Entenda por que a Codevasf, estatal alvo de investigações, é cobiçada por políticos

Empresa pública foi criada para obras de irrigação na bacia do São Francisco, mas teve atuação e orçamento expandidos. PF e CGU apuram possível corrupção nos contratos da companhia

Por Marcela Mattos, g1 — Brasília

Alvo de investigação da Polícia Federal, a Companhia de Desenvolvimento dos Vales do São Francisco e do Parnaíba (Codevasf), tem alcance e atuação cada vez maiores e é uma das empresas públicas mais cobiçadas por políticos.

Com um orçamento de R$ 2,7 bilhões para este ano, a estatal tem como atribuições:
  • desenvolvimento de bacias hidrográficas e de projetos de irrigação;
  • implementação de ações e instalações para saneamento básico;
  • realização de obras de pavimentação;
  • construção de pontes;
  • entrega de máquinas e equipamentos, como motoniveladoras e escavadeiras.
Essa lista é maior que a prevista no projeto inicial da companhia. A Codevasf foi criada para atuar especificamente nos projetos de irrigação e segurança hídrica da região do entorno do Rio São Francisco (leia mais abaixo).

Dados da ONG Contas Abertas enviados ao g1 indicam que o governo Jair Bolsonaro autorizou, no acumulado desde 2019, um orçamento total de quase R$ 9 bilhões para a Codevasf.

Desse valor, mais de R$ 7 bilhões foram empenhados (geraram expectativa de pagamento) e quase R$ 5 bilhões foram efetivamente pagos.

Obras 'na ponta'

As obras são consideradas importantes porque chegam "na ponta" dos redutos políticos e fortalecem as bases de deputados e senadores – que costumam acompanhar a entrega de maquinários, por exemplo, e se tornar "padrinhos" de determinado projeto.

"A Codevasf entrou no radar dos políticos exatamente por atuar com um setor estratégico em relação aos governos: construir obras. Uma obra é muito capitalizada politicamente, explorada principalmente por quem faz a entrega do serviço à população", afirma Tiago Valenciano, cientista político e membro da Associação Brasileira de Direito Eleitoral e Político (Abradep).

“Facilitando licitações, certamente há interesses políticos para a realização destas obras, sobretudo em período pré-eleitoral e eleitoral”, acrescenta.

Suspeitas na estatal


O objeto do pregão eletrônico foi o fornecimento, transporte, carga e descarga de tubos de PVC de diversas especificações para aplicação em sistemas de abastecimento de água e sistemas de irrigação.

A CGU afirma que houve, por duas vezes, recomendação para suspensão do edital, mas que a recomendação de suspensão “não foi acatada pela gestão da Codevasf, que optou por assumir os riscos advindos do prosseguimento do certame”.

Em outra frente, a PF deflagrou uma operação na semana passada para desarticular uma associação criminosa suspeita de fraudes em licitações, desvio de recursos públicos e lavagem de dinheiro envolvendo verbas federais em contratos com a Codevasf no Maranhão.

Um empresário foi preso, e foram apreendidos relógios de luxo e R$ 1,3 milhão em dinheiro vivo.


Polícia Federal investiga corrupção na CODEVASF

Comando do Centrão

A Codevasf é vinculada ao Ministério do Desenvolvimento Regional, e a nomeação do comando da estatal é uma prerrogativa do presidente da República.

No entanto, a empresa se tornou alvo de negociação política, e atualmente tem entre seus chefes (a nível nacional e nas superintendências regionais) pessoas indicadas por políticos do Centrão, grupo multipartidário que dá sustentação ao governo no Congresso.

Desde 2020, a estatal virou fonte abundante de recursos oriundos das emendas de relator, o chamado orçamento secreto, recurso controlado pela cúpula do Congresso com o aval do governo que não segue os critérios de transparência.

Após pedido de lideranças partidárias, a fatia do orçamento da estatal destinada ao “orçamento secreto” dobrou neste ano, passando de R$ 610 milhões para R$ 1,2 bilhão. De acordo com o Contas Abertas, os recursos das emendas de relator para a Codevasf chegam a quase R$ 2,8 bilhões.

Para o cientista Rafael Cortez, sócio da Tendências Consultoria, os parlamentares buscam conquistar uma “conexão eleitoral” por meio da visibilidade conquistada com projetos que são facilmente identificáveis pelo eleitorado.

A medida, diz, é uma das formas do exercício da representação política e faz parte do jogo democrático. O problema é que nem sempre os projetos correspondem a uma demanda realmente necessária.

“O primeiro problema é identificar se de fato há uma demanda da maioria de um eleitorado, ou se [o programa] é capturado e serve de pretexto para outros interesses que vão se associando e acabam deturpando a alocação de recursos. O fazer política não necessariamente se traduz em eficiência de alocação de gasto”, disse o cientista político.

Atuação ampliada

A Codevasf teve a criação determinada por lei em 1974 e, desde então, teve o rol de atuação ampliado por sucessivas modificações da legislação. Inicialmente, a companhia teria atuação voltada a bacias hidrográficas e era restrita aos estados de Pernambuco, Alagoas, Sergipe, Bahia, Minas Gerais e Goiás, e também o Distrito Federal.

Em 2000, Piauí e Maranhão também foram incluídos no guarda-chuva da companhia. Nove anos depois, o Ceará entrou no rol de alcance.

Desde então, houve outras mudanças que incluíram novas regiões no âmbito da empresa – a última delas, capitaneada pelo então presidente do Senado, Davi Alcolumbre (União-AP), foi aprovada em 2020.

Com as inclusões, a Codevasf passou a atuar também nas bacias hidrográficas e litorâneas nos estados do Amapá, Mato Grosso, Pará, Tocantins e Rio Grande do Norte e atualmente alcança setores diversos, como o de construção de pontes, pavimentação de estradas e entrega de maquinários.

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