Quem tem medo de uma CPI?

REVISTA MEIO

Por Luciana Lima e Flávia Tavares

Às 23h49 da sexta-feira, dia 6 de janeiro de 2023, André Fernandes (PL-CE), eleito deputado federal, usou suas redes sociais para recrutar: “Neste fim de semana acontecerá, na Praça dos Três Poderes, o primeiro ato contra o governo Lula. Estaremos lá!”, chamava a postagem dirigida ao derrotado bolsonarismo, que acampava em frente ao quartel-general do Exército, em Brasília, a cerca de três quilômetros das sedes dos Poderes. A convocação era para a intentona bolsonarista do dia 8 de janeiro. Fernandes não compareceu, alegou “motivos pessoais” para justificar sua ausência. Mesmo longe dos protestos, comemorou nas redes os resultados da anarquia. Uma foto com a porta arrancada do gabinete do ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), ganhou destaque na sua timeline, enquanto vândalos quebravam tudo no STF, no Planalto e no Congresso. “Quem rir vai preso”, legendou, ironicamente, a imagem. Os dois posts, o da convocação e o da porta arrancada, foram apagados assim que surgiram as primeiras repercussões negativas sobre os atos terroristas.

Fernandes é produto das redes. Aliado de primeira hora do deputado Eduardo Bolsonaro (PL-SP), ganhou fama e se elegeu no Ceará repercutindo conteúdos ditados pelo filho do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL-RJ). Pouco mais de 100 dias depois da tentativa de golpe, André Fernandes é a síntese da manobra narrativa que o bolsonarismo tenta imprimir à sua intentona. Ele foi um dos motivadores da insurgência, mas é hoje aguerrido defensor da investigação sobre os atos que ajudou a convocar, porque sonha em inverter tudo e colocar no colo do governo Lula a pecha de ter sido conivente com o golpismo. É uma daquelas perversões dos fatos e da verdade que faz democratas de todas as matizes se assombrarem. “Não é possível que alguém vá cair nessa”, pode suspeitar um desavisado. Mas os roteiristas de Brasil não tiram folga. E entregaram nesta semana um plot twist que, a depender de como governo e oposição usarem suas armas, reforçam o delírio bolsonarista ou o esvaziam em definitivo.

Em um primeiro momento, parecia que o vazamento das imagens, trazidas à tona pela CNN, mostrando o então chefe do Gabinete de Segurança Institucional (GSI), general Gonçalves Dias, andando entre manifestantes no Palácio do Planalto serviriam ao propósito de vender a ideia de que havia “infiltrados governistas” promovendo a baderna para incriminar apoiadores do ex-presidente. GDias garante que estava naqueles corredores orientando golpistas a descerem ao segundo andar do Planalto, onde seriam presos. Foi o que defendeu num depoimento de cinco horas à Polícia Federal ontem. Em seguida, o ministro Alexandre de Moraes decidiu quebrar o sigilo das imagens da invasão ao Palácio do Planalto que estavam em poder do GSI e ainda determinou que a PF tome depoimentos de todos os agentes que estavam no dia dos atos. Enquanto isso, bolsonaristas classificaram a demissão de GDias como uma confissão de culpa. E, na frente da comunicação, até aqui ainda mais contida nas bolhas da extrema direita, contabilizaram o episódio como uma vitória. O governo Lula reagiu rápido. Diante da inevitabilidade da instalação da Comissão Parlamentar Mista de Inquérito (CPMI) que lutaram tanto para impedir, optaram por, agora, abraçar a investigação e usá-la para expor o golpismo e suas artimanhas. No campo político, o triunfo pode ter sido lulista.

