A desoneração da folha de pagamento e o déficit na Previdência Social

 
Foto: João Badari

Por João Badari*

 

A desoneração da folha de pagamento tem sido um tema recorrente no cenário econômico e jurídico brasileiro. Embora sua proposta inicial fosse estimular a geração de empregos e aliviar os encargos trabalhistas para determinados setores da economia, seus efeitos colaterais sobre a arrecadação previdenciária são alarmantes. O Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) depende das contribuições patronais para financiar benefícios como aposentadorias, pensões e auxílios, e a redução dessa fonte de receita pode comprometer seriamente a sustentabilidade do sistema previdenciário.

 

A desoneração da folha de pagamento impacta a Previdência Social ao reduzir a arrecadação. Assim, ela torna o sistema previdenciário deficitário e aumenta a necessidade de aportes do governo para cobrir o rombo nas contas do INSS.

 

A desoneração da folha foi instituída em 2011 e alterada ao longo dos anos, permitindo que empresas de determinados setores substituíssem a contribuição previdenciária patronal de 20% sobre a folha de salários por uma alíquota menor sobre a receita bruta. O objetivo era aliviar a carga tributária para setores intensivos em mão de obra, como tecnologia da informação, transporte e construção civil, incentivando a geração de empregos.

 

Em dezembro de 2023, o Congresso Nacional aprovou a Lei nº 14.784/2023, prorrogando a desoneração da folha para 17 setores da economia até 2027. No entanto, essa prorrogação foi alvo de questionamentos jurídicos e econômicos. O governo federal editou a Medida Provisória nº 1.202/2023 para revogar a desoneração, argumentando que a política compromete a arrecadação previdenciária sem garantir benefícios concretos. O Supremo Tribunal Federal (STF) suspendeu os efeitos da lei, reforçando a necessidade de avaliar o impacto fiscal da medida.

 

Vale destacar que o financiamento da Previdência Social no Brasil se baseia, principalmente, na contribuição dos empregadores sobre a folha de pagamento. Ao reduzir essa base de arrecadação, a desoneração gera um rombo significativo nos cofres do INSS.

 

Estudos apontam que a desoneração causa uma perda de arrecadação bilionária para a Previdência. Segundo estimativas da Receita Federal, em 2022, a renúncia fiscal da desoneração da folha foi de aproximadamente R$ 9 bilhões. Com a prorrogação da medida até 2027, esse valor pode ultrapassar R$ 40 bilhões em quatro anos, comprometendo ainda mais o equilíbrio das contas do INSS.

 

Além disso, a desoneração não garante o aumento proporcional na geração de empregos. Dados do Tribunal de Contas da União (TCU) e do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA) indicam que a medida teve impacto marginal no crescimento do emprego formal, ou seja, a redução da carga tributária para empresas não resultou, na prática, em um aumento significativo no número de contratações.

 

Importante frisar que a Previdência Social já enfrenta desafios estruturais em sua sustentabilidade financeira. O déficit previdenciário, que corresponde à diferença entre a arrecadação e os gastos com benefícios, tem sido um problema recorrente. Em 2023, o déficit do Regime Geral da Previdência Social (RGPS) foi de R$ 272,1 bilhões, representando um aumento de 8,6% em relação ao ano anterior.

 

Com a desoneração da folha, a tendência é que esse déficit se agrave, exigindo mais recursos do Tesouro Nacional para cobrir a insuficiência financeira do INSS. Isso significa que, em vez de a Previdência Social ser financiada com contribuições específicas, a sociedade como um todo terá que arcar com esse custo, seja por meio de aumento de impostos ou cortes em outras áreas essenciais, como saúde e educação.

 

Os defensores da desoneração argumentam que ela ajuda a reduzir os custos do trabalho e incentiva a geração de empregos. No entanto, os dados mostram que o impacto na criação de novos postos de trabalho é limitado, enquanto o prejuízo às contas da Previdência é evidente. Entre os principais argumentos contrários à medida, destacam-se:

 

- Perda de arrecadação previdenciária: A redução das contribuições sobre a folha impacta diretamente o financiamento da Previdência Social, aumentando o déficit.

- Falta de compensação efetiva: O governo não implementou mecanismos de compensação que repusessem integralmente as perdas causadas pela desoneração.

- Benefício restrito a poucos setores: Apenas 17 setores da economia são beneficiados, enquanto outros segmentos continuam pagando a alíquota de 20% sobre a folha, gerando uma concorrência desigual.

- Aumento da dependência do Tesouro: Com menos arrecadação, o INSS passa a depender mais dos aportes do governo federal, pressionando as contas públicas.

 


Possíveis Soluções para Equilibrar as Contas da Previdência

 

Para garantir a sustentabilidade da Previdência Social sem comprometer a geração de empregos, algumas alternativas poderiam ser consideradas:

 

- Revisão das regras da desoneração: Em vez de prorrogar indefinidamente a medida, o governo poderia adotar um modelo de transição para a retomada gradual das contribuições sobre a folha.

- Criação de fontes alternativas de financiamento: Algumas propostas incluem a taxação de lucros e dividendos ou a destinação de parte da arrecadação de impostos sobre transações financeiras para o INSS.

- Combate à sonegação e inadimplência: A cobrança de grandes devedores da Previdência Social poderia recuperar bilhões de reais, reduzindo a necessidade de medidas como a desoneração.

- Aprimoramento da fiscalização: Garantir que empresas beneficiadas pela desoneração realmente ampliem seus quadros de funcionários, vinculando o benefício a metas de geração de empregos.

 

A desoneração da folha de pagamento, embora tenha sido criada com a intenção de estimular a economia e gerar empregos, representa um risco significativo para a sustentabilidade da Previdência Social. Ao reduzir a arrecadação do INSS, a medida agrava o déficit previdenciário e aumenta a necessidade de aportes do governo, comprometendo o equilíbrio fiscal do país.

 

A manutenção da desoneração sem uma compensação adequada coloca em xeque a viabilidade do sistema previdenciário no longo prazo. É essencial que o governo avalie alternativas que permitam o equilíbrio entre o incentivo ao emprego e a sustentabilidade da Previdência, garantindo que os direitos dos trabalhadores e aposentados não sejam prejudicados.

 

Se a política de desoneração persistir sem ajustes, o Brasil poderá enfrentar um cenário onde a Previdência Social se tornará cada vez mais dependente do orçamento da União, aumentando o risco de cortes em benefícios essenciais ou de novas reformas que penalizem ainda mais os segurados.

 

*João Badari é advogado especialista em Direito Previdenciário e sócio do escritório Aith, Badari e Luchin Advogados

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

Em novo caso de nudez, corredora sai pelada em Porto Alegre

Multinacional portuguesa Politejo vai instalar nova fábrica em Pernambuco

Foragido que fez cirurgia e mudou de identidade é preso comprando casa na praia