Alfabetização midiática: uma necessidade para combater a ameaça da desinformação

Alfabetizar midiaticamente é garantir participação democrática, pluralidade de ideias e inclusão digital

Lúcio Bernardo Jr/Agência Brasilia

Por Iago Filgueiras*
ICL Notícias

É muito provável que, em algum momento do seu dia, você se relacione com alguns dos diversos dispositivos midiáticos. Seja pelo rádio, televisão, celular ou computador, parece que a todo momento estamos sendo bombardeados com informações. No entanto, parece que nunca foi tão difícil lutar contra a desinformação.

A popularização das fake news no ambiente digital, faz parecer que não interagir de forma crítica com os conteúdos informativos é um problema recente. Mas não é bem assim e a falta de alfabetização midiática é um problema que tem nos acompanhado há algum tempo.

Em 1938, parte da população dos Estados Unidos enfrentou um momento de pânico. O motivo: alienígenas estavam invadindo nosso planeta. Parece absurdo? Mas para quem ouvia o ator Orson Welles narrar o romance A Guerra dos Mundos na Rádio CBS, era muito real. O problema é que muita gente não entendeu que a narração não se referia a um fato real.

Curiosamente, a falta de entendimento crítico na relação com as mídias permanece. Mas com a popularização da internet, ela ganha novas nuances. A questão é: você acha que tem as habilidades necessárias para consumir essas informações de forma crítica, produzir conteúdos com responsabilidade ou interagir com o ambiente informacional e midiático de forma consciente?

O objetivo da alfabetização midiática é te dar as ferramentas para isso.

Afinal, o que é alfabetização midiática?

Mais especificamente, alfabetização midiática e informacional (AMI), é uma prática que entende a alfabetização como um processo de aquisição de competências relacionados aos mais diversos aspectos da era digital — do acesso a notícias ao uso do computador e das redes sociais.

Segundo a Unesco, a AMI pode ser entendida como um conceito composto, abrangendo habilidades, conhecimentos e atitudes que possibilitem aos cidadãos compreender o papel das mídias nas sociedades democráticas, reconhecer suas próprias necessidades informacionais, localizar e avaliar conteúdos com senso crítico, organizar e comunicar informações de forma ética e responsável, além de usar tecnologias para produzir e compartilhar conteúdos.

Mais do que uma competência técnica, a AMI fortalece a liberdade de expressão, o diálogo intercultural e a participação democrática, protegendo o pluralismo e a diversidade cultural. Isso é especialmente importante em um contexto onde o acesso à informação é cada vez mais fácil, mas a desinformação também ganha espaço e o potencial nocivo dela se manifesta dia após dia.
A alfabetização midiática compreende o processo de aquisição de competências relacionados aos mais diversos aspectos da era digital, oferecendo maior autonomia e criticidade para o consumo, compartilhamento e produção de informações.
 Imagem: Freepik

A era da informação: sobram dados, faltam certezas

Na era da informação, o conhecimento está a um clique, um canal de TV ou uma estação de rádio de distância. Todos os dias, a nossa sociedade gera mais de 2,5 quintilhões de dados ao navegar pela internet. Se fossemos armazená-los em CDs, e colocássemos um sob o outro, seria possível percorrer ⅓ do diâmetro da Terra.

Segundo a pesquisa Inside Audio 2024, 79% dos brasileiros ouvem rádio diariamente e o tempo médio dedicado ao meio é de 3 horas e 55 minutos. Outro estudo apontou que, em 2023, 68% dos brasileiros assistiram à TV aberta por mais de cinco horas por dia. Já em relação ao uso do celular, o tempo que passamos em frente às telas do aparelho chega a mais de 9 horas diárias.

Ou seja, passamos o dia todo expostos a informações. Frequentemente em mais de um meio de comunicação ao mesmo tempo. À primeira vista, isso poderia indicar que estamos mais informados do que nunca. Mas a realidade é outra.

O panorama da (des)informação

Uma pesquisa do Instituto Locomotiva revelou que quase 90% dos brasileiros já acreditaram em uma fake news. Somado a isso, a OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico) destacou que, entre 21 países analisados, os brasileiros são os piores em identificar notícias falsas. Nós acertamos apenas 60% dos casos.

Um estudo realizado pelo Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT, na sigla em inglês) analisou 126 mil mensagens publicadas no antigo Twitter (atual X) entre 2006 e 2017. A conclusão: as mensagens falsas tem 70% mais chances de serem retransmitidas.