É nesses dois espaços que a guerra vai se dar: o da narrativa nas redes, da conquista da opinião pública; e o da política, pura e simples. “Como bolsonaristas estão pouco se importando com procedimentos formais e fatos, estão interessados apenas em desinformação para inundar as redes, levam vantagem nessa disputa de versões”, diz Sérgio Abranches, sociólogo, cientista político e escritor. “O PT, por sua vez, sempre foi muito bom de CPI, especialmente quando está no ataque.” Se, de um lado, o bolsonarismo ganha um palanque que havia perdido para destilar suas teorias conspiratórias, de outro, se a base do governo conseguir indicar as posições mais importantes da comissão, tem tudo para transformar a CPI numa exumação do golpismo.

Chama o Janones!

Ainda no plano do absurdo, André Fernandes não é só quem pede a abertura de uma CPMI para investigar ações e omissões no 8 de janeiro. Ele chegou a ser cotado para presidi-la. Acontece que ele mesmo é alvo de um inquérito no STF, aberto pelo ministro Alexandre de Moraes no dia 23 de janeiro. “Ele é investigado, pode ser condenado, ou seja, ele participar da investigação é pra atrapalhar”, bradava o petista Lindbergh Farias (RJ), vice-líder do governo no Congresso, ao anunciar a disposição do governo em entrar de cabeça na CPI numa entrevista coletiva no Salão Verde. Na lógica de levar para as redes só o que pode confundir, Fernandes postou na quinta-feira: “É claro que não querem [que eu participe da CPI], pois estão se borrando de medo! E não venham me dizer que sou suspeito, pois lembro-me bem que há 2 anos o presidente do senado, Pacheco, não aceitou interferência da justiça que alegava suspeição de Renan Calheiros na relatoria da CPI da covid”.

Eis outro recurso importante da narrativa bolsonarista: a relativização assentada em falsas equivalências. O senador Renan Calheiros (MDB-AL) não era investigado por qualquer problema em relação à pandemia ao se candidatar à relatoria da comissão. Na época, ele teve sua suspeição levantada pelo então ministro do Turismo de Bolsonaro, Marcelo Álvaro Antônio, que alegou que ele era pai do então governador de Alagoas, Renan Filho (hoje ministro de Minas e Energia). Na visão do grupo bolsonarista que lutava por diluir a investigação para estados e municípios, o senador não poderia investigar o próprio filho na CPI. O argumento do ministro bolsonarista não foi aceito nem pela Justiça, nem pelo presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG).

O governo antevê o campo minado das versões. “Até provar que berimbau não é gaita, o bolsonarismo já se comunicou e municiou seus seguidores de argumentos para a disputa de narrativas”, reconhece um profissional das redes do governo. Então, governistas do Congresso subiram o tom rapidamente. O deputado Rogério Correia (PT-MG), vice-líder do governo na Câmara, já saiu logo invocando o nazismo na coletiva ao lado de Lindbergh. “Não é possível que eles consigam fazer como Goebbels, falar mil mentiras para virar verdade”, disse o deputado. O vice-líder do PT na Câmara, Uczai (PT-SC), também deu a pista do esforço que será feito, em conjunto com o Planalto, para confrontar as narrativas do bolsonarismo. “Eu sou historiador, ou seja, trabalho com fatos. O ato terrorista de 8 de janeiro foi um acontecimento político e histórico, isso é fato. E é a partir deste fato que vamos investigar quem foram os mentores intelectuais e os financiadores. Não tenho dúvidas, só vamos encontrar bolsonaristas”, disse o deputado. “O Ministério Público, a Polícia Federal, o Supremo, já têm feito o trabalho e esclarecido a sociedade. A grande pergunta é: Quem motivou a depredação e a tentativa de golpe à democracia?”, insistiu.

