O teto de gastos dificulta o cumprimento da regra de ouro?

por Dimalice Nunes
Da Carta Capital

O governo criou uma cilada para si mesmo: ao congelar o investimento, dificultou o cumprimento da norma orçamentária que limita o endividamento. Entenda

Wikimedia Commons
Meirelles, da Fazenda, Oliveira, do Planejamento: um quer foco da reforma da Previdência, o outro quer mudar regra para fechar as contas

Entre anúncios e recuos, uma coisa é certa: as contas do governo não fecham. Na tentativa de contemplar um orçamento que cresce, uma arrecadação que patina e uma regra que congela os investimentos pelos próximos 20 anos, o governo ventila mudar um dos pilares da Lei de Responsabilidade Fiscal, a regra de ouro, que impede o governo de contrair dívidas para custear a máquina pública.

Na prática, o governo criou uma cilada para si mesmo: ao congelar o investimento, dificultou o cumprimento da regra de ouro. E o não cumprimento pode ser considerado crime de responsabilidade. 

Na quinta-feira 4, veio a notícia de que o governo estudava flexibilizar a regra de ouro. Estaria em gestação uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC) para suspender temporariamente punições, que incluem o impeachment, pelo não cumprimento da regra.

Pela PEC, seriam acionados automaticamente mecanismos de correção de rota, como proibição de criar novas despesas, contratar pessoal ou aumentar salários de servidores. Uma das propostas seria suspender a sanção até 2026, o mesmo intervalo de vigência do teto de gastos do governo.

Já na segunda 8 o governo recuou. No momento, a posição é essa: nada de mudanças. Segundo o Palácio do Planalto, o presidente Michel Temer "não aceita que a regra de ouro seja suprimida" e o assunto não será tratado neste momento, em que o governo tenta aprovar a reforma da Previdência.

O que é a regra de ouro?

Imagine parcelar no cartão de crédito a conta do supermercado: como todo mês tem supermercado, as parcelas se acumulam e a dívida só cresce. Não é boa ideia para ninguém, é uma péssima ideia para o governo.

Uma ideia tão ruim que tem até um dispositivo legal contra ela, a chamada regra de ouro. Prevista na Constituição Federal desde 1988, ela determina que as operações de crédito da União não podem ser maiores que os investimentos. Na prática, a regra impede que o governo emita títulos da dívida pública para bancar gastos correntes, como o pagamento de salários e custeio dos órgãos públicos. 

Assim, o governo fica impedido de se endividar num montante que supere o investido. Como o investimento está limitado por conta do congelamento determinado pela emenda constitucional que impôs um teto para os gastos públicos, está dada a sinuca de bico.

Quando a regra é descumprida, os gestores e o presidente da República podem ser enquadrados em crime de responsabilidade, o que poderia ser usado para pedido de impeachment.

Bomba fiscal

O ministro do Planejamento, Dyogo Oliveira, reforçou, em entrevista ao jornal Valor Econômico, que o governo conseguirá cumprir a regra em 2018, mas reconheceu ser impossível atender ao dispositivo em 2019, o que complica a elaboração da peça orçamentária que o governo tem que enviar, em agosto, ao Congresso Nacional.

Segundo ele, a visão é que o governo tem que mandar a proposta de orçamento ao Congresso prevendo o atendimento da regra. "Precisamos preparar a legislação para que o próximo governo, ao assumir, não tenha um colapso derivado da regra de ouro", disse.

Para o ano que vem quem constrói o orçamento é o atual governo, mas quem terá que cumpri-lo é o presidente que será eleito nas eleições deste ano. A estimativa para 2019 é que a necessidade de endividamento da União ultrapasse entre 150 bilhões de reais e 200 bilhões de reais os investimentos e despesas com custeio da máquina pública.

Pelas atuais regras, os gastos do governo precisam ser corrigidos pela inflação do ano anterior, em torno de 3,5% em 2017. Por outro lado, a arrecadação cresce na velocidade do PIB, que não deve aumentar mais que 1% em 2017. "Somando isso à dificuldade de recuperação da economia, com projeções de crescimento sempre abaixo da projeção da inflação, a tendência é que se tenha o aumento do déficit", explica o professor de Economia do Ibmec/RJ Ricardo Macedo.

Na opinião de Macedo, alterar a regra de ouro potencializa uma "bomba fiscal", pois há uma tentativa de ajustar as contas, arrumar a casa, mas na verdade o dinheiro não seria utilizado para financiar uma melhora da produtividade do país ou da qualidade de vida da população. 

O professor lembra, ainda, que o risco de descumprimento da regra de ouro aumentou com o agravamento da situação fiscal. De um lado, o governo tem emitido mais títulos para financiar despesas. De outro lado, foi obrigado a cortar drasticamente os investimentos públicos, uma das poucas despesas que pode manejar sem mudanças na legislação.

Em 2017, porém, a situação foi resolvida com o retorno de 50 bilhões do Banco Nacional e Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) aos cofres do Tesouro. Mas em 2018 esse descompasso alcançará os 184 bilhões de reais de acordo com as estimativas do próprio Tesouro.

Sem uma devolução mais substancial de recursos do banco no ano que vem - o pedido é por 130 bilhões de reais, mas o montante não está garantido - há um rombo.

Previdência no centro

Ao que parece, o ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, principal defensor da reforma da Previdência na equipe econômica, levou a melhor sobre seu colega do Planejamento. Com a mudança na regra de ouro descartada, a carga se volta para as tentativas de aprovar a reforma da Previdência. A expectativa é que ela entre na pauta da Câmara dos Deputados logo após o fim do recesso parlamentar, na primeira semana de fevereiro. 

Na segunda 8, após reunião com o presidente Michel Temer, Meirelles afirmou que a flexibilização da regra de ouro não é "adequada" para o momento atual. Ela reforçou que ela será cumprida em 2018 e que o foco é a Previdência.

No entanto, segundo Meirelles, mesmo que o Congresso aprove as mudanças na aposentadoria, isso não seria suficiente para cumprir a norma de ouro - e, consequentemente, evitar um buraco nas contas públicas - no ano que vem, já que o impacto da reforma só se daria com o passar do tempo.

Para resolver essa espécie de enrascada orçamentária, Macedo afirma ser partidário de reduzir os "penduricalhos", como auxílios e pensões, e discutir melhor a reforma previdenciária. "Se vai aplicar um padrão, que seja para todos", defende. "Fazer algo que mantenha privilégios ao longo do tempo acaba gerando e aprofundando a desigualdade lá na frente", afirma.

O economista defende que não é recomendável mexer na regra de ouro, especialmente num ano de eleição. "Não se sabe quem vem lá na frente, é complicado em termos de cenário macroeconômico autorizar isso, tanto que adiaram a discussão e voltaram o foco para a reforma da Previdência", avalia.

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