Segundo pesquisas, quatro a cada dez brasileiros recebem notícias falsas diariamente.
 Foto: Pedro França/Agência Senado

É possível perceber que esse impacto da falta de alfabetização midiática ganhou ainda mais força com a ampliação do acesso à internet e às redes sociais. Por exemplo, no Brasil, mais de 147 milhões de pessoas usam o aplicativo de mensagens WhatsApp para se comunicar. Durante a pandemia da Covid-19, a Fiocruz (Fundação Oswaldo Cruz) apontou que a ferramenta foi responsável pela disseminação de 73,7% das informações falsas sobre o vírus.

Aliado a isso, temos outro fato relevante. Segundo o Atlas da Notícia, cinco em cada dez municípios brasileiros vivem em desertos de notícias, sem veículos jornalísticos locais. Ou seja, em muitos lugares, além do boca a boca, as redes sociais são uma ferramenta importante para se informar sobre a realidade local.

Os impactos reais da falta de alfabetização midiática

Em 2022, o Poynter Institute apontou que quatro em cada dez brasileiros afirmam receber notícias falsas todos os dias. Por outro lado, segundo a pesquisa TIC Domicílios 2024, apenas 52% dos usuários de internet usaram a ferramenta para verificar se uma informação recebida era verdadeira.

O pesquisador e doutor em linguística pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), José Elderson de Souza Santos, avaliou o impacto das notícias falsas no contexto da pandemia da Covid-19. Ele as caracterizou como textos que matam — textos feitos com o potencial de levar as pessoas à morte, seja simbólica ou material.

Durante a pandemia da Covid-19, diversas organizações se mobilizaram para frear o impacto das fake news sobre a disseminação do vírus. Em muitos países, agentes do próprio Estado colaborar para a proliferação das notícias falsas. 
Foto: Ocha/Gema Cortes/ONU

Em 2014, Fabiane Maria de Jesus, moradora do Guarujá, no litoral paulista, foi espancada até a morte enquanto caminhava até a igreja que frequentava. A mulher foi vítima de uma notícia falsa postada no Facebook, que a confundia com uma suposta sequestradora de crianças.

No Território do Bem, região composta por nove bairros na periferia de Vitórias (ES) e marcado por altos índices de violência, mais de 76% das 31 mil pessoas que vivem na região disseram já ter recebido notícias falsas, principalmente sobre temas relacionados à segurança pública, política e saúde. Desse total, 25% já mudaram comportamentos por conta de fake news.

Ou seja, a alfabetização midiática não é apenas um detalhe, é um processo indispensável para o exercício da cidadania. Em um momento em que 81% dos brasileiros acreditam que notícias falsas podem influenciar o resultado das eleições, ela se torna também uma ferramenta para garantir a democracia.

Por que a alfabetização midiática é indispensável?

A falta de alfabetização midiática amplifica o poder de disseminação das notícias falsas e tira do sujeito o direito de participar do contexto informacional com mais criticidade. Para o diretor-geral adjunto de Comunicação e Informação da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco), Tawfik Jelassi, os países ainda não estão suficientemente preparados para combater a desinformação.

“A desinformação é o risco global número um hoje e ao longo dos próximos anos e todos os países do mundo precisam agir para combatê-la”, afirmou em entrevista à Agência Brasil.

Mais do que isso, não investir em alfabetização midiática amplia as desigualdades. Afinal, quando alguns têm acesso à informação e dispositivos midiáticos e outros não, a tomada de decisões já não está em pé de igualdade. Quando alguns se fazem ouvir nos meios de comunicação e outros não, a pluralidade de ideias também está ameaçada.

Por isso, educar midiaticamente é uma urgência. E, mais do que isso, é uma ferramenta indispensável para o exercício da cidadania.

Como se alfabetizar midiaticamente

Se tornar alfabetizado midiaticamente é um processo contínuo de desenvolver consciência crítica diante das informações que consumimos e produzimos. Não se trata apenas de saber usar a tecnologia, mas de compreender o papel das mídias na sociedade e aprender a interagir com elas de forma consciente.

Para isso, alguns passos são fundamentais:
  • Aprender a identificar diferentes tipos de conteúdo: distinguir entre notícia, opinião, publicidade e entretenimento.
  • Praticar a checagem crítica: questionar a veracidade, a autoria e a intenção de cada mensagem.
  • Conhecer o funcionamento dos algoritmos: entender que as plataformas selecionam o que vemos, moldando nossas percepções.
  • Desenvolver responsabilidade ao produzir conteúdos: pensar no impacto do que se compartilha.
  • Participar de espaços educativos: cursos, oficinas ou iniciativas de educação midiática.
  • Exercitar o diálogo: discutir informações com diferentes pessoas, reconhecendo a diversidade de perspectivas.
  • O benefício é coletivo — seja um multiplicador da alfabetização midiática
Se proteger da desinformação e assumir uma postura crítica em relação ao conteúdo que você consome, reproduz e cria nos dispositivos midiáticos é essencial. Assim como a vacinação é um pacto coletivo para impedir a disseminação de doenças, a alfabetização midiática também deve assumir essa postura.