Abranches avalia que, para além do barulho no ambiente digital, a oposição só conseguiria dar vulto à CPI se produzisse — ah, a ironia — fatos novos. “Quem tem o poder de entregar esses fatos novos é a Polícia Federal, o Ministério Público, e eles não estão numa aliança com a oposição. Ao contrário. Além disso, a CPI tem uma agenda contrária à dos presidentes da Câmara, do Congresso e da República.” Mas o Planalto não quer riscos. Ao mesmo tempo em que se organiza para ter maioria na comissão, busca demarcar espaço na comunicação nas redes sociais. A própria escolha dos integrantes governistas seguirá essa lógica, priorizando a indicação de deputados e senadores mais combativos e articulados. Se é para entrar no show, o governo quer usar quem sabe representar. No topo dessa lista aparece o nome do deputado André Janones (Avante-MG). Ele andava meio sumido na relação com o governo, mesmo depois de ter comandado a guinada na comunicação de Lula durante a campanha. “Se Janones já não está na CPMI, terá que entrar”, disse uma fonte palaciana ao Meio. “Ele é um tuiteiro. Os conhecimentos dele em rede são fundamentais nesse momento.”

A coalizão de Lira

O correspondente de Janones na política é Renan Calheiros. O Planalto quer o senador alagoano em um dos cargos de comando da comissão. Vale lembrar que Renan já era crítico da postura do governo de evitar a instalação da CPMI. “Governos abominam CPIs pela subtração das rotinas e eventual deslocamento do eixo de poder”, criticou Renan em um artigo publicado no início de fevereiro na Folha de S.Paulo. “Uma CPI agora é imperiosa para iluminar os porões infectos do golpismo e punir participantes, mandantes, financiadores e estimuladores, estejam nas ruas, nos quartéis, foragidos ou camuflados em palácios ou mandatos. Uma CPI de Estado para rasgar a fantasia de falsos democratas e fazer uma assepsia civilizatória definitiva”, escreveu o senador.

O governo conta com mar calmo para obter maioria dos 16 postos para senadores na comissão, mas, na Câmara, ainda há marolas de incertezas que dependem, principalmente, da relação com o presidente da Casa, Arthur Lira (PP-AL). A articulação do Planalto sabe disso. Tanto é que, no dia da divulgação das imagens, deu início às conversas para obter o apoio de Lira para dominar a maioria dos assentos de deputados na comissão e, mais que isso, não permitir que André Fernandes seja o presidente da CPMI.

Na noite de quarta-feira, depois do anúncio de demissão de GDias, o líder do governo na Câmara, José Guimarães (PT-CE), partiu para a residência oficial para se encontrar com Lira, dono do principal bloco da casa, com 173 parlamentares — pelo critério da proporcionalidade, o superbloco tem 5 das 16 cadeiras destinadas aos deputados. Com a perspectiva da CPMI, “o passe de Lira ficou mais caro”, comentou um parlamentar aliado do presidente da Câmara. Para equacionar o apoio, o Planalto ainda tem cartas na manga e terá que falar a língua do centrão. Além do poder de liberar as chamadas emendas individuais, há uma série de cargos ainda sem nomeação em órgãos como Dnit (Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes), Incra (Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária, e representações de órgãos federais nos estados. Um interlocutor de Lira já avisou em conversa com o Meio: “Agora, o superbloco será mais útil”.

Lira, por sua vez, quer entregar ao governo o que prometeu na semana passada e evitar que o ambiente da CPMI contamine as votações do arcabouço fiscal, por exemplo. Lira articulou a apresentação da proposta governista aos deputados. “Ele empenhou seu prestígio”, disse um aliado do presidente da Câmara. “Mais do que nunca, vai querer mostrar que tem condições de entregar a votação do marco fiscal ainda no mês de maio.” A análise de Abranches vai por esse mesmo caminho, inclusive na percepção de que a CPI não atrapalha o cronograma de votações já que, por ser uma comissão mista, as reuniões se dão mesmo em horários diferentes dos de plenário.

