Pandemia em Manaus: comparativo entre primeiro e segundo surtos de Covid-19 mostra situação alarmante

O G1 comparou o auge da pandemia em Manaus em abril e maio do ano passado com a situação atual, que é considerada como um novo surto de Covid-19, e mostra como os indicadores pioraram.

Por G1 — São Paulo

Cemitérios de Manaus em diferentes momentos de alta nas mortes por Covid-19 — 
Foto: Edmar Barros_AFP; Bruno Kelly/Reuters

Manaus está em colapso com o avanço dos casos de Covid-19: as internações e os enterros bateram recordes, as unidades de saúde ficaram sem oxigênio e pacientes estão sendo enviados para outros estados. Lotados, os cemitérios precisaram instalar câmaras frigoríficas.

A situação é pior do que a registrada no auge da pandemia em abril e maio do ano passado, como mostram os dados levantados pelo G1.

Até esta sexta (15), mais de 226 mil pessoas foram infectadas pela Covid em todo o estado, e mais de 6 mil morreram. O boletim atualizado apontou que mais de 1,7 mil pessoas com Covid estavam hospitalizadas.

Veja os destaques da comparação:
A primeira onda

O fechamento do comércio foi anunciado no Amazonas, pela primeira vez, em 23 de março. Já nas semanas seguintes, o G1 flagrou a regra sendo desobedecida nas ruas.

Os dois meses seguintes seriam os piores em relação ao números de internações e mortes por Covid. Em 10 de abril, o Hospital Delphina Aziz, referência para Covid-19, atingia capacidade máxima de pacientes.

Uma semana depois, a Secretária de Saúde, Simone Papaiz, admitiu a possibilidade de superlotação nos demais hospitais. "Nos últimos 10 anos, o número de leitos disponíveis no SUS já era um número insuficiente para a rede". Ela foi presa pela Polícia Federal em uma operação que investiga desvio de dinheiro na pandemia.

As medidas de isolamento social foram prorrogadas no dia 17 de abril, quando a taxa de ocupação dos hospitais beirava 90%, e depois em 12 de maio.

"Prorrogamos o decreto de medidas restritivas até 31 de maio. Repito, seguindo orientações da OMS, do Ministério da Saúde e dos nossos profissionais da área. Com mais de 14 mil casos confirmados, é impossível flexibilizar o isolamento e restrições", disse o governador Wilson Lima (PSL), à época.

Somente neste dia foi decretado como obrigatório o uso de máscara facial.

O epidemiologista Diego Xavier, do Instituto de Comunicação e Informação em Saúde da Fundação Oswaldo Cruz (Icict/Fiocruz), afirma que o Amazonas tem um histórico de falta de recursos humanos e de medicamentos na área da Saúde.

Ele é um dos responsáveis por um estudo que mostrou que 40% da população do Amazonas residia há mais de 4 horas de um município com condições para tratar Covid-19.

"Manaus é um polo que concentra pessoas de vários locais, inclusive Peru e Venezuela. No início da pandemia, o que a gente deveria ter feito é adequado, de forma correta, com aumento do número de recursos", afirma.

Ele ressalta que as soluções passam também pelo programa de saúde da família e pela testagem em massa — todas elas por meio do Sistema Único de Saúde (SUS), com o governo federal coordenando os poderes municipal e estadual.

"A gente não usou isso porque não tem diretriz de governo, não existe um investimento pesado em prevenção. Isso sim seria prevenção: um tratamento precoce para toda a sociedade. Se a gente encontra o paciente com Covid, isola e trata, a gente evita que a cadeia de transmissão aumente. Agora, 'tratamento precoce' com remédios sem comprovação científica não existe em lugar nenhum do mundo", diz ele.

Em abril, foram 2.128 internações na capital amazonense. Em abril, recorde de enterros em um dia: 140.

No fim daquele mês, o governador recebeu o ministro da Saúde Eduardo Pazuello na inauguração do primeiro hospital de combate à Covid-19.

"É um esforço muito grande do governo do estado com sua equipe. Lógico que a gente apoia no que a gente consegue também, porque a logística é complicada para Manaus", disse Pazuello.

A segunda onda

Ainda em abril, Lima anunciou a reabertura do comércio a partir do dia 1º de junho. Em setembro, o governo anunciou o retorno das aulas dentro de menos de dois meses. Para o pesquisador, esse foi um dos fatores determinantes para a subida dos casos.

