Venda de praias sugerida por Paulo Guedes é proibida e fere Constituição

Por André Borges
ESTADÃO

Proposta feita pelo ministro da Economia não encontra nenhum amparo legal. Praias são bens de acesso livre à população e pertencem à União, sendo proibidas de qualquer transação de venda

BRASÍLIA - A sugestão feita pelo ministro da Economia, Paulo Guedes, que propôs a venda de praias do Brasil para enfrentar os dramas financeiros do País, é um despautério que não encontra nenhum amparo legal.

A Constituição Federal, assim como o Código Civil, proíbe a venda das faixas litorâneas. Tratam-se de bens de uso comum, de toda a população, e que não podem ser repassadas a um ente privado. A única possibilidade de venda possível é de imóveis que, respeitando todas as determinações legais, venham a ser oferecidos nas proximidades dessas áreas.

Paulo Guedes diz que a impossibilidade de vender praias brasileiras é um exemplo de "má gestão" do País

“Para que seja possível a venda de praias no Brasil, seria necessário alterar a Constituição Federal. As ilhas fluviais, praias marítimas, as ilhas oceânicas e as costeiras, os recursos naturais da plataforma continental, o mar territorial, os terrenos de marinha, são todos bens descritos como pertencentes à União pelo texto constitucional”, explica Luciana Lara, especialista em Direito Público e Ambiental e sócia do Lara Martins Advogados.

Nesta terça-feira, 27, ao participar do Flow Podcast, Paulo Guedes disse que o Brasil é “um caso clássico de má gestão”, porque não permite a venda de suas praias. “Tem trilhões de ativos mal-usados. Por exemplo, tem um grupo de fora que quer comprar uma praia numa região importante do Brasil e quer pagar US$ 1 bilhão. Aí você chega lá e pergunta: vem cá, vamos fazer um leilão dessa praia? Não, não pode. Por quê? Isso é da Marinha. E quanto é que a gente recebe por isso aí? A gente pinta lá o quartel deles uma vez por ano. Como é que pode um negócio desse? É muito mal gerido o troço. Não é de ninguém, quando é do governo não é de ninguém”, disse o ministro.

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Luciana Lara, que também é professora de Direito Público e Ambiental, diz que não se trata de questão de “má gestão”, mas de respeitar o que determina a lei. “Não é uma má gestão, mas sim uma impossibilidade normativa trazida pelo texto constitucional, com a finalidade de se preservar e conservar os recursos ambientais brasileiros. São bens de uso comum do povo e, dessa forma, são bens inalienáveis e impenhoráveis.”

A especialista explica que, naquelas situações em que o cidadão se depara com um aviso de “praia particular”, é preciso checar se, na realidade, se trata de um imóvel particular devidamente licenciado e autorizado para estar no local. Caso contrário, está infringindo a lei.

“Imóveis são bens particulares e há proteção à propriedade privada. Agora, não se pode restringir o acesso. Isso vai contra a lei. A fala do ministro foi mal colocada. Não é por conta de má gestão. Do ponto de vista normativo, a preservação está resguardada”, diz Lara.

A quase deserta praia de Itacarézinho, em Ilhéus (BA)

Interesse nas praias

A exploração das faixas litorâneas sempre esteve na mira do governo Jair Bolsonaro. No fim do ano passado, o Supremo Tribunal Federal (STF) derrubou, por unanimidade, a proposta do então ministro do Meio Ambiente Ricardo Salles, que pretendia dar fim a regras de proteção de manguezais e restingas, abrindo espaço para especulação imobiliária nas faixas litorâneas.

A ministra do STF Rosa Weber, hoje presidente da Corte, declarou, naquela ocasião, que “o Estado brasileiro tem o dever – imposto tanto pela Constituição da República quanto por tratados internacionais de que signatário – de manter política pública eficiente e efetiva de defesa e preservação do meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem como de preservar e restaurar os processos ecológicos essenciais”.

“Ao estabelecer parâmetros normativos definidores de áreas protegidas, o Poder Público está vinculado a fazê-lo de modo a manter a integridade dos atributos ecológicos que justificam a proteção desses espaços territoriais. A atuação positiva do Estado decorre do direito posto, não havendo espaço, em tema de direito fundamental, para atuação discricionária e voluntarista da Administração, sob pena, inclusive, em determinados casos, de responsabilização pessoal do agente público responsável pelo ato.”

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