Mas, formulador da teoria do presidencialismo de coalizão, Abranches faz um mergulho nesse desenho. Avalia que, num processo que começou pelo menos desde 2014, mas que teve seu auge em 2018 e sua consolidação em 2022, o eixo organizador de oposição e situação, composto pela disputa entre PT e PSDB, se desfez. Enquanto essa rivalidade ancorava os dois polos, os demais partidos se satisfaziam em ocupar os espaços da coalizão e dar estabilidade ao sistema. A extrema direita desarmou o aparato institucional do presidencialismo de coalizão. E a reforma política que acabou com as coligações proporcionais teve o efeito de diminuir a fragmentação partidária do ponto de vista eleitoral, mas não do ângulo de formação de bancadas. “Assim, as coalizões hoje são líquidas. Lira percebeu isso e formou sua própria coalizão. Ele quer mostrar que tem a chave da Câmara para ajudar o governo a indicar postos e avançar as votações em que hipotecou seu poder, como a do arcabouço fiscal. E quer também se cacifar para o futuro, para ser o primeiro-ministro do sistema semi-presidencialista que defende”, explica Abranches. O primeiro teste do governo Lula no Congresso acabou vindo pela via do escrutínio do golpismo que o inaugurou. É isso que estará em jogo com a CPI que deve absorver o Brasil politicamente nos próximos meses.

O ENFORCADO

Por Pedro Doria

Joaquim José deixou o prédio da cadeia, no Rio de Janeiro, por volta das oito da manhã, em 21 de abril de 1792. Estava barbeado. Restavam a ele apenas três bens: a caixinha com ferros de tirar dentes e duas navalhas. Nu, vestia a alva, camisolão branco dos condenados à morte. Quando entrou na cela aquela manhã, o carrasco lhe pediu perdão. “A Justiça é que lhe moveria os braços”, explicou. Era praxe.

Nos dias anteriores, a capital da colônia portuguesa nas Américas vivera a expectativa de que seriam muitos os enforcados. Aí circulou a notícia de que haviam sido todos perdoados, a pena capital convertida em degredo. E depois a confirmação de que a forca ainda teria uso naquela manhã. Para apenas um. O único que havia confessado o crime de sedição — o mais grave crime. Crime de Lesa-Majestade. As igrejas da cidade realizaram missas de celebração à rainha, pela generosidade de ter poupado a vida dos outros. Celebravam, igualmente, a morte do traidor.

“Condena ao réu Joaquim José da Silva Xavier, por alcunha Tiradentes, alferes que foi da tropa paga da Capitania de Minas, a que, com baraço e pregão, seja conduzido pelas ruas públicas ao lugar da forca, e nela morra morte natural para sempre”, dizia a sentença. “Que depois de morto lhe seja cortada a cabeça e levada a Vila Rica, onde no lugar mais público será pregada em um poste alto, até que o tempo a consuma, e o seu corpo será dividido em quatro quartos, e pregados em postes, pelo caminho de Minas, no sítio da Varginha e das Cebolas, onde o réu teve as suas infames práticas, e os mais nos sítios de maiores povoações, até que o tempo também os consuma.”

Tiradentes vestia capuz branco, os pés descalços e nas mãos, atadas, levava um crucifixo. “Da esquina da rua da Misericórdia até a nossa casa, a procissão parou mais de trinta vezes”, lembraria muitos anos depois, já velhinha, Clemencia Teixeira Furtado. Naquele 21 de abril, tinha 16 anos e estava escravizada. Foi um longo e lento cortejo. À frente, os soldados da Primeira Companhia do Esquadrão de Guarda do vice-rei. Então o alto clero, seguido pelos membros da Irmandade da Misericórdia e depois os padres confessores que circundavam o condenado. Atrás vinham os juízes e os meirinhos, que circundavam o carrasco. E, por fim, autoridades, seguidas por uma segunda companhia militar e um carretão para trazer de volta o corpo esquartejado. Vestiam, todos, suas melhores roupas: veludos, sedas, linhos. Quem montava trazia os cavalos brilhosos de tão limpos.

