Câmara Federal aprova medida que concede isenção de impostos para petrolíferas estrangeiras


Luis Macedo/Câmara dos Deputados

Medida provisória foi apelidada como “MP do Trilhão” em plenário

Por 208 votos a 184, deputados aprovaram, nesta quarta (29) em plenário, o texto-base da Medida Provisória (MP 795/2017), que concede benefícios fiscais a empresas petrolíferas que atuarão em blocos das camadas pré-sal e pós-sal, inclusive por meio de isenções para importação de máquinas e equipamentos (veja a íntegra e leia mais sobre a matéria abaixo). Apelidada de “MP do Trilhão” – por supostamente impor perdas da ordem de R$ 1 trilhão à União nos próximos 25 anos, em decorrência da isenção fiscal –, a medida isenta de taxas de importação, entre outras providências, produtos, projetos e serviços sob responsabilidade de empresas estrangeiras com interesses nos campos de petróleo brasileiros. Resta a votação de destaques apresentados para alterar o texto principal, a ser realizada na próxima semana.

A acusação oposicionista tem como base um conjunto de estudos produzidos pelas consultorias legislativa e de orçamento da Câmara. Segundo o trabalho, a redução e até isenção total de impostos contidas na MP 795/2017, que beneficia petrolíferas até 2040, significa uma renúncia fiscal de R$ 40 bilhões ao ano, o equivalente a R$ 1 trilhão nos próximos 25 anos. Ainda segundo o estudo, as regras definidas no mais recente leilão da Agência Nacional do Petróleo (ANP), realizado em 27 de outubro, reduzirão os ganhos decorrentes da exploração do petróleo em relação ao pregão promovido há quatro anos no campo de Libra – parcela desse dinheiro compõe o financiamento dos setores de educação e saúde.

Por meio de nota (veja abaixo) divulgada na última semana, a Receita Federal, órgão vinculado ao Ministério da Fazenda, apontou “erro de cálculo” e negou que a medida provisória representaria perdas de tais dimensões para o país. Na mesma linha, o relator da matéria, Júlio Lopes (PP-RJ), discursou em plenário e disse que a matéria, por meio das parcerias que viabiliza com os estrangeiros, “vai gerar bilhões para o Brasil”.

Durante a tramitação da matéria na comissão mista (deputados e senadores) especialmente instalada para discuti-la, parlamentares denunciaram a ação de lobistas de empresas como a Shell e British Petroleum para interferir no texto final. Em uma dessas ocasiões, o líder do PT no Senado, Lindbergh Farias (RJ), chegou a apontar a atuação de um “lobista da Shell” durante audiência na presença do deputado Júlio Lopes.

A crítica geral da oposição é que a proposta concede renúncia fiscal para empresas estrangeiras no momento em que o país enfrenta deficit orçamentário superior a R$ 150 bilhões e, no que é a principal pretensão da gestão Michel Temer (PMDB), enfrenta a discussão sobre a Previdência Social. Para os oposicionistas, em resumo, a MP faz o Brasil abrir mão de receita em um momento de crise econômica aguda. Mas, mesmo com a grita oposicionista, o plenário aprovou simbolicamente o parecer da comissão especial favorável aos pressupostos de urgência e relevância da MP.

A aprovação do texto principal foi obtida por meio de acordo, depois de horas de obstrução oposicionista. O entendimento consistiu na retirada da obstrução e na votação nominal do projeto de lei de conversão da MP, que é o resultado das mudanças operadas pelos parlamentares ao texto original. Com a votação nominal, exigência da oposição, o voto de cada deputado estará identificado – e, nesse sentido, exibirá ao eleitor quem votou “contra o Brasil e a favor das empresas petrolíferas estrangeiras”, nas palavras do deputado Alessandro Molon (Rede-RJ), que discursou pouco antes da aprovação da matéria. Em contrapartida, os destaques para votação em separado ficam para a próxima semana, sem o chamado “kit obstrução” – conjunto de instrumentos regimentais assegurado às minorias, com efeito de postergação das votações.

Debate

O debate sobre a matéria foi travado de maneira intensa em plenário. A temperatura subiu quando o relator da proposição fez críticas inflamadas a um consultor da Câmara que, a pedido do PDT, chefiou o trabalho apontando as perdas de receita decorrentes da isenção prevista na MP. Além de Júlio, para quem o especialista agiu ideologicamente, o deputado governista José Carlos Aleluia (DEM-BA) se referiu ao servidor como “competente militante do PT”.

Citado pelo relator como alguém “despreparado” e que “não estudou” a matéria, o líder do Psol, Glauber Braga (RJ) pediu a palavra para replicar a crítica e disse que Júlio Lopes endossaria o repasse de “um trilhão para as operadoras internacionais do petróleo”. “[Júlio Lopes] foi o braço direito de Sérgio Cabral [PMDB]. Me desculpe, deputado Júlio Lopes, mas da escola em que vossa excelência aprendeu eu não quero participar”, fustigou Glauber, referindo-se ao período em que Júlio foi secretário estadual do ex-governador do Rio de Janeiro, hoje preso e condenado por imposição da Operação Lava Jato.

“A Petrobras está sendo entregue aqui, hoje. Essa MP é uma vergonha”, criticou Júlio Delgado (PSB-MG). “O Brasil está abrindo mão de sua soberania em favor da Shell, do Reino Unido. Estamos abrindo mão de um projeto de desenvolvimento econômico”, emendou o líder do PT na Câmara, Carlos Zarattini (SP), para quem o relator da MP “entrará para a história como alguém que abriu mão da soberania nacional”.

