Sem espaço para revisionismo golpista

Governo cometeu erro ao não se antecipar à crise com ex-chefe do GSI, mas não será possível escamotear DNA bolsonarista do 8 de janeiro

Por Vera Magalhães
O Globo

Ataque ao Planalto em 8 de janeiro 
Foto: Ton Molina/AFP

As imagens que mostram o general Gonçalves Dias, agora ex-ministro do Gabinete de Segurança Institucional da Presidência, perambulando meio atônito no Palácio do Planalto enquanto golpistas bolsonaristas depredavam e saqueavam a sede do Executivo levantam uma série de questionamentos relevantes, mas de forma alguma permitem reescrever a história recentíssima e perpetrar um revisionismo também delinquente a respeito do que houve em 8 de janeiro.

Nesse sentido, são precisas as medidas determinadas pelo ministro Alexandre de Moraes no âmbito dos dois inquéritos instaurados para apurar responsabilidades de quem depredou e de quem idealizou e financiou os ataques.

É também salutar, em tese, a realização de uma Comissão Parlamentar Mista de Inquérito (CPMI) para apurar todas as responsabilidades e matar no nascedouro a tentativa desonesta de criar uma narrativa segundo a qual passem a ser as instituições as responsáveis pela tentativa de um golpe de Estado — essa tentativa, aliás, começou no primeiro dia, o vídeo é só um novo instrumento para ela.

Moraes pediu o nome de todos os servidores, militares e civis, que aparecem nas imagens da invasão ao Planalto. Cirúrgico. Não é aceitável que se concentre em G. Dias o foco da descoberta relevante do vídeo e se “opte” por não divulgar os nomes dos demais militares presentes. Até porque não é o ex-ministro a ter a atitude mais amistosa com os invasores.

Investigar a fundo o que aconteceu no Planalto naquele dia é crucial, e o governo cometeu erro crasso ao não se antecipar a isso e ser pego vendido no lance quanto à presença e à atuação catatônica do ministro responsável pela inteligência e segurança do presidente da República no dia mais grave da vida nacional desde a redemocratização.

Grave também é a decisão de colocar as imagens sob sigilo, no mínimo porque faz letra morta da explicação mais usada pelo Executivo para dizer que a CPMI não seria necessária: que todas as investigações já vinham sendo feitas.

Daí a achar que G. Dias era um infiltrado colocado ali para permitir a devastação da Praça dos Três Poderes e tentar imputar falsamente a culpa aos bolsonaristas seria risível, se não fosse sórdido. Basta ver que essa tentativa de virada de mesa de narrativa chega no momento em que os golpistas bolsonaristas se tornarão réus, Jair Bolsonaro deporá na Polícia Federal, e um deputado do Republicanos apresenta uma inaceitável proposta de anistia para os vândalos de 8 de janeiro. Sem anistia. Que sejam todos investigados.

A CPMI é bem-vinda “em tese” porque, com a configuração de um Congresso composto de aloprados, existe a grande possibilidade de que vire palco para espetáculos lamentáveis como os que vêm ocorrendo na Câmara, puxados pelos extremistas bolsonaristas. Cabe ao governo ter inteligência na composição de seu lado e não cair na tentação de encher a comissão com seus próprios lacradores. Quem é governo tem de ter responsabilidade.

Por fim, este episódio tem de servir para oxigenar o GSI, que, pelo que se extrai de mais importante do vídeo, era um órgão impermeável à autoridade de um ministro perambulante quando a tentativa de golpe ocorreu.

Passados mais de três meses, caberá ao interino Ricardo Cappelli, que vai se especializando em intervir em áreas conflagradas, afastar os quadros avessos à autoridade do governo democraticamente eleito e redefinir as atribuições do órgão, hoje dispersas e fragmentadas, como ele próprio já detectou nas primeiras horas no comando.

Os militares terão lugar de destaque na CPMI. Entre eles, o conspirador certamente não era o general Gonçalves Dias, que não estava à altura do desafio de retomar o controle de tropas que foram por quatro anos inoculadas com o veneno do extremismo.

Vera Magalhães
Os principais fatos da política, do Judiciário e da economia.

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