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Lula se torna o presidente que mais liberou emendas parlamentares em um único mês

Lula durante cerimônia de lançamento do novo Programa de Aceleração do Crescimento (PAC)
 no Theatro Municipal, no centro do Rio 
Foto: Pedro Kirilos/Estadão

Liberação inclui valor recorde de emendas PIX, recursos sem transparência, e ocorre no mesmo mês em que governo bloqueou recursos da educação e do Auxílio Gás

Por Daniel Weterman

BRASÍLIA - Luiz Inácio Lula da Silva se tornou o presidente que mais liberou emendas parlamentares em um único mês na história. O recorde foi batido em julho, quando o governo destinou R$ 11,8 bilhões para Estados e municípios por indicação de deputados e senadores.

Em nenhum período anterior houve uma liberação nesse montante em 30 dias, conforme levantamento da Associação Contas Abertas com dados do Siga Brasil, sistema do Senado Federal, ao qual o Estadão teve acesso. O governo é obrigado a destinar os recursos obedecendo a escolha do parlamentar, mas o momento da liberação fica sob controle do Executivo.

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Emendas empenhadas

DE 2019 ATÉ 16/8/2023 - EM BILHÕES DE REAIS

11,8

11,3

10,25

3,91

1,72

0,815

16/AGO

JAN/

19

DEZ

JAN/

20

DEZ

JAN/

21

DEZ

JAN/

22

DEZ

JAN/

23

AGO

BOLSONARO

LULA

Total até julho

Total do ano

35,4

33,39

EM BILHÕES DE REAIS

EM BILHÕES DE REAIS

25,45

21,93

20,27

19,4

18,5

12,97

10,9

4,81

2019

2020

2021

2022

2023

2019

2020

2021

2022

2023

OBS.: EM ANOS ANTERIORES A 2019, OS VALORES DE EMPENHOS MENSAIS E ANUAIS SÃO INFERIORES AO VALOR DE JULHO DE 2023

Fonte
Siga Brasil. Elaboração: Associação Contas abertas
No mesmo mês em que bateu o recorde de emendas, o Executivo bloqueou recursos da educação básica, da alfabetização de crianças, do Auxílio Gás e da Farmácia Popular, como revelou o Estadão. Ou seja, blindou o dinheiro de maior interesse dos parlamentares e cortou em outras áreas.

O que explica o valor recorde? As emendas crescem ano a ano. Por trás da liberação bilionária, está uma fatura da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) da Transição, aprovada em dezembro, antes de Lula tomar posse, mas negociada pela equipe do petista na transição. Com a extinção do orçamento secreto, esquema revelado pelo Estadão, pelo Supremo Tribunal Federal (STF), parte do dinheiro turbinou as emendas individuais, aquelas indicadas por cada deputado e senador.

A manobra provocou o aumento de outro tipo de recurso, ainda mais nebuloso, as emendas Pix, também reveladas pelo Estadão. De toda a liberação que ocorreu em julho, R$ 6,4 bilhões dizem respeito a esse tipo de transferência, destinados durante a votação da reforma tributária na Câmara.

O dinheiro da emenda Pix não fica carimbado para nenhuma despesa específica e não há fiscalização nem prestação de contas. Na prática, a sociedade brasileira não sabe onde vai ser gasta a maior parte das emendas liberadas pelo Poder Executivo no último mês e o dinheiro é aplicado sem justificativa técnica. O prefeito, por exemplo, pode usar o dinheiro para construir uma praça sendo que a cidade precisa de escola. Além disso, vários parlamentares privilegiam prefeitos do mesmo partido e parentes.

Em Carapicuíba, na Região Metropolitana de São Paulo, cidade que mais recebeu emenda Pix nos últimos três anos, a prefeitura pagou mais caro por asfalto, reforma de praça e até na compra de carrossel de brinquedo, enquanto deixou cinco escolas com obras paradas, conforme revelou o Estadão.

Durante a campanha, Lula atacou frequentemente o orçamento secreto criado pelo governo Bolsonaro e a falta de transparência no encaminhamento do dinheiro a parlamentares. Mesmo depois de eleito, Lula chegou a afirmar que emendas não deveriam ser “secretas”. “Todo mundo sabe o que eu penso de emenda parlamentar. Eu fui deputado constituinte e eu sempre achei a emenda do deputado é importante, o que não precisa é ser secreta”, afirmou em dezembro, durante coletiva em que anunciou os primeiros ministros que ocupariam cargos em seu governo.

