Não há espaço no orçamento para nova renda mínima de R$ 300, avaliam deputados e analistas

Parlamentares e especialistas não veem possibilidade no orçamento para que o programa sucessor do Bolsa Família pague aos necessitados aquilo que o Palácio do Planalto projeta. Custo pode ultrapassar os R$ 100 bilhões anuais

RH Rosana Hessel
Correio Braziliense

(crédito: Jefferson Rudy)

Depois de obter o sinal verde de Jair Bolsonaro para criar um programa alternativo ao Renda Brasil, incluindo o projeto na Proposta de Emenda à Constituição (PEC) do Pacto Federativo, o senador Marcio Bittar (MDB-AC) não encontra espaço fiscal para um benefício de, pelo menos, R$ 300, como o presidente da República quer, porque poderá custar mais de R$ 100 bilhões por ano. A conta não fecha sem estourar o teto de gastos — emenda constitucional que limita o aumento das despesas à inflação anterior —, lembram especialistas. Não à toa, o relatório que o parlamentar prometeu apresentar ontem não estava concluído, de acordo com interlocutores que estiveram com o emedebista.

“Ele está parecendo o ministro Paulo Guedes (Economia) quando prometia entregar a reforma tributária na semana seguinte, e nunca entregava”, comparou um parlamentar. Bittar também é o relator-geral do Orçamento de 2021, cuja proposta enviada pelo Executivo ao Congresso não tem margem para novas despesas.

“Um programa de renda mínima precisa ser sustentável e isso não será possível com um benefício de R$ 300”, alertou o economista Fernando Veloso, pesquisador sênior do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (FGV Ibre), e um dos autores de uma proposta que pode custar R$ 57 bilhões/ano, considerando os recursos do Bolsa Família (que deve custar R$ 34,4 bilhões no ano que vem) e os de programas sociais existentes que seriam extintos por serem considerados “ineficazes em termos de redução da desigualdade social” — como o abono salarial, o salário-família e o seguro defeso.

Na proposta do Ibre, o valor médio do auxílio é de R$ 230 por pessoa e prevê, como substituição ao abono, uma espécie de seguro composto para o trabalhador sacar quando perder o emprego formal ou informal. A expectativa é de que 18,4 milhões de famílias sejam contempladas com algum dos benefícios propostos.

Bittar pretende incluir no relatório da PEC do Pacto Federativo a PEC Emergencial, que trata da regulamentação dos gatilhos do teto de gastos, com o intuito de abrir espaço para o Renda Brasil. Contudo, de acordo com o analista do Senado Leonardo Ribeiro, os gatilhos do teto e as medidas de ajuste apresentadas pelo governo na PEC do Pacto Federativo “não serão suficientes para compensar fiscalmente um programa nos moldes que o presidente Bolsonaro quer”.

Segundo Ribeiro, o congelamento nominal dos salários do setor público pode render, no máximo, R$ 15 bilhões por ano. “Mas vale ressaltar que essa economia somente ocorre de maneira permanente se não houver reposição futura. Nesse sentido, não creio que seja uma boa fonte de compensação fiscal”, observou.

CPMF nem pensar

Parlamentares descartam qualquer proposta de criação de imposto para abrir espaço fiscal para o Renda Brasil, como uma nova CPMF (Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira), tributo que Guedes propõe para compensar a desoneração da folha e que também precisará ser incluída no Orçamento, se o Congresso derrubar o veto. “Não é preciso criar imposto novo ou nova CPMF. Existem recursos empoçados (parados e sem uso) em ministérios. Entendemos que a PEC dos Fundos é um bom lugar para construir espaço no Orçamento para o novo programa”, disse o senador Alessandro Vieira (Cidadania-SE), vice-presidente da Frente Parlamentar Mista em Defesa da Renda Básica.

“A Frente já se colocou à disposição do presidente e do senador Bittar para um debate sobre o assunto e não tivemos retorno. Temos a convicção de que é possível criar um programa novo de renda básica sem modificar o teto de gastos, focando na realocação dos recursos”, destacou.

O coordenador de Responsabilidade Fiscal da Frente, deputado Felipe Rigoni (PSB-ES), também criticou a criação de um imposto nos moldes da CPMF para o novo programa de renda básica. “Não adianta vestir uma roupinha bonita. É a mesma coisa, a base é maior e tem muitos problemas”, criticou.

Rigoni reforçou que qualquer medida para criar um programa de renda mínima que estoure o teto de gastos poderá ser mais prejudicial, pois pode trazer de volta a inflação, o pior imposto para os pobres.

Na avaliação de Sergio Vale, economista-chefe da MB Associados, não haverá solução fácil para encontrar espaço um programa que amplie o Bolsa Família, pois qualquer solução vai mostrar a fragilidade fiscal. “O Orçamento não tem muito espaço para cortes adicionais. A questão toda não depende de criar um imposto para financiar o Renda Brasil, mas de onde tirar de dentro da regra do teto”, afirmou.

Receita do ICMS sinaliza recuo

Apesar de secretários estaduais de Fazenda afirmarem que a arrecadação com o Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) tem crescido “acima do previsto” devido, em grande parte, à recuperação do comércio favorecida pelo auxílio emergencial de R$ 600, dados preliminares de agosto e de setembro mostram recuo na receita total. A nova parcela, de R$ 300, que começou a ser paga ontem, reduz a capacidade de consumo daqui para frente.

Pelo menos uma dezena de estados registrou melhora na receita do ICMS, incluindo São Paulo. Alguns entes federativos não enviaram os números para o Conselho Nacional de Política Fazendária (Confaz), como o Distrito Federal, mas, apenas em agosto, a arrecadação encolheu 7,23% em relação ao mesmo intervalo de 2019, somando R$ 44,5 bilhões. Essa taxa é quase o dobro da queda de 4,25% na receita acumulada no ano, de R$ 380,06 bilhões, dos quais 82,9% foram de ICMS. Dados preliminares das notas fiscais eletrônicas até 20 de setembro ainda mostram que a quantidade caiu pouco mais de 9%.

“Existe um problema de sustentação desse aumento da arrecadação. Alguns secretários estaduais afirmam que houve melhora no consumo devido ao auxílio, concedido a um público vulnerável, que tem elevada elasticidade de consumo. Ou seja, aumenta e diminui rapidamente quando a renda cai” alertou a economista Juliana Damasceno, pesquisadora do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (FGV Ibre).

Segundo ela, os dados preliminares de uma sondagem da FGV confirmam que houve direcionamento do auxílio para o consumo. Mas lembrou que os índices de confiança dos consumidores e dos empresários ainda estão baixos porque a reabertura no Brasil ocorreu no pico de contágio. “A crise da pandemia não vai acabar em 31 de dezembro. A economia ainda vai sofrer os efeitos da recessão”, alertou.

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