Adriano Machado/350.org Brasil

Em frente ao Congresso, ONG do setor inflou mapa do Brasil nesta quarta-feira (29) contra a “MP do Trilhão”

Já para Jandira Feghali (PCdoB-RJ), a proposição fere o artigo 113 da Constituição e a Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO). “É uma lei injurídica e inconstitucional. A relatoria não conseguiu explicar [a pertinência da MP], com todo estudo e com todo embasamento”, reclamou a deputada, ironicamente, apoiada pelo colega de oposição Chico Alencar (Psol-RJ). “Esta é a ‘medida provisória BPS’”, ironizou o deputado, explicando que se trata de uma “medida provisória da British Petroleum e da Shell”.

Por sua vez, o deputado Ronaldo Lessa (PDT-AL) disse que MP destrói a indústria nacional. “A gente vai abrir completamente a nossa indústria depois de termos provado ao mundo que podemos perfeitamente trabalhar em águas profundas. A própria indústria básica de máquinas do Brasil será completamente destroçada com a liberação, com a renúncia fiscal. O que se está fazendo é um crime contra o país”, declarou o parlamentar alagoano.

Mas alguns poucos deputados governistas defenderam a matéria. Entre eles o deputado Fabio Garcia (sem partido-MT), para quem o Brasil precisa garantir segurança jurídica ao setor petrolífero caso queira atrair invesitimentos. “Por meio desta medida provisória nós estamos, na verdade, aprimorando o Repetro, porque o mesmo incentivo fiscal que o PT deu a produtores de petróleo no Brasil, quando eles o prorrogaram, nós estamos agora ampliando para empresas brasileiras”, discursou.

“Se lhe falta informação, deputado Glauber, que pelo menos o raciocínio não lhe falte. Como é que vossa excelência acha que, no momento em que estamos contingenciados no teto da despesa, vamos abrir mão de 1 trilhão de reais da receita do Brasil? Vossas excelências não pensam que, se isso fosse verdade, a Petrobras amanhã não iria abrir a porta? Aquele governo desorientado e despreparado do PT deixou uma dívida na Petrobras de 88 bilhões de reais. Se isso fosse verdade, a Petrobras iria fechar amanhã, não teria como funcionar na segunda-feira que vem, porque o mercado mundial não aceitaria”, vociferou Júlio Lopes no momento mais tenso da sessão plenária, em meio a vaias da oposição.

Reação popular

Nos últimos dias, entidades da sociedade civil organizada fizeram o movimento contrário àquele operado no Congresso pelas grandes corporações do petróleo. Antes da votação desta quarta-feira (29), ambientalistas, especialistas e até indígenas se uniram a parlamentares para protestar contra a medida provisória. Mais cedo, um grupo foi ao Salão Verde da Câmara promover um ato contra a “MP do Trilhão”. Um mapa do Brasil inflável (foto acima) foi instalado em frente ao Congresso pela organização ambientalista 350.org Brasil, em protesto contra a proposição.

Na ocasião, foi divulgada uma carta advertindo sobre supostos prejuízos econômicos e climáticos provocados pela MP. O documento foi subscrito por mais de 120 organizações e da sociedade civil e entregue ao presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), que apoia a pauta reformista do governo Michel Temer e tem avalizado a votação de diversas medidas provisórias da atual gestão, a exemplo da MP 795/2017 – o deputado chegou a dizer que a matéria seria votada hoje (quarta, 29) “de qualquer jeito”. A carta foi lavada a Maia pelo cacique Kretã Kaingang (foto abaixo).

Redução de taxas

A Medida Provisória 795/17 cria regime especial de importação de bens e produtos a serem utilizados na exploração, no desenvolvimento e na produção de petróleo, gás natural e outros hidrocarbonetos. O texto também permite que, já a partir de 2018, corporações do setor de petróleo e gás deduzam de seus impostos (lucro real e à base de cálculo da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido-CSLL) valores aplicados em atividades de exploração e produção.

Bruna Menezes/Câmara dos Deputados

Portador de carta entregue a Maia, cacique Kretã Kaingang fala contra MP 795 em ato na Câmara

Com a isenção, a MP na prática reduz o impacto dos custos que as petroleiras terão com pagamento de CSLL e de Imposto de Renda da Pessoa Jurídica (IRPJ) no Brasil. A matéria também permite que as despesas com a compra de máquinas e equipamentos passem a ser dedutíveis do IRPJ e da CSLL.

Na votação da matéria, foi publicado paralelamente o Decreto 9.128/17. O instrumento legal prorroga, de 2020 para 2040, o prazo de validade do chamado “Repetro”, o regime aduaneiro especial de exportação e importação isenta de tributos federais equipamentos utilizados em pesquisa e exploração industrial de reservas de petróleo e gás natural (lavra de jazidas).

Nota da Receita:

A Medida Provisória nº 795, de 2017, visa alinhar a tributação do setor de petróleo e gás às práticas internacionais, reduzir o grande litígio tributário existente, restabelecer base tributária (com vistas a sua ampliação) e incentivar investimentos na indústria petrolífera do Brasil. Não existe concessão maciça de renúncia tributária. A principal desoneração contida na MP existe desde 1999, e está sendo apenas renovada e aperfeiçoada, para corrigir algumas distorções.

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