“Declaram o réu infame, e seus filhos e netos, tendo-os”, seguia a sentença. “Os seus bens aplicam para o Fisco e Câmara Real, e a casa em que vivia em Vila Rica será arrasada e salgada, para que nunca mais no chão se edifique, e não sendo própria será avaliada e paga a seu dono pelos bens confiscados, e no mesmo chão se levantará um padrão pelo qual se conserve em memória a infâmia deste abominável réu.” O sal servia para que a terra fosse inutilizada e nem mato nascesse. Terreno vazio, símbolo para as décadas seguintes.

“De vez em quando”, lembrou-se dona Clemencia, “um sujeito de preto e de bacalhau ao pescoço lia um papel xingando o padecente.” Bacalhau: gravata branca de renda. Segundo a reconstituição do arquiteto Nireu Cavalcanti, desceram a atual rua da Assembleia, pegaram a Carioca e, na altura da Praça Tiradentes, viraram à direita na avenida Passos. A forca fora erguida aproximadamente onde hoje se encontram rua da Alfândega e avenida Passos, em pleno Saara, a região de comércio popular da cidade. “Nem por pensamentos traias o teu rei, porque as mesmas aves do céu levarão a tua voz e manifestarão teus juízos”, leu um religioso citando o Eclesiastes. As fachadas das casas estavam ornadas com tecidos vistosos e bandeirolas. Das janelas gritavam vivas à rainha, as mulheres se amontoavam, esticando o pescoço para ver. “Muita gente viu a procissão duas, três e quatro vezes, dando volta pelas ruas vizinhas,” contou a velha senhora. Havia multidão, que jogava moedas para pagar pelas missas que encomendassem um canto no paraíso ao réu.

Estava quente. Joaquim José não desgrudava os olhos do crucifixo. Passava já das onze quando alcançaram o local da forca, uma estrutura alta em madeira com mais de vinte degraus. Regimentos militares estavam postados de um lado e do outro para facilitar acesso a quem cabia. Tiradentes subiu ligeiro e cedeu lugar ao carrasco. “Seja breve”, disse. Assustado, repetiria o pedido ainda mais duas vezes. Um franciscano ascendeu também ao cadafalso e virou-se para a multidão. “Não se deixem possuir só da curiosidade e do assombro”, gritou. “Implorem a Deus a última graça para quem pagará por seu delito.”

“Creio em Deus Pai Todo-Poderoso, criador do céu e da terra, e em Jesus Cristo, seu único Filho Nosso Senhor”, disse um padre. Rezava o Credo. Joaquim José foi abruptamente erguido. “Nasceu de Virgem Maria, padeceu sob Pôncio Pilatus, foi crucificado, morto e sepultado, desceu aos infernos, ao terceiro dia ressurgiu dos mortos.” Seu corpo, pendente. “Subiu ao Céu, está sentado à direita de Deus Pai todo-poderoso, de onde há de vir a julgar os vivos e os mortos. Creio no Espírito Santo, na Santa Igreja Católica, na comunhão dos santos, na remissão dos pecados, na ressurreição da carne, na vida eterna. Amém.” Em menos de cinco minutos estava feito.

Gritaram todos três vivas à rainha.

Horas depois, dona Clemencia viu a carreta conduzindo os restos e um embrulho que parecia sua cabeça. “À noite”, ela contou ao velho cronista Vieira Fazenda, “pusemos luminárias, mas minha senhora e a gente de casa dizia à boca pequena que o padecente era um inocente.” A cidade toda se iluminou, os sinos tocaram. “Fiquei tão enojada que deixei de comer naquele dia.”

Adaptado de 1789: A história de Tiradentes, contrabandistas, assassinos e poetas que sonharam a Independência do Brasil, de Pedro Doria. Todo o texto é baseado em documentos ou testemunhos.

