Tecnicamente, nada disso era necessário, diz professor de Direito da USP sobre condução de Lula

Por Lilian Venturini 
Nexo Jornal

Medida adotada pela Polícia Federal para ouvir Lula no âmbito da Lava Jato desrespeita o procedimento usual, na avaliação de Alamiro Velludo Salvador Netto, professor livre docente de Direito Penal da USP
FOTO: PAULO WHITAKER/REUTERS
AGENTES DA PF EM FRENTE AO PRÉDIO EM QUE LULA MORA, EM SÃO BERNARDO 

O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva foi “conduzido coercitivamente” por agentes da Polícia Federal na manhã desta sexta-feira (4), na 24ª etapa da Operação Lava Jato. “Condução coercitiva” é quando um investigado é obrigado a depor e pode ser levado por policiais.

A ação da PF foi classificada como desnecessária, “ilegal” e “arbitrária” pelo Instituto Lula. Em nota, o instituto afirma que o ex-presidente já havia prestado esclarecimentos de forma espontânea em quatro inquéritos policiais, entre eles apurações da Lava Jato. “Todas as vezes que o presidente Lula foi convocado a depor, ele o fez. É um espetáculo político”, afirmou o presidente nacional do PT, Rui Falcão.

O Ministério Público Federal alegou questões de “segurança”. O procurador regional Carlos Fernando dos Santos Lima disse que agendar o depoimento com antecedência acarretaria riscos, já que poderia atrair manifestantes.

Após deflagrada a operação, pessoas se aglomeraram em frente ao prédio onde Lula vive, em São Bernardo, e em frente à sala da PF onde o ex-presidente prestou depoimento no aeroporto de Congonhas. Houve brigas entre manifestantes pró e contra Lula.

Para o jurista Alamiro Velludo Salvador Netto, professor livre docente de Direito Penal da USP, a condução coercitiva deve ser o “último recurso” e adotado quando o investigado demonstra não ter interesse em colaborar. Tecnicamente, segundo ele, a condução no caso de Lula foi desnecessária.

O que é a condução coercitiva?

É uma ferramenta pela qual se consegue, efetivamente, a presença do sujeito perante à autoridade. A pessoa não pode se negar a acompanhar os agentes policiais.

Quando a condução coercitiva pode ser adotada?

É um último recurso. Primeiro se faz uma intimação e, se [a autoridade policial] perceber que a testemunha está iniciando óbice (empecilho), pode fazer a condução.

No caso de Lula, o uso do instrumento foi adequado?

Não tenho informações de que Lula tenha sido intimado [antes de se optar pela condução], então me parece uma solução equivocada. Em vez de se adotar pelo processo ordinário, [a Lava Jato] optou pela medida extrema.

O procurador alegou questões de segurança.

Isso é estranho. Com todo esse movimento [popular] que a condução gerou, não faz sentido. Minha leitura, tecnicamente, é que nada disso era necessário. Ele poderia ter sido intimado. Me parece que, mais uma vez, se usa a opinião pública com a finalidade de reforçar a investigação [da Lava Jato].

Houve um desequilíbrio na atuação da PF?

Vou partir da premissa que todos os órgãos são bem intencionados. O grande dilema que se impõe é: até que ponto, em nome dessa busca pela segurança e pela punição, vamos prescindir dos direitos mínimos garantidos pela Constituição? Tenho a impressão que se constrói uma narrativa que relativiza estas garantias em nome do combate à criminalidade e à impunidade.

Quais os efeitos disso?

[Relativizar garantias] é muito delicado. Não se trata de defender a corrupção. Pode parecer tola, para opinião pública, a defesa dessas garantias legais, mas são estruturas fundamentais. Sem isso, se cria um sistema inquisitorial.

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