É possível progredir sem degradar

Propostas como a da rede Uma Concertação pela Amazônia, que defende conciliar preservação ambiental e desenvolvimento econômico, devem ser apoiadas pela sociedade

Notas&Informações, O Estado de S.Paulo

O Brasil tem pela frente um desafio urgente e gigantesco: preservar a Amazônia ao mesmo tempo que promove o desenvolvimento econômico da região, melhorando as condições de vida das populações locais e além. A tarefa demanda iniciativas nas mais variadas áreas e se desdobra em uma infinidade de ações. Tudo sob a sombra da escalada das mudanças climáticas e do desmonte das políticas de proteção ambiental no governo de Jair Bolsonaro. Por isso, são especialmente importantes iniciativas como a da rede Uma Concertação pela Amazônia, que formulou um modelo de governança que incentive as atividades econômicas que valorizem a floresta em pé.

A ideia da rede, apresentada em parceria com o Estadão e com a Rede de Ação Política pela Sustentabilidade (Raps) no dia 26 de outubro, é subsidiar autoridades e governos nos inadiáveis debates sobre como preservar a Amazônia sem deixar de explorar suas riquezas.

O documento, que pode ser consultado no site concertacaoamazonia.com.br, faz propostas para os cem primeiros dias de atuação do próximo governo federal, bem como dos futuros governadores e do Congresso Nacional. Não por acaso, o título do documento − 100 primeiros dias de governo: propostas para uma agenda integrada das Amazônias − se refere à Amazônia no plural. A maior floresta tropical do planeta contém realidades e desafios de toda ordem. A face mais visível do problema, que aparece nas fotos de satélite para o mundo todo, é a devastação ambiental que se acelerou nos últimos anos até mesmo em terras indígenas e em unidades de conservação. A região convive também com alguns dos piores indicadores socioeconômicos do País.

Para fazer frente a tal situação, o documento defende um novo modelo de governança. Propõe, entre 14 sugestões, a criação de uma Secretaria de Estado de Emergências Climáticas vinculada à Presidência da República. Seria um gesto simbólico significativo para demonstrar preocupação efetiva com o tema, maltratado no atual governo.

O alcance do projeto pode ser aferido pela diversidade de especialistas que participaram dos debates. Além do meio ambiente, trabalharam pesquisadores de educação, saúde e segurança pública, além de políticos, incluindo dois ex-governadores, e representantes do Ministério Público e do terceiro setor. Quase todos constataram que o Estado brasileiro deve se fazer mais presente na região, como condição indispensável para a implementação de qualquer projeto de desenvolvimento.

Como bem descreveu o pesquisador e cofundador do Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia (Imazon) Beto Verissimo, a Amazônia tem hoje, sob o ponto de vista ambiental, áreas já quase inteiramente desmatadas, outras sob pressão de pecuaristas, onde a floresta cede terreno a pastagens e onde há a presença do crime organizado, e, por fim, territórios com cobertura nativa preservada. Logo, é de esperar que as estratégias adotadas pelo poder público variem conforme cada cenário, mesclando ações de reflorestamento, de regularização fundiária, de fiscalização e de incentivo a atividades que tirem proveito do potencial econômico da floresta, sem derrubá-la. Uma sugestão de Verissimo e de outros participantes demanda mais investimentos em internet. Ou seja: tão ou mais importantes que as estradas de rodagem são as infovias para conectar as populações amazônicas às possibilidades da economia digital, da telemedicina e da educação.

No que diz respeito à violência, o diretor-presidente do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, Renato Sérgio de Lima, apontou o baixo número de delegados e peritos nas polícias civis dos Estados amazônicos como entrave para o efetivo combate à criminalidade. Já a presidente do Instituto Igarapé, Ilona Szabó, destacou que os crimes ambientais fazem parte de um ecossistema de ilegalidades e violações com tentáculos dentro e fora da floresta.

Ou seja, não se pode pensar em preservar a Amazônia sem considerar que a floresta afeta regiões do País e do mundo bem distantes dela. E, sobretudo, não se pode planejar ações de defesa daquele bioma se as iniciativas de preservação ambiental continuarem a ser vistas como obstáculo ao desenvolvimento. Como mostra a rede Uma Concertação pela Amazônia, progresso e preservação não são excludentes.

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

Em novo caso de nudez, corredora sai pelada em Porto Alegre

Multinacional portuguesa Politejo vai instalar nova fábrica em Pernambuco

Foragido que fez cirurgia e mudou de identidade é preso comprando casa na praia