Entenda a polêmica do fator previdenciário

por Deutsche Welle

Mudança no cálculo do fator previdenciário aprovada pelo Congresso permite que pessoas se aposentem mais cedo do que o Executivo gostaria

Marcelo Camargo / ABr
Aposentados protestam na Praça da Sé, em São Paulo, em 2013, contra o fator previdenciário

O governo brasileiro tenta evitar que o ano termine novamente com um rombo nas contas públicas. Para isso, lançou um pacote de ajuste fiscal. Entre as metas, o Executivo propôs alterações no acesso a benefícios previdenciários, mas não esperava que o Congresso fosse aproveitar essa medida provisória para flexibilizar as regras da aposentadoria.

A polêmica emenda, acrescentada pela Câmara e aprovada na semana passada no Senado, flexibiliza o chamado fator previdenciário, que foi criado para desestimular a aposentadoria precoce ao reduzir o valor do benefício para quem se aposenta antes dos 60 anos de idade.

O Legislativo propôe modificações a essa regra, instituindo a fórmula 85/95. Ela prevê que uma pessoa pode receber o valor integral do benefício quando a soma de sua idade com o tempo de contribuição for igual a 85 para mulheres e a 95 para homens – obedecendo, porém, o teto de 4.663,75 reais da Previdência Social.

Com a alteração, uma mulher com 55 anos de idade e 30 de contribuição, por exemplo, passaria a receber aposentaria integral. O mesmo valeria para um homem com 60 anos de idade e 35 anos de contribuição. Atualmente, pelo cálculo do fator previdenciário, ambos teriam que trabalhar por mais tempo para ter acesso ao benefício sem descontos.

Para entrar em vigor, a nova fórmula ainda precisa ser aprovada pela presidente Dilma Rousseff. Mas a mudança não agradou ao governo. Com a flexibilização, a tendência é de aumento nos gastos com a previdência. O vice-presidente Michel Temer já afirmou que o Executivo irá apresentar uma proposta alternativa ao fator previdenciário.

A mudança no cálculo do fator previdenciário aprovada pelo Congresso não é controversa somente no governo. Analistas estão longe de ter uma opinião unânime sobre o assunto.

Para o economista Fabio Giambiagi, especialista em previdência social, a alteração é um retrocesso, tendo em vista que a população tende a ficar cada vez mais velha, e o número de aposentados deve aumentar entre 3,5% e 4% ao ano nas próximas duas décadas.

"Qualquer país responsável diante disso estaria discutindo regras para fazer com que as pessoas trabalhem mais. A realidade vai se encarregar de mostrar o equívoco da mudança", afirmou Giambiagi.

Já para o economista Eduardo Fagnani, da Unicamp, a alteração é positiva. "Ela corrige uma injustiça com as pessoas de mais baixa renda que têm sido penalizadas desde a criação do fator previdenciário", afirma o especialista.

Fagnani ressalta que, atualmente, pessoas que entram no mercado de trabalho aos 25 anos e completam 35 anos de contribuição aos 60 anos de idade têm um desconto bem menor no valor do benefício do que pessoas que começaram a trabalhar com 15 anos e somaram 35 anos de contribuição aos 55 anos de idade.

Criado em 1999, o fator previdenciário visava retardar pedidos de aposentadoria ao reduzir benefícios de quem se aposenta antes dos 60 anos para mulheres e dos 65 anos para homens. Essa fórmula é aplicada para calcular o valor de aposentadoria por tempo de contribuição, cujo pedido exige 35 anos de contribuição para homens e 30 anos para mulheres, independente da idade.

A medida pretendia reduzir a pressão na Previdência Social, pois já na década de 1990 o pagamento de benefícios ultrapassava a arrecadação. O déficit continuou a crescer e, em 2013, chegou a 51,3 bilhões de reais, um aumento de 14,8% em relação ao ano de 2012.

Além da aposentadoria por tempo de contribuição, há no Brasil a aposentadoria por idade mínima de 65 anos para homens e 60 anos para mulheres, no caso de trabalhadores urbanos, e 60 anos para homens e 55 anos para mulheres, no caso de trabalhadores rurais, além de um tempo mínimo de 15 anos de contribuição.

Com o envelhecimento da população brasileira e o aumento da expectativa de vida, que atualmente é de 74,9 anos – mas deve chegar a 80,7 anos até 2050 – a discussão sobre mudanças na aposentadoria vai além da alteração do fator previdenciário.

Giambiagi defende reformas para equilibrar a balança da previdência. Entre elas, estão a adoção de uma idade mínima para a concessão de aposentadorias e também a equalização por gênero, ou seja, igualar a diferença de idade para receber o benefício entre homens e mulheres.

Na Alemanha, por exemplo, a idade mínima para a concessão da aposentadoria é de 67 anos. Na Dinamarca e na Espanha, 65 anos; e na França, 62 anos.

Para o economista Samy Dana, da Fundação Getúlio Vargas, uma mudança na previdência precisa, em primeiro lugar, corrigir o valor do rendimento do FGTS – que atualmente é de 3% mais a taxa referencial, que não passa de 1% ao ano. "O rendimento do FGTS é negativo em termos reais, pois não paga nem a inflação. O ideal seria a manutenção do poder de compra e juros reais", disse.

Fagnani, porém, é contra uma reforma. Segundo o economista, as alterações feitas na década de 1990 já restringem suficientemente o acesso à previdência social, além de terem sido criados impostos para financiar a seguridade social. Ele sugere como alternativa melhorar as condições de vida da população, para que no futuro, as pessoas não dependem apenas do Estado com relação à aposentadoria.

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