O CARNAVAL DO BOLSONARO TUITEIRO

A intensa e lamentável atividade digital do presidente da República durante os dias de folia

Daniel Gulino
ÉPOCA
Um dos tuítes publicados pelo presidente da República que 
causaram rebuliço nas redes sociais, ao fim do Carnaval. 
Foto: Reprodução

Às 20h08 da terça-feira 5, quando o Carnaval já caminhava para seu final, o presidente Jair Bolsonaro publicou em sua conta no Twitter um vídeo com cenas escatológicas gravadas durante a passagem de um bloco de rua em São Paulo. Nelas, um homem insinuava penetração anal, e, em seguida, outro urinava na cabeça dele. Ao concluir a postagem, o presidente sugeria uma reflexão a respeito da "verdade" sobre o "que tem virado muitos blocos de rua no carnaval brasileiro". Quando sua postura foi criticada por uma jornalista, que alegou, em tuíte, falta de decoro, Bolsonaro retrucou com rispidez. "E pra vocês. Falta o que?", escreveu. Horas antes, ao ser criticado pela cantora Daniela Mercury sobre suas declarações contrárias à Lei Rouanet, Bolsonaro disparou outro petardo virtual, pedindo que ela reclamasse com José de Abreu, ator e crítico do presidente nas redes.

Em tempos de redes sociais, um tuíte tem o poder de incensar ou implodir governos. Postagens de Jair Bolsonaro sobre o suposto "kit gay" do Ministério da Educação, em 2011, ajudaram a dar notoriedade a seu nome, que até então se restringia ao limbo dos personagens folclóricos de Brasília. Quase dez anos depois, com Bolsonaro sacramentado presidente, seus opositores argumentam que seu tuíte pode ser enquadrado na Lei 1.079, de 1950, que define os crimes de responsabilidade do presidente da República. Segundo o texto, é crime contra a probidade na administração "proceder de modo incompatível com a dignidade, a honra e o decoro do cargo". Trata-se do mesmo conjunto de leis que viabilizou o impeachment da petista Dilma Rousseff.

Jair Bolsonaro provocou discussões na web ao postar 
vídeo escatológico usando perfil oficial no Twitter. 
Foto: Reprodução

O furor e o tom mercurial das postagens deixam dúvidas se Jair Bolsonaro é o autor ou se os louros recaem sobre seu filho vereador — Carlos, conhecido como Carluxo pelos mais íntimos e grande artífice das rajadas virtuais promovidas pela família Bolsonaro. Coincidentemente, Carlos foi o único rebento a, imediatamente, engrossar o coro anti-Carnaval promovido pelo pai. "Viva o carnaval: esses canalhas estão conseguindo estragar até isso. Veremos daqui uns anos como estará uma do que já foi maiores tradições do Brasil", tuitou. Na quarta-feira 6 à noite, voltou à carga, agora contra a escola vencedora do Carnaval carioca. "Dizem que a Mangueira, escola de samba campeã do Carnaval e que homenageou Marielle, tem o presidente preso, envolvimento com tráfico, bicheiros e milícias", escreveu. E concluiu: "Esse país está de cabeça pra baixo mesmo". Poucos dias antes, contudo, Carlos parecia bem menos revoltado com os festejos. No dia 16 de fevereiro, ele, apreciador de cervejas artesanais, criticou o monopólio na venda da bebida no Carnaval de rua do Rio de Janeiro, demonstrando desconhecer que se trata de contratos de patrocínio, daí a exclusividade. "Prejuízo aos produtores de cerveja artesanal, economia e geração de empregos locais", escreveu.

Em toda a sua vida parlamentar, Jair Bolsonaro jamais se posicionou contra ou a favor de manifestações populares feitas durante o Carnaval. Chegou a animar-se quando, em 2016, virou personagem de bonecos no Carnaval de Olinda. Na ocasião, postou ostensivamente notícias sobre o fato — e foi ecoado pelos filhos. No ano seguinte, Eduardo publicou em suas redes uma reportagem de TV em que um folião vestido de Donald Trump usava o microfone para declarar apoio a Bolsonaro. "Carnaval opressor!", escreveu o parlamentar. Em 2018, o presidente chegou a comparecer a blocos de rua na Barra da Tijuca, bairro onde vivia no Rio de Janeiro, para tirar fotos com eleitores e pedir apoio para a eleição daquele ano.

Presidente da República menciona Lei Rouanet em tuíte durante o Carnaval. 
Foto: Reprodução

Flávio Bolsonaro, que tem evitado confrontos gratuitos nas redes em razão do desgaste de sua imagem com o caso Queiroz, chegou a propor projeto de lei para tornar mais seguros os blocos de Carnaval. Em 2017, Flávio defendia que bombeiros, Polícia Militar e Polícia Civil voltassem a emitir autorização para o desfile dos blocos, a fim de coibir arrastões e tornar a diversão "mais segura". Não deu certo. Coincidência ou não, semanas depois o deputado federal Eduardo Bolsonaro também fez referências à segurança: "Afinal, Carnaval é para se divertir ou se proteger? Será que os pais deixam seus filhos irem pular carnaval tranquilos?". Até ali, nenhuma animosidade em relação à festa.

A repentina indignação com episódios pontuais do Carnaval ocorre, coincidentemente, no ano em que o presidente passou seu primeiro Carnaval como chefe de estado — e recebeu vaias em blocos nas principais capitais. Para o cientista político Malco Braga Camargos, da PUC-MG, as publicações foram, sim, uma reação a críticas, mas ele não acredita que façam parte de um movimento estratégico de comunicação. "Não vejo o comportamento de Bolsonaro, desde o dia 1º de janeiro até agora, como sendo estratégico. Mais parece uma atitude intempestiva, sem controle", avaliou Camargos. "É fundamental que haja uma mudança de postura. Um investidor de qualquer país, ao ver o presidente dar publicidade a esse tipo de informação, certamente vê com outros olhos a possibilidade de investir", afirmou.

Bolsonaro discute com usuários que o criticaram no Twitter. 
Foto: Reprodução

Apesar de ter mais seguidores no Facebook (9,3 milhões) do que no Twitter (3,4 milhões), Bolsonaro mostra claramente que prefere a rede de microblogs. Nos últimos seis meses, publicou 1.110 tuítes, 300 postagens a mais do que no site de Mark Zuckerberg. Além de assuntos de governo, se manifesta com regularidade sobre temas polêmicos e pouco institucionais, muitas vezes de forma jocosa. Em 24 de janeiro, mesmo dia em que o deputado Jean Wyllys anunciou seu exílio autoimposto, o presidente postou uma mensagem breve: "Grande dia!". Conseguiu 83 mil curtidas e 8 mil retuítes.

Jânio Quadros foi o notório presidente que governava por bilhetes. "Leio a um jornal que o ministério está em crise... Veja se a localiza para mim", pediu, com ironia, a um de seus subordinados, em 1961. Tal hábito era a alegria da imprensa e a fonte de muitos conflitos no alto escalão. Fernando Collor deu um passo além na coloquialidade em 1991, quando, ao se tornar presidente, disse ter "aquilo roxo", insinuando virilidade. Com Lula, o vocabulário informal tornou-se regra. Bolsonaro, com seus tuítes, sinaliza desconhecer a fronteira entre a informalidade e a grosseria.

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