“OS PARTIDOS POLÍTICOS COLAPSARAM”, DIZ EX-TUCANO

ALINE RIBEIRO
ÉPOCA

O cientista político Eduardo Graeff, fiel escudeiro do ex-presidente FHC, deixou o PSDB 30 anos depois de ajudar a fundá-lo

"Não é de hoje, noto a incapacidade de mudar do PSDB. 
Acabou encalhado como todos os partidos", diz Eduardo Graeff 
Foto: Mario Tama / Getty Images

Fiel escudeiro do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, o cientista político Eduardo Graeff dedicou boa parte de sua carreira ao Partido da Social Democracia Brasileira (PSDB), sigla que ajudou a fundar. Foi secretário-Geral da presidência no governo FHC e coordenou o escritório de representação de São Paulo em Brasília no governo José Serra. Depois de 30 anos na legenda, o ex-tucano decidiu se desfiliar.

Eduardo Graeff, que foi secretário-geral da Presidência durante o governo de Fernando Henrique Cardoso, deixou o PSDB e não comunicou nem FHC nem Serra sobre sua saída. Foto: Agência Imagem / Instituto Millenium

No último dia 25, Graeff passou no diretório municipal do PSDB e depois num cartório. Para cumprir a meta de exercícios diários, aproveitou a oportunidade para caminhar — um total de 10 mil passos, somados ida e volta. Ao chegar, o cartorário lhe atentou para um fato curioso: a desfiliação ocorreria exatamente três décadas depois da filiação, no mesmo mês de abril. “Não tinha mais uma ligação especial com o PSDB. Como muita gente me identificava com o partido, achei que não tinha mais sentido. Prefiro ficar um pouco aposentado e um pouco de livre atirador”, disse à ÉPOCA em seu apartamento, no bairro Higienópolis, em São Paulo. O ex-tucano não comunicou nem FHC nem Serra sobre sua saída. “Seria, de algum modo, sugerir a divisão da responsabilidade com eles. Eles continuam sendo meus amigos”.

Por que decidiu sair do PSDB?

Eduardo Graeff — Eu não tinha mais muito encaixe no partido. Não é de hoje, noto a incapacidade de mudar do PSDB. Acabou encalhado como todos os partidos. Tem uma crise nos partidos que ainda está longe de saber onde vai dar. Eles colapsaram do ponto de vista de propostas e relação com a sociedade civil e filiados, mandatários. A falta de capacidade de mudar levou a uma crise grande dos partidos em geral. O PSDB talvez tivesse chance de se destacar nesse quadro, mas também está encalhado.

Por que o senhor acha que o PSDB não mudou?

É uma questão de cultura política. Essas lideranças foram formadas num ambiente político da transição da ditadura para o regime democrático. O jeito de se relacionar com o público e os filiados, basicamente via horário eleitoral gratuito, além do jeito de arrecadar para as campanhas, foi aprendido e cristalizado nos 20 anos nessa transição. É difícil se convencer de que tem de se distanciar do que aprendeu para aprender coisas novas. O mais dramático são a relação com o financiamento de campanha e a relação com o eleitor.

O senhor acha que a reforma política nada alterou nesse processo?

O PSDB e outros partidos até tentaram usar a internet para financiar as campanhas. O PT foi o que mais tentou, mas ficou colado aos sindicatos. Alguns candidatos fizeram alguma coisa, mas os partidos mesmo não fizeram nada. O fato de não inovar no financiamento de campanha levou a uma situação horrorosa. O truque do Lula para se livrar da responsabilidade do Mensalão, quando a corrupção maciça do Congresso era caixa 2, acabou de algum modo virando uma verdade contra todos os partidos. Como os partidos em geral aceitavam os recursos do caixa dois, ficaram nessa zona 

Tem diferença?

Sim, isso está até estabelecido nas investigações e processos, mas não é uma coisa intuitiva. Se o candidato recebe doação não declarada de uma empresa, como você sabe que não tem contrapartida? Essas coisas, se você tem de explicar, já perdeu. Então fica todo mundo na vala comum. Tem um pouco a maldição do estado brasileiro sobre a sociedade civil e os partidos. Nossa tendência é acabar feito craca grudada no estado. Agora, com a expansão do fundo partidário, fica mais claro. Você tinha a corrupção como forma indireta de transferir recursos do Estado para a política e o que os partidos conseguiram visualizar para responder a isso foi aumentar recursos públicos que vão transferidos legalmente. O PSDB não está pior, talvez esteja até melhor do que outros partidos, mas não está em outro lugar. Não conseguiu achar alternativas para o financiamento via Estado, nem para a comunicação via horário eleitoral.

Por exemplo?

A relação com os filiados marca isso. O PSDB é o partido do holerite, do contra-cheque. Eu mesmo sou militante partidário que estive na folha de pagamento do governo do estado desde que me filiei até me aposentar. Isso, em vários níveis, se reproduz. O núcleo básico da militância do partido está na folha de pagamento do governo. Não é uma coisa horrível, desonrosa, mas ser só isso não se mostrou suficiente para os partidos. Eles são dependentes do estado quando deveriam ser um canal para a sociedade. Ficar vendo isso acontecer de dentro do PSDB não fazia mais sentido. Essa é uma discussão que posso ter fora do partido.

