Inacreditável! Mas é o Brasil!

Por José Renato Nalini*
Estadão

José Renato Nalini. FOTO: WERTHER SANTANA/ESTADÃO

Não estivéssemos no Brasil, este laboratório antropológico onde convivem as realidades mais antípodas, muitas delas surreais, e não se acreditaria que o orçamento viesse a contemplar com tamanha generosidade o famigerado Fundo Eleitoral.

Numa Pátria em que seus filhos passam fome, atacam os caminhões de ossos, reviram lixões, suportam filas de pronto atendimento pela condição famélica, esta República cega e surda reserva quase seis bilhões de reais para sustentar partidos políticos.

Uma instituição superada. Troca-se de partido como se troca de camisa, após o suor deste verão escaldante. Cada vez mais quente, em virtude do desmatamento e da emissão acelerada de gases venenosos, causadores do efeito estufa.

A falência da Democracia Representativa é uma constatação que até criança consegue detectar. Quem se considera representado no Parlamento e no Executivo? Quem se identifica com o político profissional, aquele que só pensa em eleição e na matriz da pestilência chamada reeleição?

A profusão de partidos é uma das táticas cruéis de carrear dinheiro cada vez mais escasso, pois escassa é a produtividade, encalhada na falta de pesquisa, na extrema deficiência de uma educação de baixa qualidade, no sucateamento da indústria tupiniquim. A história mostra que alguns “líderes”, presidentes de partidos nanicos, viveram e se fartaram com recursos extraídos dos espoliados. É um truísmo, porém não merece comentário.

Os cérebros emigram para a civilização, onde ciência e pesquisa têm lugar e preferência. Aqui permanecem os que não têm condições de sair do atoleiro. Tudo aquilo que poderia ter sido feito para que o Brasil deixasse o pântano do obscurantismo, do atraso, da ignorância, deixou de ser realizado. O enxugamento do Estado é uma lenda. O único assunto é eleição, é empolgar o poder, para saquear ainda mais a combalida e recessiva economia que já foi uma das maiores do planeta.

Os privilegiados da sorte continuam bem, não querem qualquer mudança. Os subsídios para a empresa automobilística, em detrimento das ferrovias, que já foram modelo de eficiência num país que mal iniciava sua industrialização, continuam como fantasmas medievais.

Criam-se tribunais desnecessários, enquanto não se tem coragem – e nem se pretende, é óbvio – submeter o sistema Justiça à profunda reforma estrutural que ainda não se fez.

O Estado vai crescendo em todos os quadrantes. O festival de criação de municípios garante currais eleitorais para aqueles que sabem se valer da submissão ignorante dos que cortejam o poder, qualquer que ele seja.

Enquanto isso, hostiliza-se um país que deu certo, confundindo sucesso tecnológico e científico e ideologia fanática. Fanática e fanatizante, pois não se quer ouvir argumento contrário, nem enxergar a verdade. É a teima absurda e inquebrantável dos abduzidos por uma contaminação para a qual ainda não existe vacina.

Enquanto se polarizam antagonismos que não conseguem dialogar, falta saúde, saneamento básico, acesso ao mundo web, trabalho, moradia, transporte e, principalmente, o bem supremo: a educação de verdade.

Em lugar de Democracia Representativa, que a nada e a ninguém representa, em lugar de quase quarenta “partidos”, muitos deles esfacelados, em lugar da comedeira do dinheiro do povo, o projeto brasileiro deveria ser a educação de qualidade. Direito de todos, a qualquer tempo. Formal e informal. Mas educação para a vida, não a decoreba inútil que cria legiões de analfabetos funcionais, abandonados à margem do consumismo perverso, desprovidos de perspectiva, na rabeira da existência indigna e tosca.

Povo educado não aguentaria os desaforos seguidamente impostos à Nação, por aqueles que a saqueiam.

Só com educação, que só tem servido para palanque eleiçoeiro, se chegará à Democracia Participativa. E o povo será, de verdade, integrado por cidadãos.

*José Renato Nalini é reitor da Uniregistral, docente da pós-graduação da Uninove e presidente da Academia Paulista de Letras – 2021-2022

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