'Condenação de Lula é maior derrota da esquerda desde redemocratização'

por Ana Luiza Basilio 
Carta Capital

Para cientista político, o caso exige uma renovação do campo progressista, mas também o repensar do discurso da direita
EBC

Para Cláudio Couto a condenação de Lula é um trauma histórico para o País

A condenação do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva pelo placar de 3 votos a 0 no Tribunal Regional Federal da 4ª Região, na quarta-feira 24, abre o caminho para a prisão do petista e complica seriamente suas chances eleitorais. 

A eventual prisão do ex-presidente poderá ser decretada por Sérgio Moro, juiz de primeira instância, após o julgamento dos embargos declaratórios a serem apresentados pela defesa de Lula. A pré-campanha eleitoral, por sua vez, pode ser iniciada, mas a Justiça Eleitoral pode barrar a candidatura em agosto, com base na Ficha Limpa. Recursos às instâncias superiores em Brasília podem ajudar Lula, mas não é possível prever seu sucesso nesses tribunais.

Para o cientista político Cláudio Gonçalves Couto, professor da Fundação Getúlio Vargas (FGV), a possibilidade de prisão de Lula é clara, "até porque tudo caminhou para isso desde o início". O especialista fala em "trauma histórico para o País", dada a importância de Lula para o campo trabalhista e atesta se tratar da "maior derrota sofrida pela esquerda desde a redemocratização do País". 

Confira a entrevista.

Carta Capital: Com o resultado, Sérgio Moro pode decretar a prisão de Lula nas próximas semanas ou meses. Como o senhor vê essa possibilidade para o País?

Claudio Couto: É uma possibilidade clara, até porque tudo caminhou para essa direção desde o princípio. Não há como esperar um desfecho muito diferente desse. Acho também que, se confirmada a prisão, ela será um trauma histórico para o País dada a importância da figura do Lula, embora alguns setores venham a comemorar esse episódio.

A questão colocada não é só a de achar se ele cometeu ou não atos de corrupção, mas a de natureza ideológica e a disputa política nesse campo. É um trauma para um setor da sociedade e um trunfo para outro. Do ponto de vista histórico, considerada a sua trajetória e importância para o campo trabalhista e da esquerda, do qual é a principal liderança histórica, é algo grave.

CC: Caso se concretize a impossibilidade de candidatura de Lula, como essa decisão se projetaria na disputa eleitoral?

CC: Seria também um fato de grande importância por alterar significativamente o cenário. Joga a eleição para uma situação de maior fragmentação do ponto de vista da disputa porque o Lula concentra ao seu lado um grande contingente de votos. Com ele fora, isso tenderia a se dispersar em outras candidaturas, sobretudo no campo da centro esquerda.

Não são votos que irão para o Bolsonaro (PSL), como as próprias pesquisas já vinham apontando – ele se projeta muito pouco no cenário, coisa de 2 pontos percentuais em média. Alguns podem pensar que se igualam por serem candidatos de apelo popular, mas é muito diferente. O Bolsonaro é propriamente o que se pode chamar de populista e o Lula não, embora as vezes seja chamado assim.

O Lula é de perfil trabalhista, social democrata, não de perfil populista, definindo isso como uma forma de fazer política fora da via institucional. Lula sempre foi um político que fez política por meio dos partidos, da relação com o Congresso, formação da coalizão, o que trouxe também alguns problemas. Já Bolsonaro tende a fazer por fora, sendo ele sim mais claramente um perfil populista que atrai a adesão de outros tipos de eleitores, aqueles que gostam de lideranças carismáticas.

CC: Quem se beneficiaria, então?

CGC: Quem tende a se beneficiar, senão de imediato mas a médio prazo, são candidatos do campo da centro esquerda como Ciro Gomes (PDT), Marina Silva (Rede) e até mesmo os ao centro ou os de centro direita como é o caso do Alckmin (PSDB), que tem chances mais reais do que o próprio Bolsonaro.

CC: Qual cenário de reações o senhor prevê caso a prisão de Lula se efetive?

CC: Uma coisa importante é que, com o Lula fora de vez, o candidato que vier disputar como a alternativa anti-Lula perde um pouco do discurso. Essa ideia do anti-Lula, como alguém que vai fazer diferente, já está no preço da eleição. Um candidato como Bolsonaro, por exemplo, já tem esse tipo de voto. Vejo que alguns podem crescer um pouco, caso do Alckmin, que foi anti-PT ao longo de vários anos, e outros que vão querer captar um pouco esse espólio, caso do Ciro Gomes.