A Secretaria de Relações Institucionais da Presidência da República afirmou que ”não existe voluntariedade na liberação de emendas parlamentares, existe apenas o cumprimento dos prazos estipulados em lei”. Além disso, o governo alegou que efetuou bloqueios em algumas despesas da máquina pública para cumprir o teto de gastos e que a legislação não permite adotar o corte em emendas impositivas.

Centrão só inicia conversa com o governo após emendas liberadas

Nos bastidores do Congresso, o recado passado para Lula é o seguinte: as emendas são tidas como “propriedade” dos parlamentares por serem “impositivas”. Então, o Executivo é pressionado a liberar o quanto antes. Só a partir daí é que o Centrão se dispõe a negociar uma agenda de propostas e votar projetos de interesse do Palácio do Planalto.

No total, o bolo de julho é composto por R$ 8,4 bilhões em emendas individuais de deputados e senadores, R$ 3,3 bilhões de bancadas estaduais e R$ 124 milhões de comissões da Câmara e do Senado. Esse é o valor reservado e garantido. O pagamento, que é a transferência efetiva na conta dos Estados e municípios, deve ocorrer até o fim do ano.

Os repasses, no entanto, não são suficientes para o governo construir uma base de apoio sólida no Congresso. Os parlamentares exigem cargos e mais ministérios. E ainda dizem que, a cada nova agenda que o Planalto quiser emplacar, mais concessões terão de ser feitas. O presidente do União Brasil, deputado Luciano Bivar (PE), resumiu recentemente como isso vai funcionar: “voto a voto, projeto a projeto”.

Emendas para a saúde não respeitam critérios do SUS, mas escolha dos parlamentares

De todas as emendas de julho, R$ 4,4 bilhões foram liberados pelo Ministério da Saúde. O governo tenta convencer o Centrão que não é preciso trocar o comando da pasta, antes cobiçada pelo PP, para que o dinheiro continue rodando. O repasse deve ir para postos de saúde e hospitais. O critério de municípios beneficiados, no entanto, não é do Sistema Único de Saúde (SUS) nem considera quem mais precisa, mas respeita exclusivamente a escolha dos parlamentares.

“Não faria nenhuma diferença se quem orientasse a programação fosse o Legislativo ou o Executivo, desde que isso estivesse alinhado a critérios socioeconômicos e outros critérios técnicos. Como isso não acontece, os parlamentares indicam conforme o interesse pessoal e político e não guardam relação com o que seria necessário”, diz o secretário-geral da Associação Contas Abertas, Gil Castello Branco.

O Ministério da Saúde respondeu à reportagem que o empenho das emendas “segue fluxo que independe do calendário Legislativo” e que todas devem ser liberadas ao longo do ano, desde que não tenham impedimentos técnicos.
"Não faria nenhuma diferença se quem orientasse a programação fosse o Legislativo ou o Executivo, desde que isso estivesse alinhado a critérios socioeconômicos e outros critérios técnicos".
          Gil Castello Branco, secretário-geral da Associação Contas Abertas

O Congresso se movimenta para aumentar ainda mais os valores de emendas parlamentares a partir do ano que vem e impor um cronograma obrigatório de pagamentos desses recursos, o que não existe atualmente. Além disso, os parlamentares querem dar um tratamento impositivo para todo e qualquer recurso apadrinhado por deputados e senadores, incluindo aquelas que não são impositivas e as verbas do antigo orçamento secreto, que ficaram sob controle dos ministérios.

As “pegadinhas” devem entrar no relatório da Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) de 2024, em tramitação no Legislativo, e na prática devem aumentar ainda mais o poder do Congresso sobre o Orçamento, sob o risco de diminuir a transparência e o planejamento. “Cada vez que o Legislativo amplia sua ação sobre o Orçamento, estamos piorando a qualidade do gasto porque deixa de ser um gasto elaborado mais tecnicamente para ser um baseado em critérios políticos”, afirma Castello Branco.

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