O senhor chegou a comunicar a desfiliação com FHC e Serra?

Não. Falar seria, de algum modo, sugerir a divisão da responsabilidade com eles. Eles têm mais com que se preocupar. Eles continuam sendo meus amigos, mas amigo é para ajudar, não para transferir responsabilidade. O FHC está expressamente aposentado. Não seria razoável pensar que ele arregaçaria as mangas para reformar o PSDB. Uma pessoa na idade dele, com a trajetória dele, não tem por que se meter nisso. O Serra é mais novo, tem mandato parlamentar, mas não o vejo buscando papel de discutir a política interna do PSDB. Ele nunca foi muito apaixonado pela discussão partidária. O Alckmin ficou um pouco sem opções. Apoiou a entrada do Doria no partido, as eleições para prefeito e governador. Isso teria dado certo para ele se tivesse vencido a eleição para presidente. Como não ganhou, a liderança dele sem o governo do estado caiu no vazio. Não adianta sair pregando se sente que não tem respaldo para fazer diferença.

O que o senhor acha dessa tentativa do governador de São Paulo, João Doria, de mudar o partido, afastar-se da social-democracia e dar uma guinada à direita?

Tenho impressão de que vai conseguir. Em São Paulo, não terá dificuldade em levar isso adiante. Eu não me filiaria a um partido com esse perfil. Eu não votei no Doria e não acho que votaria. No primeiro turno votei no Skaf, no segundo não votei, viajei para o interior. Mas provavelmente teria votado no França. Sem nenhum entusiasmo especial nem pelo Skaf nem pelo França, mas você escolhe dentro do cardápio que está na mesa. Acho que foi a primeira vez que não votei no PSDB. Mas acho que isso pode dar certo para o PSDB, para a massa. Para mim, não são propostas e ideias com as quais me afino. 

A entrada no Doria para o PSDB foi decisiva para sua saída?

Antes do Doria, já achava que as chances do PSDB se reinventar eram pequenas. Acho que o PSDB perdeu uma grande oportunidade depois do impeachment da Dilma. Na eleição municipal, depois do impeachment, o PSDB teve um bom resultado em todo o Brasil, foi identificado pelo eleitor como outro lado. Ele jogou fora essa oportunidade quando o Temer caiu na armação das fitas dos irmãos da JBS. Quando o PSDB achou que aquilo não era motivo para se livrar do governo, falou para o eleitor que ele cometeu um engano. E ainda teve a coisa deprimente do Aécio cair na gravação com o Joesley. Se isso foi crime ou não, a Justiça vai resolver. Mas não dá para fazer campanha eleitoral dizendo que não foi crime. A essa altura, já estava meio visível que não iria funcionar muito o PSDB na nova situação.

O senhor é a favor de expulsar do partido quem está envolvido com corrupção?

Isso tem de fazer mesmo, é bom que faça. O partido deveria servir para isso também, mas acho que vem tarde, né? Se isso não vier junto com alguma ação mais consistente para mudar financiamento de campanha, relação com o público, com a sociedade civil e filiados, fica um pouco enxugar gelo. Ou espantar mosca para outro lugar que atrai mosca. Não muda a natureza do problema.

O senhor acha que, assim como o PT, o PSDB também se corrompeu?

Acho que o PT é um capítulo à parte. A corrupção na política antes do PT não era partidária. Não vou citar nome dos caciques, mas pensa nos mais notórios. São lideranças que controlam um estado, tem máquina eleitoral cujo núcleo é a família e agregados, dominam governo, assembleia, com constelação de prefeitos em volta. Onde a corrupção entra nisso? Envolvendo membros da família, aliados, às vezes o próprio cacique bota a mão na massa. Mas não é o partido. Essas máquinas políticas mudam de partido com certa frequência, e as direções nacionais dos partidos têm muito pouco peso. Não são suficientemente organizados para se corromperem. O partido não controla recursos que o tornem agentes significativos nesses esquema de corrupção. O PT mudou isso. No PT você tem as principais lideranças nacionais do partido condenadas por corrupção. Foi mais orgânico, sistêmico, mudou de patamar. Isso dificilmente vai se repetir em outros partidos. Então dizer que o PSDB se corrompeu, assim como outros partidos convencionais, descreve mal a situação. Não tem liderança nacional dando as cartas.

Qual seria uma descrição adequada ao PSDB?

Onde você tem corrupção é no plano pessoal, familiar, envolvendo controle de pedaços do estado, da prefeitura… Mas o papel do partido nisso é insignificante. Dizer que o partido se corrompeu suporia dizer que se tinha um funcionamento virtuoso do partido e que, de repente, foi cooptado por redes de corrupção. Não foi o caso.

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