E quando o autor das facadas é um playboy?

Redação Pragmatismo


Um personagem é forte, alto, rico, tem oito passagens pela polícia por lesão corporal, invasão de domicilio e confessou um crime. O outro é baixo, negro, franzino, tem passagens por roubo, uso de drogas e negou um crime. Leia a comparação do comportamento de mídia, polícia e redes sociais entre os dois casos

Jose Phillipe Ribeiro de Castro (divulgação)

Um personagem tem 28 anos, é alto, forte, e conta oito passagens pela polícia por lesão corporal, invasão de domicilio e constrangimento ilegal, sendo conhecido por seu temperamento violento. No último sábado (6), na Gávea (RJ), portando um saca-rolha, ele perfurou três vezes o peito de Ana Carolina Romeiro, 21 anos, que está desde então em uma UTI, lutando pela vida. O noivo da moça, Gabriel Silva, que tentou defendê-la do ataque, teve a orelha decepada pelo agressor, e também está internado.

A delegada responsável pelo caso disse que o acusado, que confessou o crime mas alega apenas ter se defendido, “precisa responder por isso, não importa a sua classe social”.


Uns e outros

Outro personagem tem 16 anos, é baixo, franzino e com 15 passagens por roubo, furto e uso de drogas. No dia 21 de maio ele foi apreendido, acusado de ter assassinado a facadas, dois dias antes, o médico Jaime Gold, de 57 anos, na Lagoa, Rio de Janeiro.

O menor negou o crime. Disse que estava em casa, na favela de Manguinhos, quando aconteceu o assassinato. O delegado responsável declarou, no momento da prisão: “duas coisas me chamaram a atenção nesse caso. A frieza do adolescente infrator e a forma covarde, sem nenhum sentimento pelo outro ser humano (como ele agiu) ”.

No dia 02 de junho, outro menor se apresentou à polícia, confessou a participação no crime e inocentou o primeiro menor de qualquer culpa. Abaixo, na foto da esquerda vemos a polícia conduzindo o morador de Manguinhos. Na foto da direita vemos a mesma polícia conduzindo José Phillippe Ribeiro de Castro (o do saca-rolha). Segundo o jornal O Globo, ele é de uma família “que é dona de uma usina de açúcar e faz negócios no ramo da pecuária e no mercado financeiro”. O escritório de advocacia “Bergher & Mattos”, está defendendo Phillippe e já anunciou que irá “recorrer à justiça para tentar libertá-lo logo”.

A sentença nas redes sociais

A tragédia que vitimou o médico Jaime Gold teve ampla repercussão midiática. Seu caso foi usado como argumento para defender a redução da maioridade penal. Quando o primeiro menor acusado do crime foi preso, inundou-se a rede com fartos exemplos de ódio e intolerância, suficientes para nausear o estômago de um tiranossauro. Um internauta postou no facebook: “Este menor foi apreendido. Deveria ter sido morto”. A hashtag deste cidadão é #balaneles. Ele mesmo comenta, sobre os menores infratores: “essas sementes do mal precisam ser eliminadas”. Uma cidadã afirma, também no facebook, que os pais são os culpados: “Os pais que querem transar, que se protejam para não colocarem esses vermes entre nós”.

Os autores destas declarações são cristãos. Ficaram indignados com a parada gay e o “desrespeito” à imagem do “Salvador”. O “Salvador” em questão teria ensinado aos seus seguidores o amor ao próximo e, segundo reza a lenda, tinha tanta repugnância pela violência que, se agredido, o fiel deveria oferecer a outra face. Mas afinal, esta orientação só valeria para pessoas como o playboy da Gávea que, pelo perfil, deve ter participado das marchas contra a corrupção, em defesa da meritocracia e, se bobear, antes de dormir, reza pedindo sempre a benção de Deus e, portanto, merece a misericórdia divina, afinal, quem mora em Manguinhos, já está acostumado com o inferno.

Leia abaixo o texto de Lele Teles sobre os episódios:

Uma imagem, mil palavras.

Rio de Janeiro.

Dois crimes cometidos com arma branca. Duas detenções e dois brasis.

O garoto da esquerda tem 16 anos, é morador de Manguinhos, uma favela. Foi acusado de ter matado, a facadas, um médico na Lagoa Rodrigo de Freitas.

Como se tratava de pobre matando rico, houve comoção nacional.

O garoto negou o crime. Mesmo assim, teve as mãos algemadas, para trás, e foi escoltado por três marmanjos, dois deles o erguiam pelo colarinho, aplicando uma força desnecessária e cruel.

O espetáculo visava, apenas, humilhar o detido.

Inocente, diga-se.

O da direita é bandido, confesso, tem 28 anos, é branco e rico. E isso muda tudo.

Veja como ele é conduzido pelo policial. O agente toca no braço do bandido com suave delicadeza.

Parece constrangido por ter que fazer o seu trabalho.

O garotão, um homem de bens, tem oito passagens pela polícia por lesão corporal, invasão de domicílio e constrangimento ilegal.

Tem fama de ser violento.

No sábado, o garotão, de nome José Philipe Ribeiro de Castro, foi preso por atingir uma jovem, de 21 anos, com três golpes de saca-rolha na altura do peito.

A moça está na UTI.

O noivo tentou defendê-la e teve a orelha decepada por José Phillipe, o garotão.

O crime aconteceu neste sábado, na Gávea.

O jornal O Globo informa que a família do garotão é “dona de uma usina de açúcar e faz negócios no ramo da pecuária e no mercado financeiro.”

Ele está sendo atendido por um famoso escritório de advocacia.

Ninguém até agora o chamou de monstro insensível, ninguém pediu a sua morte, como pediram a do garoto pobre.
Nada de Sheherazades.

A criminalização da pobreza, o ódio e o desprezo pelos pobres é uma estratégia dos homens de bens. É uma forma de manterem os seus privilégios e continuarem sendo violentos, arrogantes e hipócritas, sem serem incomodados.

A estratégia é mostrar que violento é sempre o outro. Tanto é que “homens de bens” virou sinônimo de “homens de bem”.

Nunca vamos assistir ao linchamento de um bandido branco e rico, porque para esse sempre haverá um psicólogo a justificar suas diabruras, uma mídia amiga e uma sociedade pronta a passar a mão na sua cabeça.

Quando o poderoso Thor atropelou um homem pobre com a sua máquina fetiche, havia muita gente disposta a acreditar que o ciclista é que tinha atropelado a Mercedez.

Mesmo os pobres fizeram graça com o crime de Thor, nada de ódio.

Assim como as crianças ricas são educadas para dar ordens e desprezar os pobres; os pobres foram ensinados a ser condescendentes com os ricos.

A morte do médico, na Lagoa, mobilizou jornais e revistas, e mobilizou a burguesia que pedia punição exemplar e cana dura para todo adolescente pobre que cometer um crime.

Mas até agora, nem um julgamento moral sobre Phillipe.

Os advogados disseram que já estão trabalhando para libertá-lo.

No episódio da Lagoa, Big Foot, o governador midiático, resolveu proibir que até vendedor de laranja ande com uma faca.

Resta saber se agora vão proibir, também, o uso de saca-rolhas em casa de vinhos.

Palavra da salvação.

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