Com os olhos no futuro, coroação de Charles III reforça simbolismo no Reino Unido

Novo monarca tem o desafio de 'conquistar' os mais jovens, justamente os que mais questionam a monarquia, e de mostrar a relevância da família real hoje

Por Vivian Oswald, Especial Para O Globo — Londres

Charles III, vestindo a Coroa do Estado Imperial, e a rainha Camilla, com uma versão modificada da Coroa da Rainha Maria, acenam para os súdito da varanda do Palácio de Buckingham 
Oli Scarff / AFP

A celebração histórica da coroação de Charles III no sábado em Londres, a primeira do Reino Unido desde 1953, foi cuidadosamente pensada para equilibrar dois mundos: o simbolismo do passado e a realidade plural do reino, que vive uma crise econômica. A monarquia precisa se atualizar, mas sem perder o encantamento garantido por ritos ancestrais, trajetos opulentos, carruagens douradas e a maior parada militar registrada no centro de Londres em 70 anos.

O anacronismo tem certa razão de ser, pois flerta com a noção do antigo império onde o sol nunca se punha, o do protagonismo geopolítico perdido no reinado de Elizabeth II. Inglaterra, País de Gales e depois Escócia e Irlanda do Norte só deixaram de ser monarquia por pouco mais de uma década, no século XVII.

Rei Charles III e a rainha Camilla na sacada do Palácio de Buckingham
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Rei Charles III e a rainha Camilla na sacada do Palácio de Buckingham

Por outro lado, a diversidade de um Reino Unido plural estava dentro da Abadia de Westminster, em suas diferentes raças, gênero e credos. O que ampliou ainda mais o significado da frase mais forte de Charles na cerimônia:

— Em Seu nome e segundo Seu exemplo, não venho para ser servido, mas para servir — afirmou o monarca de 74 anos.

Um toque de modernidade se fez necessário para atribuir contornos de realidade do século XXI a uma coreografia incompreensível para tantos. Multicultural e multiétnico, o reino de Charles III é muito diferente daquele de seus antepassados. Daí a relevância de se ter o seu primeiro premiê britânico hindu, Rishi Sunak, a ler o Antigo Evangelho dentro de uma abadia anglicana. O monarca é o chefe de uma igreja hoje minoritária numa nação em que a maioria já não é sequer cristã. O coral gospel seguido e a presença de lideranças religiosas variadas confirma que a atualização da instituição está em curso, ainda que cautelosa.

A conclusão evidente da máquina que gere a realeza faz sentido quando se veem milhões de pessoas mundo afora a acompanhar os mínimos, e por vezes obscuros, detalhes da longa cerimônia sem desgrudar os olhos da televisão e das mídias sociais, mesmo em fusos horários os mais desfavoráveis. Mulheres e negros, não por acaso, tiveram protagonismo na festa.

A preocupação com os sinais para o futuro não é em vão. Prova disso é que, a poucos metros da celebração, cerca de 500 republicanos protestavam contra a monarquia, com a prisão de 52 manifestantes. Isso ocorria ao mesmo tempo em que o monarca recebia a coroa usada pela primeira vez por Charles II em 1668 pelas mãos do Arcebispo da Cantuária.

Menos popular do que a mãe

Poucas horas depois de o líder dos republicanos ser preso, manifestantes atravessaram Piccadilly aos gritos de "não é o meu rei”, “fora a monarquia”, “nascemos todos iguais” e “privatização neles”, cercados por policiais. Nunca houve nada parecido no período de Elizabeth II, monarca muito mais popular do que o filho.

Chalres III tem pela frente o desafio de convencer as populações mais jovens, mais refratárias à ideia de uma monarquia que se renova pelo sangue e não pelo voto popular. E que, além de tudo, custa caro ao contribuinte.

Por mais indiferentes que muitos pareciam estar nas últimas semanas, os britânicos pararam para assistir a todo este espetáculo. Dezenas de milhares lotaram as poucas ruas liberadas no trajeto do cortejo entre o Palácio de Buckingham e a Abadia de Westminster sob uma chuva inclemente mesmo para os padrões locais. Pessoas cobertas pela Union Jack e memorabilia do velho império deram, in loco, o respaldo que rareia nas pesquisas.

O impacto da celebração ultrapassa os limites do arquipélago. A família real britânica é a maior da Europa, quando considerados os chamados working royals, “a serviço da nação”. Essa é, aliás, uma das principais razões para tantas críticas, pontua Robert Hazell, especialista da University College de Londres.

— Outras monarquias europeias (estimuladas por legislaturas) mantiveram seus núcleos familiares enxutos. Em alguns casos, apenas quatro pessoas, contra uma dúzia no Reino Unido — diz Hazell.

Passada a festa, os problemas de Charles vão além das questões familiares exploradas nos tabloides. Ele deverá enfrentar nos próximos meses movimentos na Jamaica, Belize e Austrália, que buscam destituí-lo como chefe de Estado. A centenária instituição viverá novos dias turbulentos.

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