Medidas eleitorais vão tirar R$ 281 bilhões do caixa dos governos em 2023

Por Adriana Fernandes e Anna Carolina Papp

Aumento de gastos e corte de impostos adotados pela gestão Bolsonaro e pelo Congresso devem reduzir o caixa da União, de Estados e de municípios no ano que vem e pressionar as contas públicas

BRASÍLIA - O próximo presidente da República vai receber o “tanque” do caixa do governo mais vazio em pelo menos R$ 178,2 bilhões com o efeito em 2023 das medidas adotadas pelo governo Jair Bolsonaro e pelo Congresso, a maior parte de olho nas eleições. A perda de recursos sobe para R$ 281,4 bilhões com a redução do caixa dos governadores e dos prefeitos com a desoneração permanente do ICMS dos combustíveis, energia, transporte e comunicações e do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI). Com a inclusão de um possível reajuste no salário dos servidores federais, o valor pode chegar a R$ 306,4 bilhões.

A fatura já apareceu na conta do Tesouro Nacional nos últimos dias depois que ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) suspenderam o pagamento de parcelas de dívidas dos Estados com a União para compensar a perda de arrecadação com a desoneração do ICMS. O movimento tende a crescer e assusta o Ministério da Economia com o risco de uma nova guerra nos tribunais.

O pacote consolida a perspectiva de uma espécie de “voo de galinha turbinado por um ciclo político-eleitoral” de expansão dos gastos públicos e de desoneração tributária, segundo o economista-sênior da consultoria LCA, Bráulio Borges, que calculou, a pedido do Estadão, os efeitos das medidas no primeiro ano do próximo governo. A ação é voltada para o estímulo do crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) no segundo semestre deste ano, quando os eleitores vão às urnas para escolher o próximo presidente, governadores, senadores e deputados.

Medidas

Borges incluiu na lista um gasto de R$ 25 bilhões, a partir de março de 2023, para o reajuste do salário dos servidores públicos de 10%, um porcentual de correção que não repõe nem metade da inflação acumulada de 25% prevista para o período de 2020 a 2022.

O reajuste salarial do funcionalismo é dado como certo depois do congelamento dos salários este ano e de o presidente Jair Bolsonaro voltar atrás na promessa de uma correção de 5%. O Ministério da Economia busca espaço no Orçamento de 2023 para incluir o reajuste no projeto da lei orçamentária. Apesar de não ser uma medida eleitoreira, o reajuste é uma conta extra para o novo governo.

Plenário do Senado; medidas vão afetar os caixas dos governos no próximo ano 
Foto: Jefferson Rudy/Agência Senado - 02/12/2021

Também está na lista um custo adicional de pelo menos R$ 60 bilhões para financiar em 2023 a permanência do piso de R$ 600 do benefício do Auxílio Brasil, medida que já foi antecipada pelos dois candidatos que lideram as pesquisas: Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e Bolsonaro (PL).

Mesmo esse valor de R$ 60 bilhões é considerado conservador diante da inclusão de um número maior de famílias no programa para zerar a fila. Na área econômica, técnicos admitem que o aumento do custo do Auxílio Brasil poderá chegar a R$ 70 bilhões, além do orçamento atual de R$ 89 bilhões.

O levantamento do esvaziamento do “tanque” de 2023 não inclui o impacto de medidas que estimulam o consumo e o crédito, como a liberação do FGTS, o financiamento às micro e pequenas empresas e o lançamento na próxima semana pelo presidente do empréstimo consignado aos beneficiários do Auxílio Brasil.

Os estímulos ao crédito, na prática, vão acabar “tirando” parte do “PIB” do próximo presidente. Ou seja, aumentando o crescimento de 2022 para um patamar em torno de 2%, mas diminuindo o resultado em 2023, quando os analistas projetam uma alta de cerca de 0,5%.”O ano de 2022 será bem melhor do que se imaginava há alguns meses atrás, mas muito às custas de 2023″, diz Borges.

Desancoragem

O economista destaca que está em curso um processo de desancoragem fiscal (perda da âncora que garante a sustentabilidade no futuro das contas públicas), com elevação do custo da dívida pública, que começou com o drible do teto de gastos (regra que trava o crescimento das despesas à variação da inflação do ano anterior) com a “pedalada” no pagamento de precatórios (sentenças judiciais) no ano passado.

A piora ganhou ainda mais corpo com a aprovação recente da Proposta de Emenda Constitucional (PEC) Kamikaze, que aumentou os benefícios sociais. “Hoje, do ponto de vista do investidor que financia o governo comprando títulos públicos, o que se observa é uma situação de desancoragem fiscal tal como estávamos nas vésperas da introdução do teto de gastos”, avalia.

Para Borges, o aumento do programa social, embora necessário, foi muito mal conduzido nos últimos dois anos, com viés eleitoreiro. Ele destaca que essa diferença não está “financiada” do ponto de vista da sustentabilidade fiscal.


O economista da LCA observa que a desoneração do ICMS, que ele chama de bondade com chapéu alheio, representará um “tremendo” choque de receita para os governos regionais, que terá que ser resolvido de alguma maneira porque pode acabar batendo na porta do governo federal, já que os governos regionais não têm capacidade de se endividar.

Ele destaca que o corte do IPI pelo governo federal também traz perda para os governos regionais. Dos R$ 27,4 bilhões de redução de receitas de IPI em 2023, R$ 11,2 bilhões seriam da União e o restante, R$ 16,2 bilhões, dos Estados e municípios.

Professor da Fundação Getúlio Vargas, Renato Fragelli avalia que, à medida que a popularidade de Bolsonaro foi caindo, o governo “mergulhou no populismo fiscal”. “Se aumenta despesa sem cortar de outro lugar, o governo deixa uma herança maldita para o próximo presidente”, afirma.

No “calor eleitoral”, nada está sendo efetivamente discutido. “O teto de gastos não é a única solução possível; só que é preciso saber o que virá no lugar. Mas, me parece que nenhuma das duas candidaturas à frente das pesquisas (Lula e Bolsonaro) parece ter uma proposta clara e consistente”, diz.

Fragelli afirma que diante de uma “avacalhação fiscal” o próximo presidente não poderá mais anunciar ajustes fiscais graduais, como o que foi proposto no governo Michel Temer. “O mercado não confia mais nessa conversa e vai exigir medidas de ajuste já para o curto prazo. Senão, o governo vai ter de continuar pagando juros altíssimos nos títulos públicos, que refletem essa desconfiança. Ninguém mais vai querer investir aqui.”

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