Nossa bandeira jamais será vermelha! Ok, mas quem disse que seria? – A síndrome de Guerra Fria do brasileiro conservador



By Diego Vasconcelos *

O clima anticomunista

Desde o começo do primeiro mandato da ex-presidente Dilma, e de maneira mais forte após sua segunda vitória, cresce no Brasil um movimento estranho, sem forma, unido apenas pela ideia da luta contra um partido que, em suas mentes, representa a esquerda. Basta olhar em qualquer página de jornal online, em qualquer rede social, para ver um intenso oposicionismo, que em momentos chega a beirar a irracionalidade, contra a esquerda e todas as suas ideias e conceitos.

Movidos pelo fanatismo, pela facilidade de se propagar notícias e fatos falaciosos e pela pura ignorância daqueles que desconhecem a real dicotomia esquerda x direita, os adeptos desse movimento se autodenominam como conservadores, liberais(econômicos), trabalhadores, cidadãos de bem. Um real ódio pela esquerda e seus governos e personalidades pode ser visto, enquanto termos como “liberalismo econômico”, “incentivo ao empreendedorismo”, “preservação dos valores familiares”, conceitos de um nacionalismo doentio, são propagados sem nenhum filtro, como se todos tivessem lido o mesmo texto e estivessem copiando e colando os mesmos trechos.

Gritam palavras como esquerdistas, esquerdosos, esquerdopatas, mortadelas, petistas & cia., colocando diversos grupos e pensamentos num único adjetivo, repetido a exaustão, mostrando que a criatividade nos xingamentos não é o seu forte. Repetem frases e argumentos vazios, como “bandido bom é bandido morto”, “Vai pra Cuba”, “Vai pra Venezuela”, “Acabou a mamata” e etc. Infelizmente muitas dessas colocações, quando colocadas em páginas das redes sociais, tendem a conseguir um grande número de curtidas e compartilhamentos, mostrando que a maioria, ou, pelo menos, a maioria dos internautas, pensa desse forma.

Mas nesse momento, devemos questionar: existe motivo para todo esse ódio? O Brasil estaria, realmente, sob a ameaça de um regime comunista, totalitário e maligno?

Os catalisadores da intolerância

Vale lembrar que existem fatores que impulsionam esse movimento. Alguns podem ser considerados “meio válidos”, no sentido de motivarem a aversão à esquerda totalitária, mas errando ao associá-la com toda a ideologia.

Um desses fatores “meio válidos”, seria a situação de países como a Venezuela e Coreia do Norte, onde os regimes são totalitários, e o povo sofre com as vaidades e egos de seus governantes. São países que vivem sob regimes totalitários de esquerda, mas suas mazelas em nada tem a ver com a ideologia de seus governos. A ideia de tornar um governante uma figura venerada, que ameaça os países vizinhos enquanto o povo passa fome, sofre repressão e tortura, ocorre tanto com Kim Jong-un e Nicolás Maduro quanto ocorria com Mussolini e Hitler.

Outros impulsionadores, e esses são a maioria, não passam de falácias e retóricas, difundidas e espalhadas por militantes e radicais. Estes fazem perfis falsos em redes sociais para atiçar ódio em notícias e postagens, propagando inverdades e fatos distorcidos, e disseminando a intolerância, confiando na ignorância e ingenuidade daqueles que lhes dão ouvidos.

Infelizmente, a ignorância espalhada nas redes é embasada no discurso de pseudointelectuais, políticos conservadores e figuras religiosas. O astrólogo Olavo de Carvalho representa perfeitamente toda a paranóica de Guerra Fria que muitos gritam nas ruas e em seções de comentários. Algumas das ideias rasas e comentários levianos do filósofo Luiz Felipe Pondé servem ainda mais de base para os discursos em que a esquerda é colocada num mesmo pote e desprezada sem direito a análise. O oportunismo de figuras como Kim Kataguiri e o MBL, que usa a ignorância do povo para favorecer interesses partidários, faz com que essa aversão a esquerda pareca imparcial. Os comentários de Rachel Sheherazade em seu jornal e em entrevistas só atiçam a visão de mundo conservadora e hipócrita, tratando a esquerda como um inimigo dos valores e da ética. Políticos como Jair Bolsonaro e família, Marco Feliciano e Eduardo Cunha, utilizam a esquerda como um alvo para conduzir suas massas eleitorais, dando-lhes um inimigo para combater, garantindo assim, suas parcelas nas eleições. Pastores como Silas Malafaia e Marco Feliciano (de novo), colocam conceitos da esquerda ao lado do inimigo e do pecado, associando ideias de diversidade e liberdade à destruição da família e dos valores cristãos, conduzindo milhões a crer que a esquerda carece de moral e ética.

