[Opinião] A política como solução dos problemas

Do BLOG DA FOLHA

Jorge Waquim - Foto: Divulgação

Por Jorge Waquim*

No instigante evento “rec’n’play” que durante três dias ocupou espaços em empresas e cafés do Bairro do Recife, assisti a uma palestra sobre água nas cidades. A palestra versava sobre soluções técnicas para melhorar o acesso à água e não destoou da qualidade de tudo o que aconteceu no evento.

No momento das perguntas, não resisti e levantei a mão para em resumo dizer que o problema da água nas cidades não é meramente técnico, mas político. Técnicas, já há uma pletora delas, cada dia mais robustas e baratas, para todo tipo de problemas urbanos. No entanto, precisamos de capacidade política suficiente para aplicar de maneira efetiva essas técnicas na solução do rol enorme dos urgentes problemas que afetam as cidades brasileiras.

Ora, vejam – continuei – grande parte do Recife sofre com torneiras secas dentro das casas e, no entanto, a cidade é cortada por vários rios perenes que são, contudo, poluídos. E Recife não está só: nas cidades grandes, médias ou pequenas no Brasil, se há um rio, este é poluído. Para resolver o problema, há um lado técnico, mas a técnica só se aplica pela política.

Claro está, a política da qual se fala aqui é a política no sentido amplo, abrange as políticas públicas de maneira geral, mas também a nossa relação enquanto sociedade com o solo urbano que ocupamos, com a floresta que deveríamos preservar, com a maneira pela qual a água é introduzida nos canos da cidade, etc.

E é esta conclusão também – uma questão política – a que chega um relatório* publicado nesta semana, cujo tema é a desigualdade no mundo. Lançado pela equipe de Thomas Piketty, autor de “O capital no século XXI”, o relatório aponta para a má qualidade das políticas públicas como umas das fontes da desigualdade. Seus autores correlacionam, por exemplo, uma melhor política pública na Europa para explicar um menor crescimento da desigualdade em relação aos EUA, que menos aplicou para mitigar o problema. E, afirmam, sem políticas públicas coerentes, o crescimento do PIB não implica necessariamente em uma melhor distribuição dos recursos, mas com frequência produz uma piora na desigualdade. 

Se, nos países do Norte, pode-se falar em uma infraestrutura já existente para aplacar o problema das desigualdades, com cidades mais urbanizadas, rios mais limpos, sistema de ensino mais bem implantado, no Brasil o problema é mais agudo. E, em meio às crescentes desigualdades sociais no planeta apontada por aquele relatório, o Brasil vai confirmando que é o país do futuro por conseguir ser mais desigual dos que os outros.

A facilitação, pela aplicação de políticas públicas, do acesso à água, ao transporte público, à saúde, à habitação faz parte da mitigação da desigualdade social, problema grave e não mera retórica: além de problema humanitário e social, é um entrave ao crescimento do país. Um melhor acesso a esses recursos faz parte da promoção da igualdade, e essa promoção só se faz pela política.

*Jorge Waquim é filósofo pela Universidade Paris Nanterre.

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