Sensação de bem-estar com alta do PIB deve começar a se espalhar, dizem analistas

Cesta básica deve ficar mais barata devido à supersafra agrícola; inflação, desemprego e endividamento, porém, ainda afetam os mais pobres

Por Cristiane Barbieri

Restrita às regiões do agronegócio, a sensação de bem-estar criada pelo crescimento da economia tende a começar a se espalhar pelo resto do País nos próximos meses, segundo economistas. Provocado por um evento inesperado e que não se repetirá — a supersafra agrícola, que teve peso superior a 20% na alta do PIB —, o movimento deve se refletir na popularidade do governo, caso não haja turbulências extras.

“Entre meados de 2023 e 2025, vamos ter um processo de barateamento da cesta básica, que vai gerar uma percepção generalizada de melhoria no bem-estar”, diz Samuel Pessôa, professor e pesquisador do Ibre-FGV.

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“Ao contrário da indústria extrativa mineral, cuja geração de riqueza fica concentrada nas empresas, o agro multiplica os ganhos com toda economia, além de ter o efeito de derrubar o preço da comida: com a soja mais barata, caem os preços da ração e, por consequência, do leite, da carne e dos ovos. As outras culturas também se multiplicam e beneficiam a situação no resto do País”, afirma.

Por enquanto, a percepção de uma vida mais fácil está longe das grandes cidades. Apesar de estar em desaceleração, a inflação continua pesando no orçamento das famílias, principalmente das mais pobres, diz Alessandra Ribeiro, sócia da Tendências Consultoria.

Em relação ao desemprego, o impacto é similar: mesmo em queda, continua afetando mais o trabalhador menos qualificado e de menor renda. “Ainda são efeitos da pandemia e da guerra na Ucrânia”, diz ela. “Se, no momento mais dramático das restrições à circulação, os bancos renegociaram dívidas para evitar a inadimplência, agora a conta chegou.”

Levantamento da Tendências, que inclui os parcelamentos do cartão de crédito na dívida das famílias, mostra que o comprometimento da renda está num porcentual bem mais alto do que no pré-pandemia. Ele supera os 28%, contra 24% do período pré-covid. “Nas grandes cidades, o acesso a crédito é mais fácil e, portanto, o endividamento tende a ser maior”, diz ela.

Trabalhador de menor renda tem tido mais dificuldades para se reinserir no mercado de trabalho formal Foto: NILTON FUKUDA / ESTADÃO

Por outro lado, há um fator inédito nesta crise: com a fintechização do setor financeiro dos últimos anos, hoje o devedor tem contas atrasadas com mais estabelecimentos. Em média, as pessoas inadimplentes estão em débito em 11 lugares diferentes, contra a média histórica de três, segundo a empresa especializada na recuperação de créditos vencidos MGC Holding.

Isso acontece quando o devedor acumula faturas não pagas de cartões de crédito, empréstimos bancários, boletos de água, luz, internet, escola, plano de saúde, comércio, bem como bancos, cartões e empresas digitais.

Nas regiões do agronegócio, a riqueza que nasce da terra criou uma realidade menos tensa. “É como se fossem dois Brasis”, diz Sergio Vale, economista-chefe da MB Associados. “Um do agro, que cresce com mais força, e outro que tem peso maior da indústria e de serviços — e continua patinando.”

O mais recente relatório de economia bancária do Banco Central, por exemplo, mostra que a inadimplência com operações de crédito das pessoas físicas passou de 2,9% para 3,9% no Brasil, entre 2020 e 2022.

Mas, enquanto na região Sudeste o indicador ficou em 4,1% no ano passado, no Centro-Oeste ele estava em 2,8%. “Enquanto na maior parte do País a população está emparedada e com dificuldade de pagar as contas, com renda e emprego que não crescem, no Centro-Oeste a situação é oposta”, diz Vale.

Para os economistas, os efeitos benéficos do crescimento do agronegócio, somados a melhorias estruturais da economia, tendem a espalhar a sensação de bem-estar a partir de agora. “Com a perspectiva de aprovação de marcos importantes, como o das garantias (que permitirá a redução do spread bancário) e a reforma tributária, bem como a tendência de quedas nos juros e de entrada de mais recursos provenientes do exterior, devemos fechar o ano com uma chave diferente da que começou, bem mais positiva”, diz Vale.

Ribeiro, da Tendências, diz ainda que a dinâmica do mercado de trabalho começa a melhorar, com resiliência maior na criação dos postos formais. Já a inflação das famílias, que rodava na casa dos 5% no pré-pandemia, deverá ficar em torno de 2,5%. “Depois de anos de inflação muito forte, será um alívio”, diz ela.

Outra mudança positiva é a massa de renda das famílias beneficiárias de programas sociais, atualmente no melhor patamar, que tem peso grande no consumo.

Nem todos, porém, têm a mesma visão. Para Otto Nogami, professor do Insper, após o período de safra, a economia voltará à normalidade — ou seja, um cenário ruim, no qual o comércio e a indústria continuarão estagnados.

Políticas públicas, como o subsídio à venda de carros populares e o Desenrola, que pretende reduzir o endividamento, terão efeitos marginais. “São medidas paliativas, com o objetivo de curto prazo”, afirma. “O setor produtivo tem investido menos do que o necessário para sustentar o processo de crescimento continuado e há necessidade de poupança que medidas de estímulo ao consumo destroem.”

Mesmo assim, a maioria dos especialistas diz que, com os movimentos mais recentes, a tendência de melhora no cenário pode ter efeito similar da popularidade do governo nos próximos meses.

“O pior momento, em relação à inflação, às restrições ao crédito e aos juros altos estão ficando para trás, o que deve se refletir em uma melhora da percepção do governo”, diz Ribeiro. “A população de baixa renda e a classe média devem ficar mais felizes com o cenário e premiá-lo.”

Para Pessôa, por ter sido um evento único e inesperado, a safra recorde foi um golpe de sorte para a gestão Lula. “Mas é melhor morar num País em que o presidente tenha sorte, do que o contrário”, brinca. “Agora é só saber fazer o jogo da política.”

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