Somente em dezembro, com a ocupação dos hospitais em alta, o governo voltou a propor o fechamento do comércio não essencial. O anúncio foi feito na antevéspera de Natal e passaria a valer no dia 26.

Shoppings, restaurantes e comércio não essencial só poderiam funcionar por delivery ou drive-thru. A medida foi considerada uma espécie de lockdown pela população e a Associação Brasileira se Shoppings Centers foi à Justiça para derrubá-la, mas não teve êxito.

O então prefeito de Manaus, Arthur Virgílio Neto (PSDB), saiu em defesa do decreto para fechar o comércio, mas criticou o governador Wilson Lima (PSC): "Por que não fez antes?". Ele diz que o lockdown deveria ter sido implementado ainda em setembro.

No dia em que a lei deveria passar a valer, a população foi às ruas. Deputados federais ligados ao presidente Jair Bolsonaro (sem partido), como Eduardo Bolsonaro (PSL-SP) e Bia Kicis (PSL-SP), foram às redes em apoio aos manifestantes.

“1º Búzios e agora Manaus. Todo poder emana do povo”, escreveu Eduardo. O filho do presidente se referia à cidade da Região dos Lagos fluminense, onde também houve protesto contra fechamento .

Já no dia seguinte, Lima recuou e revogou o decreto.

"Se nós tivermos um nível menor, abaixo de 85% de ocupação de leitos de UTI, há possibilidade de a gente aumentar a nossa flexibilização. No entanto, se a gente tiver um aumento desse percentual, a gente vai sentar pra reunir e entender quais novas decisões e restrições nós vamos adotar", disse ele.

Segundo o epidemiologista Diego Xavier, a Fiocruz alertara ao estado do Amazonas sobre a situação crítica no estado, embora estudos de outras instituições apontassem para uma suposta "imunidade de rebanho" após a primeira onda da doença.

"Manaus e Amazonas receberam, sim, esse alerta da Fiocruz dizendo que encontraríamos essa condição. Sugerimos o lockdown, mas ignoraram porque acreditaram que tinha chegado a uma imunidade de rebanho que nunca existiu. A ciência tem o tempo todo apontado o caminho, mas é atacada por politicagem. Ninguém aqui está emitindo opinião. A gente está emitindo um fato e está tendo que lidar com opiniões de políticos que não apresentam fatos, somente opiniões", queixou-se.

Também no dia 26, em meio à reabertura, o governo admitiu que 7 dos 11 hospitais particulares de Manaus tinham 100% de lotação.

Com a possibilidade da falta de leitos anunciada pelo governador no dia 31, o tradicional réveillon na Ponta Negra foi celebrado com as ruas vazias e sem a tradicional queima de fogos.

Já em 2021, no dia 2, a Justiça determinou a suspensão total de atividades. A lei só passou a valer dois dias depois porque, na véspera, o governo amazonense afirmou que não tinha sido notificado.

O estado de emergência foi decretado por 180 dias, mas era tarde demais: no dia 9, o estado batia recorde de novas internações e faltavam leitos para mais de 400 pessoas.

Dois dias depois, o ministro da Saúde, Eduardo Pazuello, voltou a visitar Manaus. Ele prometeu reorganizar o atendimento nos hospitais, recrutar profissionais de saúde, abrir leitos e enviar equipamentos, insumos e medicamentos.

“Minha posição aqui é de apoio. Eu sou o apoio, vou apoiá-los com minhas equipes, com tudo que vocês precisarem. E com o conhecimento que adquirimos ao longo do último ano”.

Segundo o epidemiologista da Fiocruz, já naquele dia o Governo Federal deveria ter feito o máximo para evitar a tragédia.

"A equipe do Ministério da Saúde poderia, sim, ter levantado toda essa demanda e ter sido atendida nesse momento, ou antes até. O que a gente viu foi o contrário: o incentivo a um 'tratamento precoce' que não funciona", alertou.

Xavier afirma ainda que criou-se uma falsa dualidade entre saúde e economia, mas que este é o momento de tomar medidas mais drásticas de isolamento social em várias partes do país. Caso contrário, o drama vivido em Manaus pode se repetir em outras cidades.

"A gente tinha tempos diferentes de contaminação no país em função da chegada da doença inicialmente no Rio e em Manaus, depois se espalhando no Sudeste, Sul e Centro-Oeste. Agora, a gente vê a subida sincronizada de casos em todo o país. A gente perdeu a vantagem logística de poder fazer um remanejamento de pacientes. Inevitavelmente, esses estados que estão recebendo pacientes de Manaus vão ter aumento expressivo de casos".

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