Na crise dos combustíveis, só um ganhador

Por Cida Damasco
Do Estadão

Por várias vezes, o ex-ministro Henrique Meirelles repetiu que sairia do ministério para se candidatar à Presidência da República porque considerava sua missão cumprida. Caberia ao sucessor escolhido por ele se manter na mesma linha até o final do governo e não “abrir a guarda” para as pressões que viriam com o aquecimento da campanha eleitoral. Pelo visto, Meirelles não imaginava que a missão viraria uma série e teria pelo menos uma segunda temporada. O enfraquecimento da retomada, a turbulência nos mercados e agora a crise dos combustíveis põem à mostra o quanto ainda há e haverá de obstáculos a serem vencidos até Temer entregar o cargo.

Claro que despreparo para enfrentar crises não é propriedade exclusiva do atual governo. Ainda mais no caso dos combustíveis, cujo impacto no dia a dia da população é tão amplo e os interesses envolvidos tão decisivos, além de muitas vezes conflitantes. Com uma alta da gasolina e do diesel de respectivamente 18,97% e 15,45% em 12 meses, segundo o IPCA-15, correspondente a cinco a seis vezes a inflação no mesmo período, a crise dos combustíveis desembocou na greve dos caminhoneiros, que multiplica os transtornos nas cidades e nas estradas e produz cenas explícitas de especulação nos postos e nas feiras de todo o País — numa reedição dos tempos da hiperinflação.

Mas, sem dúvida, talvez esse tenha sido um dos momentos em que o despreparo do governo e seus aliados no Congresso se mostrou mais agudo. Para começo de conversa, parece que o presidente Temer passou pelo menos três dias tentando entender de onde veio esse ciclone e com essa força inesperada — inesperada simplesmente porque o governo não deu ouvidos nem pôs os olhos na tempestade que estava se armando.

O ministro da Fazenda, Eduardo Guardia, limitou-se a dizer que a política de preços da Petrobrás não mudaria. O presidente da Petrobrás, Pedro Parente, confirmou que tinha essa garantia do governo. Mais “experiente”, o ministro das Minas e Energia, Moreira Franco, admitiu logo de saída que havia estudos para se reduzir o preço dos combustíveis. O presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), rapidamente tomou nas mãos a tarefa de comandar a controvertida negociação para trocar a derrubada dos impostos sobre combustíveis pela reoneração da folha de pagamento de 28 setores — tão rapidamente que acabou errando na conta da renúncia fiscal provocada pela alíquota zero do PIS e Cofins. E o presidente do Senado, Eunício Oliveira (MDB-CE), em confronto aberto com o Planalto por causa da candidatura Meirelles e dos acordos regionais do partido, não manifestava a mesma pressa para selar a retirada dos tributos dos preços dos combustíveis. Tanto é que voou para o Ceará e só mais tarde voltou a Brasília, para garantir o andamento das negociações.

Não é que a reoneração não se justifique, muito ao contrário. Até a ex-presidente Dilma acabou reconhecendo que vários setores conseguiram o benefício da desoneração, sem oferecer as contrapartidas imaginadas, como a manutenção dos empregos. Mas a troca, nesse momento, soa como improviso, jeitinho, tudo que não deveria ocorrer.

Não é também que a carga tributária sobre combustíveis seja reduzida — 44% para a gasolina e 28% para o diesel é imposto para ninguém pôr defeito. Mas, além do chamado “espaço fiscal” necessário para fazer concessões desse tipo, também é preciso considerar se é adequado, nos dias de hoje, incentivar o consumo de combustíveis fósseis.

Além disso, por mais que se insista que a política de preços da Petrobrás continua de pé, não há como ignorar que ela veio abaixo, com a redução de 10% nos preços do diesel e o congelamento por 15 dias, até que se conclua o tal acordo tributário, ou mesmo com a ampliação desse prazo, aliada a uma compensação do Tesouro para a estatal, como se discute agora. Basta monitorar os mercados, para se comprovar a leitura que os investidores estão fazendo desse imbroglio.

Se há uma situação em que é fácil responder à velha questão “quem perde, quem ganha”, é a dos combustíveis. Só há um ganhador: os caminhoneiros, na verdade o setor de transporte rodoviário, que encurralou o governo, obteve vantagens e comprovou que tem poder de parar a economia — poder sustentado por uma participação de quase 60% em toda a carga transportada no País, e caracterizado por uma cadeia que une caminhoneiros autônomos e as próprias transportadoras. Perigo total. Fora isso, é perda para todos os lados: governo, empresas, consumidores, enfim para todo o País.

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