As contradições e as lacunas de Moro


O ex-juiz e ex-ministro Sergio Moro durante filiação do general da reserva Carlos Alberto Santos Cruz ao Podemos, em Brasília | Cristiano Mariz/Agência O Globo

A senadora Simone Tebet, pré-candidata do MDB à Presidência, disse que o investidor não precisa ter dúvidas sobre o posicionamento dela na economia e acrescentou: “Minha história fala por mim”. Esse é o problema com o candidato Sergio Moro, do Podemos, ele não tem história em alguns temas decisivos do país. Em outros, acumula controvérsias. No mercado financeiro já se ouve o farfalhar dos apoios incondicionais à pessoa sem conteúdo definido, como houve em 2018. O autoengano recomeçou.

O problema em torno de Sergio Moro é o quase nada que se sabe sobre suas ideias em várias áreas. Nos 16 meses que ficou no Ministério da Justiça, Moro barrou demarcações de terras indígenas, mandou o fracassado pacote anticrime para o Congresso, embutindo nele o excludente de ilicitude, apoiou indiretamente um motim de policiais no Ceará e abonou os sinais de desvios éticos no governo Bolsonaro, quando começaram a surgir.

Para contextualizar os ditos no parágrafo anterior. Havia 17 processos de demarcação de terras indígenas prontos para serem assinados pelo ministro da Justiça. Moro devolveu tudo para a Funai e nunca demonstrou ter qualquer interesse pelo tema indígena. O apoio ao excludente de ilicitude é agressão ao Direito. Ninguém que aposte no devido processo legal pode achar natural essa licença para matar que é bandeira de Jair Bolsonaro.

Na questão da corrupção, que o levou a ser conhecido no país, Moro disse que tinha “confiança pessoal” em Onyx Lorenzoni, quando se descobriu o caixa dois do então coordenador da transição do governo Bolsonaro. Em 9 de janeiro de 2019, diante do relatório do Coaf mostrando as movimentações suspeitas de Fabrício Queiroz, ele disse que o presidente já havia esclarecido o caso do ex-assessor do filho. Até hoje o caso permanece não esclarecido.

Houve um evento assustador na sua gestão no Ministério. Greve de policial é proibida, porque é motim de pessoas armadas. E que foram armadas pela sociedade com o fim exclusivo de protegê-la. Policiais militares se amotinaram no Ceará, desafiando o governador Camilo Santana e levando medo à população. Moro enviou o coronel Aginaldo Oliveira para resolver o conflito. Lá, o coronel definiu os amotinados como corajosos e gigantes. “É muita coragem fazer o que vocês estão fazendo. Os covardes nunca tentam, os fracos ficam pelo meio do caminho.” Imagine o perigo se todas as PMs do Brasil seguissem a orientação do enviado do Ministério da Justiça ao Ceará. Moro foi padrinho do casamento de Aginaldo com a deputada Carla Zambelli e nunca o repreendeu por essa atitude temerária.

Esses são os fatos. Moro não pode ser idealizado. Ele precisa, na campanha, definir suas ideias e propostas. Ter escolhido como conselheiro um bom economista como Affonso Celso Pastore é bom, mas está longe de ser suficiente. Ele, em muitas áreas, é uma página em branco e precisa preenchê-la. Para o bem ou para o mal, os outros candidatos são pessoas com ideias conhecidas.

O ex-presidente Lula está na vida política do país há mais 40 anos e governou o Brasil por dois mandatos. Bolsonaro teve longa vida parlamentar, na qual defendeu atentados à liberdade e aos direitos humanos. Esse tétrico prontuário foi desconsiderado por muitas cabeças pensantes do país. Deu no que deu. O governador João Dória tem um histórico que não é longo, mas testado na administração da maior cidade e do maior estado do país. Ciro Gomes foi prefeito, governador e ministro. A senadora Simone Tebet foi deputada estadual, prefeita, vice-governadora e, no Senado, presidiu a Comissão de Constituição e Justiça. Todos podem dizer “minha história fala por mim”. Moro teve curta experiência administrativa e deixou lacunas e contradições.

Há muitos temas que precisarão de respostas em 2022 e não apenas a economia. O ataque de Bolsonaro à democracia exige uma defesa intransigente do pacto democrático de 1988. As ofensas aos negros, as ameaças aos indígenas, o desprezo às mulheres, o preconceito contra a comunidade LGBTQ no governo Bolsonaro aumentaram a urgência da questão da diversidade. É mais do que um debate sobre minorias, é trincheira de defesa da civilização. Os atentados à Amazônia tornaram emergencial um amplo plano de proteção do meio ambiente. A ambiguidade não será aceitável em 2022. O país vive momento dramático e decisivo.

Com Alvaro Gribel (de São Paulo)

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

Multinacional portuguesa Politejo vai instalar nova fábrica em Pernambuco

Dispensa comentários

Estudante de Salgueiro retira vidro do rosto após 7 meses: “Consegui me ver de novo no espelho”