AS GARÇAS VAQUEIRAS

Dr. Paulo Lima*

Há tempos não vejo garças vaqueiras nas minhas terras, lá para as bandas do Riacho Doce, já bem próximas ao chamado "cariri paraibano". Para ser mais exato, creio que fazem mais de três anos. Para quem não sabe, essa ave de bico grande, predominantemente campestre, sempre que o inverno chega em nossa região e os açudes e barreiros enchem, elas aparecem e ficam acompanhando o rebanho, e quando os animais deitam para ruminar o capim que comeram no pasto elas aproveitam para fazer a festa, se alimentando dos carrapatos, que ficam presos aos couros dos animais, sugando o seu sangue. Este é um dos motivos pelos quais não pulverizo os animais com veneno, para que elas não morram ao se alimentar desses insetos. Não sei ao certo, mas creio que estas aves devem deslocar-se pelo Brasil a fora acompanhando a invernada e os rebanhos bovinos. Mas, como se sabe, a seca inclemente que se abate sobre a nossa região há três longos anos, afugentou esses pássaros e tantos outros e apenas vemos algumas poucas cabeças de gado em algumas propriedades, cujos donos, teimosos e persistentes como só o sertanejo sabe ser, brigam com a seca, numa luta desigual, alimentando sua meia dúzia de cabeças de gado com o pouco que resta da palma forrageira. 

Esta planta, aliás, também vem sendo dizimada pela praga conhecida como a cochonilha do carmim, de difícil combate e, tal qual a garça vaqueira, não se sabe ao certo como chegou por aqui. Conta-se que foi trazida dos Andes peruanos para se fazer experimentos, já que a tinta que ela solta ao ser esmagada produz um corante na cor vermelha, de sabor adocicado, que serve para tingir tecidos e alimentos e escapou do laboratório, se disseminando pelas nossas pastagens, findando por produzir este verdadeiro desastre ecológico, trazendo prejuízos para os criadores de nossa região. Culpa da ação do homem, por vezes irresponsável.

Eu mesmo tenho pouquíssimos animais em minhas terras; cinco ou seis vaquinhas, duas éguas, um jumento e dois cavalos e, como tantos outros "matutos", quase que diariamente, ao amanhecer, olho para o céu na esperança que a chuva chegue e, junto com ela, as garças vaqueiras. Está difícil, pois, as previsões meteorológicas não são nada animadoras. Agora lembrei da canção de patativa do Assaré, "Triste Partida", imortalizada na extraordinária e potente voz do nosso rei do baião, que diz mais ou menos assim: "Sem chuva na terra descamba janeiro, depois fevereiro e o mesmo verão, meu Deus, meu Deus, entonce o nortista pensando consigo diz: ´isso é castigo não chove mais não´. Ai, ai, ai, ai... Apela prá março, que é o mês preferido do santo querido Senhor São José, meu Deus, meu Deus, mas nada de chuva, tá tudo sem jeito, lhe foge do peito o resto da fé"... 

Mas, para o sertanejo a esperança nunca desvanece e, muito embora saiba que o fim da estação chuvosa em nossa região já se aproxima, o mês de junho já começou sem que ele tenha plantado um só pé de milho, nem mesmo no aceiro do quintal, teima em levantar os olhos logo que começa o amanhecer, tentando vislumbrar na barra do horizonte nuvens que prenunciem a chegada das chuvas. Pois é; o sertanejo é, antes de tudo, um homem de fé.

Conversando dia desses com um meu vizinho, por nome José Bernardo, ele me contou que, junto com as garças vaqueiras foram embora as arribaçãs. Disse-me, que, sempre que o inverno prenunciava ser generoso, logo após as primeiras chuvas, lá vinham elas a devorar as sementes de capim e de milhãs, pondo os seus ovos em ninhos ao nível do chão ou nos trocos das juremas e macambiras e, como uma praga, tal qual a cochonilha do carmim, saia devorando tudo o que via pela frente, com o seu apetite voraz, disputando o alimento, palmo a palmo, com o gado. Mas ele não ligava, pois, segundo o próprio, bem melhor que a seca era ver rebanhos de arribaçãs a prenunciar um inverno generoso. A esta altura da conversa começaram a se formar nuvens na cor de chumbo no horizonte e, com elas, vi um leve sorriso de esperança a surgir no rosto envelhecido de "seu" José Bernardo, entrecortado por rugas profundas que mais parecem o solo seco de um barreiro, mostrando que o "matuto" pode perder tudo; o seu gado, a plantação, e até mesmo o sorriso no rosto, mas nunca vai perder a esperança e a fé.

*PAULO ROBERTO DE LIMA é graduado em Filosofia pela Universidade Católica, bacharel em Direito pela Faculdade de Direito do Recife e advogado.

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