O dia em que o VANGUARDA não saiu

O "civismo" da violência. Como diz a música, "paz sem voz, não é paz, é medo!"

Por José Daniel Silva


31 de março de 1964. Terça-feira. Um dia que entraria para a história do Brasil como o início de um de seus piores capítulos, dos seus mais assombrosos. 31 de março que está mais para ser 1º de abril, com um golpe que semeava uma mentira para esconder a verdade: com o forjado argumento de que era preciso impedir uma "ditadura comunista" (algo pouco provável), impuseram uma ditadura civil-militar capitalista-elitista. O Brasil, que crescia economicamente, precisava distribuir este crescimento para todos (aliás, ainda precisa!), principalmente para a classe trabalhadora. A dívida com o "povão brasileiro" era antiga, mas havia quem não queria pagá-la. Ainda há, por sinal, quem não queira. Tudo poderia ter sido resolvido através do aprimoramento da democracia!

Pesquisando nos acervos deste nosso querido jornal, uns quatro anos atrás, descobri que o exemplar do sábado seguinte ao 31 de março/1º de abril do VANGUARDA não saiu. Isso me intrigou. Como meu foco de pesquisa era outro, não fui em busca da explicação para tal fato, porém, isso ficou marcado em minha memória. Que fique bem claro: não é que faltava, no acervo, o número referente ao exemplar do dia 4 de abril de 1964: simplesmente ele não existe: o VANGUARDA não saiu neste dia! O do dia 11 de abril recebeu o número seguinte ao do dia 28 de março.

O hiato nos exemplares de VANGUARDA entre o 28 de março e o 11 de abril é um dentre os diversos exemplos de como o nosso país sofreria nos próximos 21 anos: mistério/falta de transparência política; censura das vozes da sociedade (imprensa, artes, religião, associações etc.); tortura e diminuição dos direitos humanos (ausência, em muitos casos); autoritarismo; corrupção (sim, havia CORRUPÇÃO, sim! Vide livro de Carlos Fico, "Como eles agiam"); inflação; aumento astronômico da dívida externa (de US$ 3 bi, em 1964, passou para US$ 100 bi, em 1985); arrocho salarial e dificuldades para a organização sindical; desigualdade social (com o endividamento externo, aumentando nossa penúria, o tal bolo "cresceu", mas não foi dividido).

Falam que durante a ditadura de 1964 não havia criminalidade e que havia melhores costumes. Pura falácia. Os costumes não dependiam dos militares: eram mais rígidos porque a moral social já o era. Por sua vez, havia menos criminalidade porque a população era menor e a censura não permitia a divulgação de dados que denegrissem a imagem do Estado ditatorial civil-militar: éramos 70 milhões de habitantes em 1960 (sendo 55,4% de população rural), 93 milhões em 1970 (44,1% rural) e 118 milhões em 1980 (32,7% rural). As cidades eram menos populosas e, portanto, ficava mais fácil de usar o aparelho repressor-autoritário do Estado. Mais populosas hoje, nossas cidades atuais apresentam muitíssimos problemas (somos quase 200 milhões de brasileiros e, em média, 82% vivendo na zona urbana, ou seja, a cada dez brasileiros, oito moram nas cidades), com suas consequentes divulgações pelos meios de comunicação social.

De forma alguma há o que comemorar, por mais que alguns queiram, pois o período foi tenebroso, horrendo, traumático. Porém, há que se recordar, para que, ao sabermos de tudo o que se passou, nunca mais desejemos este terrível regime que se instalou no Brasil. É preciso alertar aos mais jovens, que não viveram o período, para que nunca tenham falsas impressões sobre este crime contra o povo brasileiro. É preciso recordar e conhecer para não repetir. Seja você de direita, centro ou esquerda, devemos defender nossos pontos de vista político-econômico-sociais no plenário da democracia.

Que o VANGUARDA, como sempre, e todos os outros veículos sociais (imprensa, artes etc.) tenham plena liberdade de agir/funcionar e que nós, o povo brasileiro, possamos, cotidianamente, construir a nossa democracia.

José Daniel da Silva é mestre em História pela UFPE, professor universitário e pesquisador.

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