Edição de Sábado: Uma guerra sem espólios

Por Flávia Tavares Entre a cama e o banheiro daquele quarto de hotel, na região central de Kiev, havia uma parede de gesso, que formava um vão. Foi ali que Gabriel escolheu dormir, no chão mesmo. A suíte era envidraçada do chão ao teto, tinha vista panorâmica — baita ativo para turistas, péssimo para repórteres de guerra. O premiado fotógrafo e documentarista Gabriel Chaim cobre zonas de conflito desde 2013. Reconhece os perigos que os olhos de rotina são incapazes de notar. Aqueles vidros, ao eventualmente se tornarem estilhaços, podiam cortar-lhe o pescoço. Isso o irritava e lhe tirava o sono. Se sua memória não o trai, ele chegara à Ucrânia três dias antes, vindo da Síria, onde acompanhou uma rebelião de presos do Estado Islâmico. Kiev parecia indiferente a qualquer ameaça. Não havia confirmação alguma de que uma invasão da Rússia realmente aconteceria ou quando. A intenção inicial de Gabriel era passar alguns dias ali e seguir para Moscou, tinha contato com j...