Terror na Nova Zelândia: o "supremacismo branco" continua espalhando mortos


Foto: AFP

Um ataque em duas mesquitas em Christchurch, terceira maior cidade da Nova Zelândia, deixou 49 mortos e 48 feridos, entre eles crianças, nesta sexta (15). O atirador, um australiano, transmitiu o massacre via uma live no Facebook.

No manifesto de ódio deixado por ele, descreve-se como “um homem branco comum”, de “sangue europeu”, “etno-nacionalista” e “fascista”. Com seu ato, quis, segundo ele, “mostrar aos invasores que nossas terras nunca serão as terras deles, enquanto um homem branco viver”.

O discurso está alinhado às porcarias ultranacionalistas e xenófobas pregadas por grupos políticos de extrema direita ao redor do mundo – porcarias que conquistam cada vez mais espaço à medida em que seus líderes assumem o poder em diferentes países.

“Nós devemos manter o ‘mal’ fora de nosso país!”

Donald Trump, presidente dos Estados Unidos, respondeu dessa forma, em sua conta no Twitter, a uma decisão do Tribunal Federal de Seattle que havia suspendido temporariamente o seu decreto impedindo a entrada de pessoas de sete países de maioria islâmica em 2017. A análise da frase é útil para entender o massacre desta sexta nesse pacífico país na Oceania.

Nesta sexta, Trump, claro, solidarizou-se, chamando de “perverso ato de ódio”. O que soa, neste caso, de forma hipócrita.

A ideia de “mal” usada por ele tem significados que se desdobram: A princípio representa o terrorismo de algumas organizações que ele afirma tentar evitar – apesar de nenhuma pessoa dos países barrados por ele, até aquele momento, ter cometido atentados nos EUA. Mas ao baixar uma proibição indiscriminada a todos os cidadãos desses países, Trump os tornava suspeitos simplesmente porque foram proibidos de entrar. E a percepção do que seja o “mal” se estende, metonimicamente, aos inocentes. É a tática do linchamento: se adoto uma punição contra você é porque você fez algo errado.

Durante a campanha de Trump à Presidência, o tema da migração ganhou destaque com o então candidato culpando os estrangeiros pobres por todas as desgraças que acontecem em solo norte-americano – de estupros ao tráfico de drogas e principalmente o terrorismo.

E isso está longe de corresponder à realidade. Mayra Cotta, pesquisadora da New School for Social Research, em Nova York, mostrou, em artigo neste blog na época, que 64% dos ataques com armas em espaços públicos nos Estados Unidos eram causados por homens brancos que nasceram naquele país. 

Homens, frequentemente supremacistas brancos, que entraram armados com sua ideologia racista em jardins de infância, escolas, universidades, cinemas, igrejas, mesquitas, repartições e escritórios e começaram a matar as pessoas ao se redor, sem necessariamente um alvo específico.

Líderes nacionalistas em várias partes do mundo evitam se referir aos seus “soldados”, que matam e morrem em nome dessa ideologia, como o “mal”. Até porque seria muito difícil explicar a seus eleitores – pelo menos os que buscam soluções fáceis para o medo que sentem – que parte da violência em seu país está ligada a desvios e questões mal resolvidas de seus próprios indivíduos e sociedade e não necessariamente de agentes externos.

Trump, o presidente da maior potência global, cumpriu uma função importante para os ultranacionalistas em todo o mundo ao escancarar tudo isso sem mediações e esticar a corda, ultrapassando o limite da racionalidade e atingindo pilares da democracia.

Ao eleger inimigos, tachá-los (famílias de latino-americanos como ladrões e estupradores, muçulmanos, terroristas, chineses, desleais…) e afirmar que estão apodrecendo a sua sociedade, transfere o problema para terceiros e enfraquece a possibilidade de reflexão.

O “mal” é sempre o outro, o migrantes, o islâmico, o negro, o homossexual, o que não se parece conosco, nunca nós mesmos.

Mesmo que tenha sido um homem branco de “sangue europeu” a causar o mal, não migrantes e refugiados.

Com já disse aqui, esse discurso empodera muita gente. Nos Estados Unidos, isso ajudou a que centenas de desprezíveis racistas e neonazistas marchassem em Charlottesville, carregando tochas e entoando palavras de ordem contra negros, migrantes, homossexuais, judeus.

Mas também no resto do mundo. Os 49 migrantes em Christchurch eram culpados, na cabeça do atirador. Afinal, iriam morrer por suas mãos para o restabelecimento da ordem.


O que fazer quando o “mal” somos nós mesmos? A resposta que vem sendo largamente adotada é encontrar um inimigo e insistentemente transferir o problema a ele até que nos esqueçamos de nossa responsabilidade. É triste, mas não falha.

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