Jurista pernambucano explica, em seis pontos, como Alexandre de Moares 'enquadrou' Bolsonaro


Às vezes, a omissão é o pior ativismo, explica o jurista pernambucano Joaquim Falcão

Ministro Alexandre de Moraes, presidente do TSE 
FOTO: NELSON JR./STF

O jurista pernambucano Joaquim Falcão, em artigo na Folha de São Paulo, na TENDÊNCIAS/DEBATES, elencou seis pontos nos quais os bolsonaristas erraram, ao tentar atropelar o Judiciário no Brasil, em comparação ao que a direita fez nos Estados Unidos, com Trump.

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"Alexandre de Moraes versus Jair Bolsonaro"

O ex-presidente Jair Bolsonaro e seus assessores brasileiros e americanos trumpistas não contavam ter, como principal contendor, o ministro Alexandre de Moraes. Uma melhor análise das táticas e estratégias jurídico-políticas em jogo teria sido importante. Cometeram vários equívocos.

O que lhes custou caro.
  • Primeiro. Talvez esperassem um presidente do Tribunal Superior Eleitoral mais discreto e conciliador.
Erraram. Uma matéria-prima do ex-presidente é difundir e administrar o medo. Já o ministro é mais feito de Gonçalves Dias: "A vida é luta renhida, viver é lutar. A vida é combate, que aos fracos abate e aos fortes, os bravos, só pode exaltar".
  • Segundo. Para a teoria dos jogos, um fator decisivo para a vitória é o tempo que contendores têm para jogar. O ex-presidente tinha tempo limitado. Até 28 de outubro. Se não ganhasse até essa data, perdia. Saía do poder e do jogo. Saiu. Já o ministro é vitalício. Quem tem tempo não tem pressa, dizia Marco Maciel.
Mais ainda. O ex-presidente tem 67 anos. O ministro, apenas 54. O vigor geracional conta.
  • Terceiro. A assessoria trumpista foi útil em táticas midiáticas, captação das pautas nacionais, marketing eleitoral e mobilização de demanda por um populismo reacionário, diz Christian Lynch. Esqueceram de peculiaridades de nossa cultura jurídica e institucional.
Nesta era da infocracia, alerta Byung-Chul Han, a cultura é forte arma imaterial na arena do poder. 

Cultura importa, avisou Huntington.

Os Estados Unidos não têm Justiça eleitoral. Tratando-se de ataque ou preservação do Estado de Direito, era provável que a contenda passasse pelos plenários do Tribunal Superior Eleitoral e/ou do Supremo. Trumpistas e bolsonaristas, ao escolherem atacar as urnas eletrônicas, que, de Carlos Velloso a Luís Roberto Barroso, têm sido exemplo para o mundo, erraram. Não é este o ponto fraco do TSE. Importaram a cultura do caótico sistema eleitoral americano. Perderam.
  • Quarto. Não previram o risco de o ministro bem coordenar duas competências institucionais ao mesmo tempo. Presidente do TSE e ministro do Supremo. Ambos vinham sendo arrogantemente atacados. O ministro conseguiu união momentânea dos ministros na defesa das instituições e de cada um.
O ex-presidente não conseguiu a união dos militares. Inagiram. Paralisaram-se.

O ex-presidente ameaçou demais. Excessivamente demais. Simbolizado na expressão: "Eu sou, realmente, a Constituição". Parafraseando Vinicius de Moraes, o homem que diz sou, não é. Porque quem é mesmo, não diz. Deveria ter falado menos. Uniu os desunidos.
  • Quinto. Junte-se invulgar conhecimento jurídico pragmático. O que explica a rapidez e segurança com que Moraes decide qualquer demanda processual.
Seu livro "Direito Constitucional" vendeu cerca de 700 mil exemplares. Em 38 edições. É atualizado todo ano. Magistrados, faculdades, escritórios de advocacia e procuradorias o compram sistematicamente.
  • Sexto. Muitas das críticas ao ministro são sobre seu eventual ativismo. Extrapolaria sua competência na investigação e punição dos atos antidemocráticos. Essa crítica tem que enfrentar o fato de que quem primeiro lhe concedeu tal competência foi o então presidente Dias Toffoli. Corroborada pelo plenário do Supremo.
O artigo 43 do regimento interno determina que somente cabe ao Supremo investigar e julgar infração à lei penal na sede ou dependência do tribunal. Até então se entendia "sede ou dependência" como seu espaço "físico". De pedra e cal. Ora, na infocracia, atos danosos podem ser físicos e/ou virtuais.

O golpe foi a soma desses atos.

O conceito de ativismo muda de acordo com a cultura jurídica. Maior ativismo não houve do que a omissão do Supremo norte-americano no caso Bush v. Gore. Recusou-se a apurar eventual fraude de contagem de votos que ocorria na Flórida. Beneficiaram o candidato Bush. Ativismo envergonhado. O Supremo de lá afirmou que não mais se repetiria. E que não constituía jurisprudência.

Não somos nem melhores nem piores, apenas diferentes, diria o Salgueiro. 

Às vezes, a omissão é o pior ativismo.

A contenda continua. Os contendores mudam-se e mudam. A estratégia de ontem não será a de amanhã.

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