'LIFE ON MARS'

Por Micaela Santos

“Há vida em Marte?”, perguntou David Bowie no clássico e enigmático Life On Mars? (Spotify). A música, lançada no álbum Hunky Dory (Spotify), em 1971, não era literalmente sobre a existência de vida no Planeta Vermelho. Mesmo assim, o tema foi trilha sonora de momentos importantes na história da exploração espacial. Em 2021, Life On Mars foi apresentada durante as transmissões ao vivo da Nasa logo após o Perseverance Mars Rover pousar em Marte. E foi a música escolhida por Elon Musk para tocar quando lançou seu carro elétrico no espaço, transportando o manequim Starman. Mas a relação do segundo homem mais rico do mundo com Marte vai muito além da música de David Bowie. No que depender das ambições e da megalomania do bilionário, viver nesse planeta pode se tornar realidade em um futuro não tão distante.

Nesta semana aconteceu o “Dia D” do foguete mais poderoso do mundo, o Starship, cuja missão de atingir a órbita terrestre terminou com o veículo explodindo no céu após o lançamento. O voo de teste seria fundamental na missão do CEO da SpaceX de levar humanos a destinos tão longínquos quanto Marte. Embora os planos para o veículo tenham mudado ao longo do tempo, seu objetivo permaneceu o mesmo: levar pessoas a outros mundos e realizar o sonho de Musk de um assentamento humano no Planeta Vermelho. Um plano tão ambicioso quanto implantar chips nos cérebros das pessoas por meio da Neuralink, empresa da qual Musk também é fundador e CEO.

O bilionário anunciou seu grande objetivo de criar uma colônia humana em Marte em 2016, com a expectativa de ver uma missão tripulada ao nosso vizinho galáctico logo em 2024. Mais tarde, ele recalculou seus planos para 2026 e, depois, cravou 2029 como meta. Se tudo der certo, 60 anos depois do primeiro pouso humano na Lua, em 1969. A ideia de Musk é estabelecer uma cidade autossustentável, que pode servir de lar para um milhão de pessoas, tornando a humanidade multiplanetária. “Você quer acordar de manhã e pensar que o futuro será ótimo — e é disso que se trata uma civilização que viaja pelo espaço”, diz Musk no site da SpaceX. “É acreditar no futuro e pensar que o futuro será melhor que o passado. E não consigo pensar em nada mais emocionante do que ir lá e estar entre as estrelas.” O homem que está matando o passarinho quer disparar foguetes.

Por que Marte

Ao longo dos anos, Elon Musk listou as razões pelas quais a humanidade deveria expandir para o universo. Uma delas é que o fim na Terra pode significar o fim da humanidade — mas ela pode sobreviver se for capaz de estabelecer uma base em um novo planeta. “A Terra tem 4,5 bilhões de anos, mas a vida ainda não é multiplanetária e é extremamente incerto quanto resta para se tornar assim”, escreveu Musk no Twitter em novembro de 2021. Além do pior cenário de mudança climática, um meteoro também poderia acabar com a nossa raça.

Segundo a SpaceX, a cerca de 140 milhões de milhas da Terra, Marte é um dos vizinhos habitáveis mais próximos da Terra. “É um pouco frio, mas podemos aquecê-lo”, explica o projeto da SpaceX. Sua atmosfera é principalmente composta por CO2 com um pouco de nitrogênio, argônio e outros oligoelementos, o que significa que é possível cultivar plantas em Marte apenas comprimindo a atmosfera. Isso seria feito por meio da terraformação, que consiste em um processo de modificação de atmosfera, temperatura, ecologia e topografia de um planeta para suportar um ecossistema como o da Terra. Pelo menos por enquanto, esse conceito é apenas hipotético. “A gravidade em Marte é cerca de 38% da gravidade da Terra, então você seria capaz de levantar coisas pesadas e pular. Além disso, o dia é notavelmente próximo ao da Terra.”

Durante uma aparição em abril de 2021, Musk indicou que outro motivo para voltar era porque a humanidade mal havia se aventurado no espaço desde os pousos lunares: “Já faz quase meio século desde a última vez que os humanos estiveram na Lua. Isso é muito tempo, precisamos voltar lá e ter uma base permanente — novamente, como uma grande base permanentemente ocupada na Lua. E então construir uma cidade em Marte para se tornar uma civilização espacial, uma espécie multiplanetária.”

