o MDB e os partidos democráticos, neste momento em que a democracia está abalada e é ameaçada, em que temos um desgoverno que cria crises artificiais na área econômica e crises institucionais, possam entrar nesse centro democrático a favor de uma terceira via. Eles entendem que não haveria outro nome a não ser o meu. Dentro dessas conversas individuais, nós nos próximos dias, estaremos conversando e dando nossa palavra definitiva. Ainda quero ouvir colegas antes de tomar decisão porque essa é uma decisão partidária, uma decisão que vem para somar, não para dividir. Quero que as ideias democráticas e desenvolvimentistas, de políticas públicas sejam levadas adiante. Temos consciência que a pulverização e a fragmentação impedem que qualquer candidato vá para o segundo turno. Estamos a um ano das eleições, os nomes precisam ser colocados, a população precisa entender que não precisa voltar ao passado e, muito menos, continuar com o presente. Ela tem opção. Temos de dar oportunidade de o eleitor escolher dentro de uma gama de candidatos, ainda que esses candidatos ainda no primeiro turno se unam numa frente democrática. Não podemos ter, a um ano da eleição, uma disputa entre o passado e o presente. Precisamos falar de futuro. E, para falar de futuro, precisamos de nomes novos. Louvo a coragem de partidos que colocam seus candidatos, como o PSDB e o PDT. O MDB não pode ficar inerte nessa situação. Lá atrás o MDB abrigou todas essas correntes ideológicas. No momento em que o Brasil mais precisa, não pode ficar de fora. Nos próximos dias teremos uma posição do MDB. Embora meu mandato se encerre em 2022 e, em principio, eu estivesse me estruturando para ser candidata à reeleição no Senado, aprendi com meu pai que missão não se escolhe, cumpre-se. Se for essa a vontade do partido, que está sendo gestada, nos próximos 15 dias, saberemos… Eu coloco meu nome à disposição da disputa presidencial.

Mas como ser aceita por grupos que controlam o partido há anos, como o ex-presidente Temer, o senador Renan Calheiros, o ex-senador Romero Jucá, com os quais a senhora já bateu de frente?

O presidente Temer foi a primeira pessoa que Baleia e eu consultamos. Ele tem experiência como poucos, é um grande constitucionalista. Ele entende que o MDB não poderia entrar numa aventura. Ele foi categórico de que o MDB precisa ter uma candidatura própria, com pessoas experientes, mas com rosto novo. Todos sabem que tive embates com o senador Renan, mas isso não me impede de dialogar com ele. Ele me disse a mesma coisa, que acha que o MDB tem de entrar no processo. Um processo em que estão em jogo muitas coisas. Eu sei que o senador Renan tem grande preocupação com a reeleição de Bolsonaro, no que se refere à estabilidade democrática. Diante disso, não estou falando do meu partido, mas da frente democrática, de deixarmos de lado nossas diferenças, e nos unirmos naquilo que é mais importante. Aquilo que nos une é infinitamente maior do que aquilo que nos separa. Estou falando do MDB, do PSDB, do PSD, do PDT, de todos aqueles partidos democráticos que estão dispostos a apresentar um nome para sentar lá na frente, quem sabem em março, e dialogar a favor do Brasil.

A terceira via terá de se unir em torno de um nome se quiser vencer?

Defendo que todos botem seu bloco na rua, apresentem seus pré-candidatos. Não é defesa, é matemática. Temos de pensar que Lula tem, no mínimo, 35%, e vai para o segundo turno, e que Bolsonaro tem 25%, de acordo com as pesquisas hoje. Os dois somam 60% e se acrescentarmos 10% de Ciro, teremos 70%. Quando você pulveriza os demais, ninguém da terceira via terá condições de chegar a 20% para tirar Bolsonaro do segundo turno. É óbvio que todos os candidatos vão dizer que não vão abrir mão. Não tenho dúvida de que muitos dos que não alcançarem dois dígitos serão os primeiros a dizer que vão colocar seus nomes a favor dos outros. O que nos une é a democracia, um país menos desigual, que não passe fome, que tenha credibilidade no mundo, que não seja motivo de chacota. Um país em que o agronegócio produza e conserve o meio ambiente, que hoje tem imagem de vilão na visão da política internacional. Dei esse exemplo porque ele é o carro chefe da nossa economia. Se ela ficar combalida, a cadeia produtiva toda se desmonta. É o setor primário que aciona o secundário, que aciona o de serviços. Estou muito esperançosa que acharemos um nome da terceira via que vai disputar e ganhar as eleições em 2022.



AUTORIA
EDSON SARDINHA Diretor de redação. Formado em Jornalismo pela UFG, foi assessor de imprensa do governo de Goiás. É um dos autores da série de reportagens sobre a farra das passagens, vencedora do prêmio Embratel de Jornalismo Investigativo em 2009. Ganhou duas vezes o Prêmio Vladimir Herzog. Está no site desde sua criação, em 2004.

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