Afinal, conteúdos desinformativos e o impacto negativo no exercício da cidadania se espalham como um vírus e, quanto mais pessoas assumem uma postura crítica em relação às informações que consomem, mais a sociedade consegue se proteger coletivamente das consequências perigosas da falta de alfabetização midiática.

Por isso, é importante que, além de se proteger, você colabore com a proteção dos outros. Compartilhe informações confiáveis, estimule conversas sobre desinformação em seus grupos de amigos, no trabalho ou na família e, sobretudo, dê o exemplo.

Quando você checa uma informação antes de repassá-la, você mostra que se preocupar com aquilo que se compartilha é uma forma de cuidado coletivo. Assim como valorizar o jornalismo profissional e apoiar — e disseminar — iniciativas e ferramentas de checagem. Em períodos eleitorais, esse papel é ainda mais urgente: cada escolha de compartilhar ou não uma informação pode influenciar o debate público e contaminar a própria democracia.

Conteúdos desinformativos podem ser muito danosos para a democracia, prejudicando o exercício pleno da cidadania. 
Imagem: Pikisuperstar/Freepik

Alfabetização midiática também é dever do Estado

A necessidade de alfabetização midiática não deve ser vista apenas como uma responsabilidade individual. Em sociedades democráticas, cabe também ao Estado criar condições para que os cidadãos tenham acesso a ferramentas, políticas públicas e iniciativas capazes de fortalecer a educação midiática.

Se a alfabetização tradicional — no sentido de aprender a ler e escrever —, deve ser entendida como uma atividade essencial para a ampliação da participação democrática e o exercício da cidadania, na era da informação, a alfabetização e a educação midiática assumem um papel igualmente relevante.

Estratégia Brasileira de Educação Midiática

Lançada em 2023 pela Secretaria de Comunicação Social da Presidência da República (Secom), a Estratégia Brasileira de Educação Midiática define diretrizes para promover e fortalecer a educação midiática em escolas, universidades, meios de comunicação e plataformas digitais. O objetivo é preparar a sociedade para enfrentar os desafios da desinformação e garantir uma participação mais igualitária nos espaços informativos.

O documento prevê a inclusão da educação midiática no currículo escolar em todas as modalidades, incluindo a Educação de Jovens e Adultos (EJA). Destaca também a formação continuada de professores e multiplicadores como condição para tornar o processo mais efetivo.

Em 2024, a Secom promoveu a 2ª Semana Brasileira de Educação Midiática para discutir e estimular a troca experiências entre iniciativas por todo o país.
 Foto: Vitor Vasconcelos/Secom

Outro ponto central é a criação de parcerias com organizações da sociedade civil, imprensa, universidades e empresas de tecnologia para promover ações conjuntas. Além disso, é preciso promover campanhas educativas e atividades formativas para mobilizar o público e ampliar o alcance das políticas.

Ao adotar medidas como essa, o Estado reconhece que a desinformação é questão de interesse público e que garantir o direito à informação de qualidade é parte do fortalecimento da democracia.

Alfabetização midiática: uma vacina contra o vírus da desinformação

Se a desinformação se espalha como um vírus a princípio silencioso, mas cujos efeitos práticos são inúmeros, a alfabetização midiática é a vacina capaz de prevenir seus efeitos mais nocivos: a corrosão da confiança pública, o enfraquecimento da democracia e a exclusão social nos dispositivos midiáticos.

É preciso lembrar que milhões de brasileiros se encontram excluídos de um dos maiores meios de comunicação de massas da atualidade — a internet. A exclusão digital amplia desigualdades e compromete o alcance da alfabetização midiática.

Nesse sentido, a inclusão digital deve caminhar lado a lado com o fortalecimento de competências críticas, garantindo que todos possam não só acessar conteúdos, mas também compreendê-los e questioná-los.

Alfabetizar midiaticamente é um compromisso ético, democrático e coletivo. Quanto mais pessoas desenvolvem essas competências, mais imune nossa sociedade se torna aos boatos, manipulações e fake news que tentam distorcer a realidade, enfraquecer o debate público e excluir do espaço público aqueles que por muito tempo estiveram à margem da sociedade.

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*Estagiário sob supervisão de Leila Cangussu

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