Não está claro quando Musk teve essa ideia pela primeira vez. A biografia Elon Musk: Como o CEO bilionário da SpaceX e da Tesla está moldando nosso futuro (Intrínseca, 2015), escrita por Ashlee Vance, diz que, durante uma reunião do Mars Society, grupo sem fins lucrativos, ele soube dos planos da instituição de enviar ratos ao espaço. O sul-africano começou a considerar a possibilidade de enviá-los para Marte, ideia que o levou a fundar a SpaceX em 2002. Em 2007, antes mesmo de a companhia espacial lançar seu primeiro foguete em órbita, Musk disse à Wired que em 30 anos haveria uma base na Lua e em Marte. Para isso, ele criou o foguete mais poderoso do mundo, o Starship, projeto mais ambicioso da empresa. O primeiro lançamento foi planejado durante quase duas décadas. Já em 2005, o empresário insinuou planos para construir uma nave gigante com o codinome “BFR”. Mas os planos sobre Marte só ganharam forma mesmo em 2016.

Segundo o site Inverse, Musk quer construir uma cidade em tamanho real na superfície de Marte, a ser habitada por pessoas comuns, não apenas cientistas e pesquisadores. Interessados em se mudar para lá poderiam custear suas despesas de voo com um empréstimo. Uma vez em Marte, as pessoas poderiam pagar o empréstimo trabalhando em qualquer coisa, desde fundições de ferro até pizzarias.

No centro do plano para concretizar essa ideia está a Starship. A nave espacial da SpaceX é apontada como a mais poderosa da história. Ela também foi escolhida pela Nasa para transportar astronautas à Lua na missão Artemis 3, em 2025. Com 120 metros de altura, (somando a nave e o propulsor Super Heavy) e 9 metros de diâmetro, a Starship poderá transportar até 100 pessoas. A nave foi projetada para ser reutilizável. O veículo tem capacidade para transportar até 250 toneladas, se puder ser descartada após uma missão, e 150 toneladas, quando precisar ser reutilizada. A Starship está sendo testada desde 2019, mas o primeiro pouso bem-sucedido só aconteceu em 2021.

Segundo Musk, o grande obstáculo a ser superado para o sucesso da missão é o financeiro. A Starship é a espaçonave mais complexa já construída, e seu principal critério de otimização é o custo por tonelada para a órbita terrestre e, eventualmente, até Marte. “Hoje, você não conseguiria voar até Marte nem por US$ 1 trilhão, então temos que superar isso”. Além do aspecto financeiro, outro desafio é o sucesso dos testes. As primeiras missões da SpaceX com a Starship serão feitas com turistas espaciais, sendo que duas delas darão uma volta na Lua.

O voo realizado nA quinta-feira não levou pessoas nem carga. O lançamento ocorreu às 10h33 (horário de Brasília), mas a nave não conseguiu atingir a órbita terrestre. O propulsor, programado para se separar da cápsula da Starship, não se soltou. Por conta disso, o veículo explodiu no céu após três minutos da decolagem. Apesar do incidente, Elon Musk e os funcionários da empresa comemoraram por atingir o objetivo principal que seria tirar a espaçonave do solo. “Com um teste como este, o sucesso vem do que aprendemos, e a experiência de hoje nos ajudará a melhorar a confiabilidade da Starship, à medida que a SpaceX procura tornar a vida multiplanetária”.

Você está pronto para viver em Marte?

Tem duas coisas que são sucesso certo com nossos leitores: o telescópio James Webb e as receitas da Rita Lobo. Eles estão entre os mais clicados da semana:

1. Eldagsen: A imagem gerada por IA que ganhou um prêmio de fotografia.

2. YouTube: Ponto de Partida — Comprar briga com os EUA pra quê?

3. g1James Webb e mais uma imagem espetacular.

4. PanelinhaArroz frito com brócolis e ovo.

5. PanelinhaEscarola assada com queijo meia cura.

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