Saem 'família' e 'Deus', entram 'reforma' e 'estabilidade': os termos mais ditos pelos deputados na votação de Temer

André Shalders - @shaldim
Da BBC Brasil em São Paulo

Direito de imagem AGÊNCIA BRASIL/REUTERS - Menções a família e a Deus diminuíram muito na votação da denúncia contra Temer

Os deputados federais evitaram menções religiosas e a familiares em seus votos na sessão que salvou o presidente Michel Temer nesta semana. É o contrário do que ocorreu na votação que autorizou o impeachment de Dilma Rousseff, em abril de 2016. Falas sobre a situação econômica do país e a corrupção prevaleceram desta vez.

Em 17 de abril de 2016, quando a Câmara dos Deputados autorizou o prosseguimento do processo de impeachment de Dilma, a palavra "Deus" foi mencionada mais de 70 vezes pelos deputados. O termo "família" aparece 125 vezes nas notas taquigráficas da ocasião.

Já nesta quarta-feira, quando a Câmara decidiu pelo arquivamento do caso contra Temer, estes termos praticamente sumiram das falas dos deputados. "Deus" só foi citado oito vezes. E "família" surge apenas em 23 trechos no registro da sessão.

Ao todo, 263 deputados votaram a favor do presidente, e 227 contra. Para que ele pudesse ser processado criminalmente, seria necessário o aval de 342 deputados (dois terços da Câmara). Graças ao resultado favorável, a acusação de corrupção passiva contra Temer pela Procuradoria-Geral da República não será enviada para apreciação do Supremo Tribunal Federal.

Direito de imagem MONTAGEM - Montagem com palavras mais citadas na Câmara durante sessões do impeachment de Dilma, à esquerda, e de análise do relatório contra Temer, à direita

Durante a votação, os termos que mais apareceram foram aqueles que fazem menção às acusações de corrupção contra o peemedebista e à situação econômica do país. Explica-se: de um lado, a oposição tentava arranhar ainda mais a imagem de Temer e de seus aliados. De outro, a base aliada se mostrou afinada no discurso de "salvação nacional".

A palavra "denúncia" aparece 152 vezes nas notas da sessão de quarta-feira, junto com "investigação" (97 vezes) e "corrupção" (75 vezes). O discurso econômico também é muito presente. "Reforma" e "reformas" foram mencionadas 99 vezes, assim como "estabilidade" (62 vezes) e "economia" (57 vezes).

Um discurso comum entre os deputados que votaram a favor de Temer: o afastamento do presidente criaria, disseram eles, ainda mais instabilidade política no país, prejudicando a retomada da economia.

"Investigar é preciso, mas não é urgente. Urgente é unir trabalhadores e empreendedores do Brasil para desenvolver o país", declarou o deputado Júlio Lopes (PP-RJ) em seu voto. Ele se refere ao fato de que a investigação contra Temer voltará a tramitar na Justiça comum quando o peemedebista deixar a Presidência da República.

Arthur Oliveira Maia (PPS-BA) foi na mesma linha: "Eu voto a favor da recuperação da economia. Eu voto a favor de milhões de desempregados que estão vendo, neste momento de recuperação econômica, a sua salvação. Eu voto a favor do relatório do deputado Paulo Abi-Ackel (PSDB-MG, favorável a Temer)".

Direito de imagem AGÊNCIA BRASIL - Júlio Lopes (PP-RJ) ressumiu discurso comum entre apoiadores de Temer: "investigar não é urgente"

O próprio Temer ecoou a tese dos aliados em uma declaração à imprensa, logo depois do fim da votação na Câmara.

"Estamos retirando o Brasil da mais grave crise econômica de nossa história. Embora seja repetitivo, eu digo que é urgente colocar o país nos trilhos do crescimento, da geração de empregos, da modernização e da justiça social", disse.

Na lista de palavras das votações que selaram o destino de Dilma e de Temer, o único ponto em comum são as menções constantes às investigações, geralmente por deputados de oposição. A palavra "corrupção" aparece 75 vezes nas notas taquigráficas de Temer, e 86 nas de Dilma.

"As digitais de cada um dos senhores ficarão na história. Ou você defende as investigações, o trabalho da Justiça, a Lava Jato, ou você se alia a esse governo, que é um governo que tira direitos e está mergulhado em um mar de corrupção", afirmou o deputado de oposição Aliel Machado (Rede-PR).

"Golpe" caiu em desuso

Ao longo do processo que terminou com o impeachment de Dilma, o PT e outros partidos de esquerda argumentaram que a ex-presidente foi vítima de um "golpe". Mas, a julgar pelo registro da sessão de quarta-feira, a tese do golpe já não tem mais tanta força para a oposição.

O termo "golpe" apareceu 141 vezes nas falas dos deputados nas 331 páginas de notas taquigráficas que registraram tudo o que foi dito durante a sessão do impeachment de Dilma. Já na votação da denúncia contra Temer, a palavra só foi dita 10 vezes.

Direito de imagem EPA - Oposição a Temer citou o termo "golpe" dez vezes durante votação na Câmara

A ausência de manifestações populares significativas durante a votação da quarta-feira também não passou despercebida aos deputados.

As "ruas" foram mencionadas 74 vezes na votação do impeachment de Dilma, mas só 12 vezes durante a votação que salvou o governo Temer.
Disputa de narrativa

Geralmente, a distribuição de cargos e verbas por si só não é suficiente para vencer votações importantes no Congresso. É preciso também criar uma justificativa plausível que deputados e senadores possam repetir para seus eleitores.

"No fim das contas, o governo foi bem-sucedido em duas frentes: tanto na negociação fisiológica de cargos, emendas e benesses, quanto na criação de uma narrativa convincente. A fisiologia é fundamental, mas precisa estar calcada num discurso", diz o analista político Richard Back, da corretora XP Investimentos.

"E de certa forma há dados para sustentar esse discurso. O desemprego finalmente parou de crescer, os juros estão recuando e o PIB (a soma de tudo que o país produz) não deve despencar em 2017", diz Back.

"Houve quem votasse com Temer com medo de que a crise política retroalimentasse a crise econômica. Era uma preocupação real para alguns deputados. Como se dissessem: 'podemos até não ser a solução, mas pelo menos não estamos aumentando o problema'", diz o analista, que acompanhou a votação no plenário da Câmara.

Nova denúncia?

Na quarta-feira, a Câmara determinou que a ação contra Temer só voltará a ser analisada pela Justiça quando o peemedebista deixar de ser presidente.

Mas a agonia do governo pode se repetir nos próximos dias. É possível que o procurador-geral da República, Rodrigo Janot, apresente nova denúncia contra o peemedebista, desta vez pelos crimes de obstrução à Justiça e formação de quadrilha. Neste caso, todo o rito no Congresso se repetiria.

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