Ainda há os que vão se apresentar como repositórios de ideais do PT original, possivelmente a Marina ou candidatos mais à esquerda. A ausência de Lula descarta o discurso de derrotá-lo e joga a campanha eleitoral para o campo do debate de propostas, o que pode torná-la até mais focada em ideias desse ponto de vista, já que sua presença atrairia o debate para sua personalidade. É uma uma possibilidade real a meu ver.

CC: Como o senhor vê a possibilidade do ex-presidente recorrer a instâncias superiores como STF e STJ para validar a sua candidatura?

CC: Acho que isso pode postergar um pouco a decisão final sobre a sua prisão, embora também seja uma possibilidade real após a fase dos recursos. Agora, como isso depende de interpretação judicial não tem como saber se virá uma decisão cautelar que não o leve para a cadeia.

Se ele for preso, imagino que podemos ter reações violentas e o próprio Judiciário, considerando isso, pode jogar uma água na fervura da própria prisão, com um habeas corpus, enfim. Eu não descartaria isso. E, embora ele fique inelegível e seja difícil rever isso de acordo com a Lei da Ficha Limpa, a pena de prisão envolve uma questão muito pessoal de certos direitos fundamentais, pode ser postergada por outras decisões judiciais.


CC: O que fica para a esquerda brasileira?

CC: É a maior derrota que a esquerda sofreu no Brasil desde a redemocratização. Não foi o impeachment da Dilma, foi essa condenação, dada a importância histórica e a trajetória de Lula.

Outro ponto é que se pode tirar da disputa política imediata a principal liderança que a esquerda produziu historicamente no País com um desfecho trágico, que não teve como ser evitado pela própria esquerda nos embargos políticos do País. É uma derrota, digamos, no placar, que não tem como ser alterada de alguma forma. Agora, como toda situação traumática, ela pode produzir oportunidade de algum tipo de transformação porque cria uma necessidade prática da esquerda de se repensar, rever certos procedimentos, relações e práticas. A questão é para onde isso leva e podem ser caminhos bem diferentes.

Pode tanto levar para uma esquerda mais cautelosa em relação a grupos econômicos e partidos, pode levá-la para o gueto, no sentido de não fazer mais alianças, o que configuraria uma perspectiva de esquerda mais juvenil, ou ainda levar a um repensar mais de reformulação, com uma renovação de fato.

Abre-se também a possibilidade de que lideranças e até organizações alternativas ganhem corpo, com uma possível perda de importância do PT e migração de seus integrantes para outros partidos. Nesse momento, por exemplo, pelas posições e proximidade faz sentido que o PT apoie o Ciro Gomes, só que se ele ganha a eleição se projeta uma outra liderança nesse campo. É um momento dilemático para o partido. 

CC: E em relação à direita? Este fato fortalece o campo na disputa eleitoral?

CC: De imediato é uma vitória, sobretudo para os setores que queriam o Lula fora. Há setores que nem são propriamente da direita no sentido da palavra, de centro ou centro-esquerda, que talvez vejam aí apenas a aplicação da Justiça, acho que essa leitura também deve existir.

Agora, se a direita deixa de ter seu principal oponente, ela perde um pouco do discurso. Para o próprio Bolsonaro isso pode ser paradoxal, porque ele agora vai se apresentar como alternativa a quê? Talvez tenha que ir mais para a direita ainda e se apresentar como alternativa ao modo de fazer política no Brasil como um todo. Aí seu adversário deixa de ser o PT e passa a ser a classe política em geral. Nesse sentido, ele pode assumir um discurso ainda mais direitista do que vinha assumindo até agora.

Outros, como o Alckmin, podem ter um caminho oposto, ir mais da direita para o centro, até flertando com setores da centro esquerda. Se a polarização deixou de ser Lula e anti-Lula, pode-se ter um campo de conversa, interlocução. O efeito não é igual para todos, varia em função de como eles se colocavam no tabuleiro e construíam as suas estratégias pelo antagonismo com o Lula e PT. O fato é que com o partido mais enfraquecido, eles terão que se repensar.

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