No meio de tudo isso, teorias se misturam a fatos, manchetes sensacionalistas e correntes de facebook se misturam com notícias reais, blogs partidários se elevam ao patamar de divulgadores da verdade, vídeos no youtube e palestras carismáticas se tornam referência para discussões. O Foro de São Paulo planeja a implantação do comunismo no Brasil, enquanto Dilma e o PT seguem um plano maligno de tornar Lula o Hugo Chávez brasileiro. A mídia se torna um agente bipolar, sendo hora esquerdista, defendendo a esquerda e cooptando com seu plano de poder, hora correta, denunciando e divulgando casos de corrupção, exaltando Sérgio Moro e denunciando os crimes da esquerda; o teor da notícia, sendo a favor de suas paranoias ou contra, define a credibilidade do jornal.



O resultado

Quando juntamos todas as influências citadas acima com uma população mal educada, com pouca formação em política e em conceitos de ideologia, e que trata política como futebol e religião, temos um cenário desestimulante e pessimista; uma população que torce para quem a manipula e a explora. Onde o ódio ao PT (e, pela mente dessas pessoas, à esquerda como um todo), faz com que candidatos conservadores e reacionários ganhem voz e cargos.

Quem não lembra, nas manifestações de março de 2015, da menina que não sabia explicar porque era de direita. Ou quando, na mesma manifestação, diversos participantes explicaram seus motivos de participar do protesto contra Dilma. Vemos em suas respostas que tudo não passa de uma implicância, uma birra, uma revolta parcial, direcionada ao PT e à esquerda.

Outro caso muito explícito dessa paranoia, e ainda mais perigoso, foi quando a atriz Letícia Sabattela foi hostilizada num ato contra Dilma. Não só é preocupante toda a intolerância mostrada por todos que cercaram a atriz, gritando “A nossa bandeira jamais será vermelha”, como é triste ver o ódio com que a senhora, que segura a bandeira do Brasil, grita a mesma frase e outros chavões antipetistas e antiesquerda.

Conclusão e ressalvas

É realmente preocupante a guinada à direita que nossa sociedade passa. Ainda mais quando consideramos que esse processo ocorre de forma fanática, irracional, quase radical. Não existe argumento, não existe diálogo, e tudo se baseia no simplório pensamento binário para julgar e diferenciar amigos de inimigos, cidadãos de bem e bandidos, trabalhadores e vagabundos, coxinhas e mortadelas.

Há quem diga que o Brasil passa por um ciclo natural, onde a população, revoltada com a corrupção que o governo de esquerda se envolveu (e impulsionada pela crise econômica) estende seus braços para um governo conservador, para depois, após perceber o erro cometido, voltar-se-iam para a esquerda. Pode ser cedo para dizer isso pois não sabemos, com a manipulação da mídia e a parcialidade de diversos movimentos contra corrupção, se o novo governo será fiscalizado da forma como o anterior foi. Se a população cobrará o novo governo no mesmo nível em que acusou o anterior. Provavelmente não.

Existe, claro, a parcela do outro lado correspondente a esse movimento. Não ignoro que existe um movimento de esquerda radical e fanático, originado, em grande parte, como uma resposta quase orgânica ao ódio da direita. E existem, também, figuras e políticos da esquerda que se aproveitam de seus palanques para influenciar massas, gerar conflitos e se impulsionar para o poder. É visível que o PT e muitos de seus políticos tenham um certo mérito do ódio que a esquerda recebe, não só nos seus correntes casos de corrupção, mas também ao incentivar o clima de intolerância com o discurso de “nós contra eles”. Mas isso é assunto para outro texto, pois as causas e os fatores são completamente diferentes.

Agora que as eleições para prefeito foram fortemente influenciadas por essa mentalidade, e a próxima tende a ser decidida no mesmo nível, nos resta esperar que o brasileiro consiga sair um pouco do seu mundo bifurcado, e votar em candidatos baseados em suas propostas e como estas podem ajudar nosso país, em vez de filtrá-los por sua posição ideológica. Baseando-se no que boa parte dos 
internautas opina, é difícil acreditar  nisso.

O manual do conservador alienado.


*Aspirante a escritor, humanista secular e futuro inter cambista. Já pensei em cursar biologia, psicologia, jornalismo, história e outros. Gosto de temas que vão desde a filosofia e política até ficção científica e fantasia. Ainda quero publicar livros e roteiros de filmes.

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